• Tainá Müller
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Quando a Ana Paula, editora-chefe da CRESCER, me chamou para estrear uma coluna neste ano tão maluco e intenso, exatamente no mês do aniversário do Martin, achei que faria sentido escrever uma carta para que um dia ele lesse:

Tainá Müller e o filho, Martin, que completa 5 anos (Foto: Henrique Sauer_reprodução Instagram)

Tainá Müller e o filho, Martin, que completa 5 anos (Foto: Henrique Sauer)

"Há cinco anos, a mamãe entrava em um Uber com a roupa do corpo e uma barriga de 34 semanas, para não voltar nunca mais a ser a mesma. Porque desde que a bolsa nesse mesmo Uber estourou e soube que você ia nascer, eu já me tornei outra. O tão sonhado parto normal deu lugar a uma cesárea assustada, cheia de protocolos que hoje vejo tão desnecessários quanto desconfio que a própria cesárea foi, marcando o início da nossa vida juntos com muita intensidade.

Tainá Müller e o filho Martin, há 5 anos, na UTI neonatal (Foto: Arquivo pessoal)

Tainá Müller e o filho Martin, há 5 anos, na UTI neonatal (Foto: Arquivo pessoal)

Eu lembro de falar mentalmente com você a caminho da sala de parto e só pedir: “respira, filho, respira”. Era tudo o que eu queria, que você nascesse respirando sozinho, algo que o médico falou que não seria provável pela idade gestacional. Mas você, Tintin, não só nasceu respirando como foi tirado da minha barriga com braços abertos e olhos arregalados, cheio de vida e fome de mundo. Fiquei com você três dias no quarto e tudo parecia um sonho. A descarga de ocitocina não me deixava dormir, eu só queria te olhar, maravilhada com aquele serzinho que parecia um duende mágico ou algo do tipo. Mas como nossa vida juntos é cheia de aventuras, no quarto dia, o protocolo hospitalar fez com que você internasse na UTI por uma simples icterícia. Foram momentos difíceis, meu amor. Mas nós o enfrentamos juntos como enfrentaríamos tantos outros. Naquela UTI neonatal eu nasci mãe-leoa.

Filho, este mês você faz 5 aninhos, uma mão cheia de anos e com, pelo menos, um deles passado numa pandemia maluca de um vírus que parece que será para sempre chamado de "novo".  Talvez você não saiba agora, mas essa situação é inédita para a mamãe, para o papai e até para os seus avós. Tenho me esforçado para ser a melhor mãe que posso neste período, tentado deixar as coisas mais leves e naturais. Ainda assim, vez ou outra deixo escapar minhas humanidades, como quando sou flagrada por você chorando ao ver uma notícia do Jornal Nacional. Talvez quando você crescer e  entender mais sobre esse período, perceba que eu estava assustada e tentando me confortar do meu próprio medo nos inúmeros abraços apertados e repentinos que te dei. A essa altura, quando ler esta carta (eu espero que já seja na vida adulta), talvez já tenha entendido que sou um ser que, como você, está em constante caminhada, aprendendo coisas novas a cada dia nessa grande escola-mãe que é o planeta Terra.

Mas voltando ao dia em que você nasceu, meu amor, preciso te dizer que você não saiu de mim e foi direto para os meus braços como eu tanto sonhei. Eu poderia ter esquentado seu corpo no meu em vez de terem te levado para uma caixa acrílica. Por anos, me culpei por na hora não ter tido o discernimento de exigir que você ficasse comigo o tempo todo, por não ter escolhido uma equipe que entendesse o sagrado daquele momento. Mas, hoje, eu acolho o nosso nascimento mãe-filho como parte da nossa história. E, se não pudemos nos olhar assim que você foi tirado de dentro de mim, eu não perco nenhuma oportunidade de olhar no fundo dos seus olhos para tentar te entender, te desvendar, te acolher. E, quando nossos olhares se encontram, exatamente como se encontraram na primeira vez que te alimentei com meu leite, a vida faz sentido num “click". E, se não tivemos aquela, criaremos nossas eternas “golden hour”. É sobre uma cumplicidade só nossa, filho. Sobre compartilhar silêncios. É isso o que eu quero pra gente pelo resto da vida.

Às vezes, a insegurança bate e eu fico imaginando quantos “toco bina” você ainda vai me dar quando eu te ligar para saber como você está. Quem nunca, não é mesmo? (Risos)  Mas eu quero deixar registrado que nutro o mais profundo desejo de que você tenha vontade genuína de falar comigo, mesmo que por holograma. É essa vontade que eu tento construir todo dia, desde que você nasceu, até nos meus erros. E não é que eu queira te prender debaixo da minha asa, o contrário. Eu te ensino tanto sobre o sabor da liberdade que tenho certeza que você vai amar voar longe. Sabendo que nesse ninho sempre vai ter um abraço apertado te esperando. Todo dia 27/05 você faz aniversário, mas o presente é meu. Pois ser sua mãe foi o melhor presente que ganhei nessa existência. E, se eu puder escolher, quero estar por perto ainda por muitas outras."

Tainá Müller (Foto: reprodução instagram)

Tainá Müller (Foto: reprodução instagram)

Tainá Müller, atriz, jornalista, pós-graduanda em filosofia contemporânea e mãe do Martin, 5 anos. Pensando a maternidade como um potente catalisador de evolução. Quer falar com a colunista? Escreva para: crescer@edglobo.com.br