Clariça Lima

Por Clariça Lima

Colunista | Formada em Arquitetura pelo Centro Universitário Belas Artes, especializou-se em Arquitetura Paisagística, no Instituto Brasileiro de Paisagismo

Os princípios da natureza inspiram e orientam todas as relações, não só entre seres humanos, mas em todo o sistema vivo desse planeta. Em vez de um manifesto cultural, seguimos um natural como inspiração para a nossa prática diária.

A biomimética é uma área da ciência que estuda as estruturas biológicas e as suas funções, procurando aprender com a natureza quais são as suas estratégias e soluções de sobrevivência, como coletividade, reciprocidade, metamorfose, resiliência e mimetismo, para, então, aplicar esse conhecimento em diferentes áreas.

O Mercedez-Bens Bionic tem seu formato inspirado no peixe-cofre — Foto: Wikimedia / Creative Commons
O Mercedez-Bens Bionic tem seu formato inspirado no peixe-cofre — Foto: Wikimedia / Creative Commons

Atualmente, a metodologia da biomimética está presente em inúmeras outras áreas, como medicina, arquitetura, engenharia, aeronáutica, design, mobilidade urbana, geração de energia limpa e até em setores sociais, econômicos e de gestão. Alguns exemplos simples de inventos inspirados nos animais, plantas e outros agentes naturais do planeta:

  • A ave martim-pescador otimizou a performance dos trens-balas do Japão;
  • Os carrapichos das plantas do gênero Arctium, que grudam em roupas e cabelos, serviram de inspiração para o velcro;
  • O formato do peixe-cofre inspirou o carro biônico da Mercedez-Bens Bionic;
  • Cupinzeiros serviram de inspiração para "ar-condicionado" em um shopping do Zimbábue.

Com base nessa introdução sobre o assunto, fiz um convite especial ao Marko Brajovic, o maior especialista nessa área que conheço. Ele é arquiteto e designer croata naturalizado brasileiro, mestre em Arquitetura Genética e doutorando em Arquitetura Genética pela Universidad Internacional de Catalunya, em Barcelona, na Espanha.

Vive no Brasil desde 2006, onde se dedica a implementar conceitos da arquitetura e do design inspirados pela natureza na educação experimental, criação de espaços interativos multi-sensoriais, direção criativa e curadoria de exposições.

As formigas são um sistema vivo muito explorado no campo da Biomimética — Foto: Poranimm Athithawatthee / Pexels / Creative Commons
As formigas são um sistema vivo muito explorado no campo da Biomimética — Foto: Poranimm Athithawatthee / Pexels / Creative Commons

Clariça Lima: Apesar da biomimética ser um assunto muito novo e pouco difundido no Brasil, gostaria que você falasse um pouco sobre o engajamento desse tema no país.

Marko Brajovic: No Brasil, já temos alguns trabalhos acadêmicos sobre o assunto. Gostaria de destacar o de uma pesquisadora da Amazônia, que é uma pinça inspirada na mordida das formigas para fechamento de feridas. Há também um grupo de designers que criaram uma proteção para as formigas e outros insetos inspirados em um organismo.

O Biomimicry Institute Care trouxe a primeira metodologia contemporânea transdisciplinar, as lentes. Eles as usam como forma de análise e instrumentalização de processos biológicos para serem aplicados na economia, na arquitetura, no design, etc. Isso permite que os biólogos possam se comunicar com outros campos, o que trouxe várias inovações e soluções nos últimos meses, como tintas autolimpantes, sistemas de recolhimento d’água e outras infinitas soluções.

CL: Fale um pouco sobre a biomimética e como você a aplica em seus projetos.

MB: Para mim, a inspiração da natureza é vista em tudo, navego em várias formas de expressá-la. Às vezes ela pode ser funcional, às vezes poética, até mesmo em como se expressam os fenômenos naturais no nosso subconsciente. Acredito que todos nós temos a capacidade de nos enxergar como natureza e, através da observação do nosso entorno, poder nos expressar, criar e recriar padrões e técnicas que a natureza usa.

Após um período de uma arquitetura industrial, onde o ser humano se distanciou da natureza, sustentou-se até hoje essa visão do mundo moderno. Acredito que estamos no ponto onde o ser humano precisa rever seus paradigmas patriarcais baseados em uma estrutura hierárquica da domesticação da natureza, vivendo consequências claras das mudanças climáticas.

É importante poder detectar que fazemos parte de um fluxo de constante transformação. Essa visão muito ancestral deu voz às práticas que se inspiram na natureza em busca de soluções para adaptações e convivências conosco e outras espécies. Todos nós praticamos no dia a dia a biomimética, e podemos detectar esse processo como uma inspiração da natureza.

As cidades precisam ser repensadas de forma a reincorporar a natureza, como uma grande floresta — Foto: Bryanken / Pexels / Creative Commons
As cidades precisam ser repensadas de forma a reincorporar a natureza, como uma grande floresta — Foto: Bryanken / Pexels / Creative Commons

CL: Vi recentemente que a Alemanha está fazendo uma grande reestruturação em locais onde antes havia muito concreto, com a implantação de praças e áreas de bastante verde, o que fez surgir uma preocupação: como lidar com a vida dos animais silvestres que vivem nessas praças, sendo que, do outro lado da rua, a vida do homem moderno está acontecendo?

MB: Que as cidades não foram feitas para os animais é um fato. O asfalto é um exemplo claro disso, já que os animais sofrem muito com a alta temperatura dele. Penso que uma cidade feita apenas para seres humanos é pouco e solitária. É possível coexistir com outras espécies em harmonia.

É importante que comecemos a projetar as cidades para esses outros animais, para podermos trazer as abelhas para polinização e evitar que os pássaros batam nos prédios altos e espelhados de avenidas famosas. Como trazer anfíbios e peixes para os nossos rios e colocar esses outros seres vivos dentro das nossas cidades? Como implementar isso no dia a dia?

Entendo a cidade como uma grande floresta. A floresta é o maior processo biomimético, é um sistema vivo, que assim como o próprio metabolismo tem suas próprias redes, que colaboram para o bem comum de sustentar a vida nesse ecossistema. Aplicamos este conceito para que nossas cidades possam funcionar de forma resiliente, exatamente como as florestas.

Vemos uma questão similar na biofilia, que virou uma certa tendência e se manifesta através da necessidade do bem-estar e da cura psicológica da conexão com a natureza, que patologicamente cria muitas questões devido a essa distância da natureza dentro de nossas cidades. Precisamos reconhecer em nosso íntimo que somos a natureza.

As aranhas são capazes de construir grandes e firmes estruturas com o mínimo de material — Foto: Marcus Lange / Pexels / Creative Commons
As aranhas são capazes de construir grandes e firmes estruturas com o mínimo de material — Foto: Marcus Lange / Pexels / Creative Commons

CL: Recentemente, fiz uma viagem para a Serra da Capivara, onde observei teias de aranha muito extensas e firmes e fiquei realmente impressionada com tamanha beleza.

MB: As aranhas são os maiores engenheiros da natureza, pois conseguem construir estruturas e desenhos formidáveis, cobrindo grandes superfícies com o mínimo de materiais. Na natureza, os arquitetos são os animais. São esses os grandes mestres que me inspiram. Cada nova obra é um novo desafio e cada novo projeto é um grande estudo, que nos possibilita entrar no mundo da arte e do design.

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