Arquitetura

Por Yara Guerra

Para além dos desafios normalmente apresentados à rotina de quem trabalha com arquitetura e urbanismo, as mulheres enfrentam questões que atravessam as suas identidades e lhes impõem obstáculos no mercado e na carreira.

Um dos maiores desses problemas é a desigualdade salarial. Apesar de as mulheres corresponderem a 63% dos profissionais de arquitetura no país, elas têm menores rendimentos se comparado aos homens ao longo de quase toda a sua carreira, segundo dados Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU/BR).

A diferença de rendimento médio entre os gêneros é de quase R$ 1.700, número que se torna ainda mais discrepante ao se fazer um recorte racial. Conforme o 1º diagnóstico “Gênero na Arquitetura e Urbanismo” do CAU, homens brancos recebem quase o dobro do que as mulheres negras – que também representam o maior contingente de desempregadas.

No Brasil, arquitetas e urbanistas negras ganham quase metade do salário recebido por homens brancos — Foto: Freepik / Creative Commons
No Brasil, arquitetas e urbanistas negras ganham quase metade do salário recebido por homens brancos — Foto: Freepik / Creative Commons

A remuneração é apenas um dos efeitos de um sistema hostil ao trabalho das mulheres. Assédio, discriminação, sexismo e desequilíbrio entre as responsabilidades domésticas também configuram desafios diários na vida das arquitetas brasileiras – que, como tantas outras profissionais, buscam driblá-los em nome de seus sonhos.

"Nós passamos por diversas situações: a falta de orientação profissional em ambiente acadêmico, questões de gênero e raça, violência psicológica no mercado, como um todo, entre outras", diz Audrey Carolini, arquiteta e urbanista à frente do estúdio homônimo.

Como resposta, ela sempre buscou resolver o que estava ao seu alcance: se a universidade não se mostrava preparada para lhe instruir como empresária, ela iria atrás de instituições que poderiam; se o mercado não lhe absorvia por questões ligadas a gênero e raça, ela construiria o seu próprio caminho, com mecanismos que proporcionem a ela e aos seus um ambiente de desenvolvimento saudável.

"Questões de gênero e raça sempre me atravessaram, pois, de certa maneira, criam estratégias que impedem a minha mobilidade profissional ou a retardam. Fazendo um balanço desses últimos anos de atuação, notei que, para estar em locais muitas vezes ocupados por homens brancos, eu tive que trabalhar pelo menos três vezes mais", conta.

A arquiteta e urbanista Audrey Carolini afirma ter tido que trabalhar pelo menos três vezes mais para estar em locais muitas vezes ocupados por homens brancos — Foto: Amanda Bibiano / Divulgação
A arquiteta e urbanista Audrey Carolini afirma ter tido que trabalhar pelo menos três vezes mais para estar em locais muitas vezes ocupados por homens brancos — Foto: Amanda Bibiano / Divulgação

Perceber e refletir sobre isso a fez começar a humanizar ainda mais as suas relações, além de entender os seus outros importantes papéis sociais.

"Após algum tempo, a gente começa a enxergar outras formas de fazer arquitetura, de se manter ativa como empresária e empreendedora, apesar dos obstáculos", conta Audrey, que também é professora no Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo e diretora de Comunicação do Instituto de Fomento à Arquitetura Afrobrasileira.

Para a arquiteta e designer Karol Suguikawa, a questão de gênero é fortíssima na arquitetura e no design. "Quando falamos de arquitetura, esse mercado ainda é muito masculino, muito branco, muito cisgênero. Sentimos que cada vez mais as pessoas precisam que as mulheres estejam abaixo de um homem. É muito complicado uma mulher cuidar de um escritório de arquitetura e urbanismo, sendo a CEO ou a grande líder desse negócio", diz.

Atualmente, ela trabalha como designer para a Breton, cujo quadro de liderança de mulheres é significativo. Por conta disso, Karol enxerga que todas as que colaboram nesse espaço têm a sua voz mais garantida.

"Esse tipo de atitude [discriminação e assédio] acontece o tempo todo. Uma das provas disso é que temos pouquíssimas mulheres cis e, menos ainda, trans nesse mercado", diz.

Para a arquiteta e designer Karol Suguikawa, pessoas com identidades maioritárias devem abrir espaço para as minorias — Foto: Karol Suguikawa / Divulgação
Para a arquiteta e designer Karol Suguikawa, pessoas com identidades maioritárias devem abrir espaço para as minorias — Foto: Karol Suguikawa / Divulgação

No mais, Karol reforça a importância de trazer recortes de classe, raça e outras interseções ao tratar de desigualdades. "Entendendo isso, eu me coloco no lugar de uma pessoa privilegiada – por ser branca, por ter passabilidade cis e ter nascido em uma família de classe média que pôde me dar uma educação de qualidade e suporte até o fim da faculdade, sempre me apoiando", conta.

Segundo ela, ter tido essa experiência a colocou em um lugar que, talvez, outras mulheres trans não tenham tido acesso: "Ao falar de alguma questão que possa ter me dificultado, como discriminação e assédio moral, todas essas questões poderiam ter sido piores. Eu já passei por isso, com certeza, mas nada que tenha me feito desistir do que eu queria ou mudar o meu plano de carreira", afirma.

Larissa Catossi enxerga como um dos desafios profissionais a necessidade de adaptação ao novo papel que surge quando a mulher se torna mãe — Foto: Ray Soeiro / Divulgação
Larissa Catossi enxerga como um dos desafios profissionais a necessidade de adaptação ao novo papel que surge quando a mulher se torna mãe — Foto: Ray Soeiro / Divulgação

A arquiteta e urbanista Larissa Catossi aponta outros tipos de desafios ao falar de sua carreira: a delegação de tarefas e a maternidade.

"Para o escritório crescer, acabamos tendo que delegar algumas funções, umas mais fáceis e outras mais difíceis. Como trabalhamos com criação, acho que esse ponto de delegar a parte criativa é difícil", diz ela, que é pós-graduada em Design de Mobiliário e professora da pós-graduação em Arquitetura, Design de Interiores e Iluminação do Instituto Navigare.

Mãe de uma menina, ela também diz que a maternidade desafia a profissional a se adaptar e aprender a "equilibrar todos os pratinhos".

"Quando eu era solteira e tinha apenas o escritório, a minha dedicação, o meu foco e o direcionamento do meu tempo eram todos aos meus projetos. Depois veio o casamento, e isso meio que se divide em dois. Quando vem a maternidade, você tem que pegar todo o tempo que te resta, dividir em três fatias e ainda fazer sobrar um tempinho para você", explica.

Segundo dados do CAU, a maternidade constitui um maior obstáculo para o exercício da arquitetura do que a paternidade — Foto: Unsplash / Trung Nhan Tran / Creative Commons
Segundo dados do CAU, a maternidade constitui um maior obstáculo para o exercício da arquitetura do que a paternidade — Foto: Unsplash / Trung Nhan Tran / Creative Commons

Se, por um lado, ter filhos pode representar um certo desafio à vida profissional, não tê-los pode suscitar julgamentos e uma noção de controle sobre a vida e o corpo da mulher.

"A maternidade é algo que eu acompanho de longe, enxergando através das colegas que são mães, na maioria, solos. Por opção, entendi que não era o momento de vivenciar uma experiência como essa, mantendo o foco na minha produção profissional, o que também não é algo bem-visto socialmente", diz Audrey.

"A gente começa a enxergar o controle dos nossos passos a partir das escolhas que fazemos, e isso fica bem evidente quando optamos por não vivenciar o lado materno. Homens não são cobrados por optarem ter ou não filhos, e as cargas de trabalho são quase sempre desiguais, canalizando, na figura da mulher, todas as atribuições de educação da criança", acrescenta.

Apesar de entender que avançamos nesse sentido, ela considera necessário que os homens tomem para si essa responsabilidade na discussão e na vida.

As atribuições de educação da criança costumam ser canalizadas na figura da mulher — Foto: Unsplash / Alex Pasarelu / Creative Commons
As atribuições de educação da criança costumam ser canalizadas na figura da mulher — Foto: Unsplash / Alex Pasarelu / Creative Commons

Segundo o diagnóstico realizado pelo CAU, a maternidade constitui um maior obstáculo para o exercício profissional do que a paternidade, considerando que só 1% dos homens declarou ter muita dificuldade de trabalhar por conta dos filhos – número 15 vezes menor do que o percentual feminino.

No caso de Larissa, que é maranhense, ainda outra realidade se impôs há alguns anos: a regionalidade. "Eu a enxergava como uma barreira por falta de oportunidade e, às vezes, acesso a algum tipo de fornecedor. Mas, de uns tempos para cá, eu vejo como uma grande força. O Nordeste ganha uma relevância absurda ano após ano e temos descoberto o trabalho de arquitetos, designers e artesãos fenomenais na região", diz.

Ela acrescenta que, em paralelo aos avanços tecnológicos, cresce a necessidade da reconexão com a simplicidade, por parte do homem. "Eu sinto que o Nordeste tem muito dessa raiz. Hoje, eu enxergo o fato de ser nordestina uma grande força, e não uma desvantagem", comenta.

O que fazer?

A fim de reduzir as desigualdades e os desafios de gênero no horizonte, as arquitetas reuniram algumas reflexões. Audrey, por exemplo, acredita ser necessário que a Academia enxergue e esteja aliada às demandas de mercado para proporcionar mais informações sobre o ciclo de atuação profissional.

"Por semestre, são lançados inúmeros profissionais no mercado, que dependem quase exclusivamente da sorte de terem estagiado no período de sua formação – o que, em escolas periféricas, fora do eixo centro-oeste da cidade, é algo bem complicado de acontecer em tempo hábil por inúmeros fatores", comenta.

"Fomentar parcerias com empresas da área para proporcionar ao estudante contato com o mercado; desenvolver disciplinas que discutam questões mercadológicas, não apenas na posição de empregado, mas de empregador ou prestador de serviços; apresentar as diversas formas de trabalho legal e disciplinas que discutam questões de gênero e raça; e convidar profissionais atuantes para estar dentro dos centros acadêmicos são ações que poderiam atenuar e, a médio e longo prazo, fazer a diferença no nosso mercado", defende.

Um dos caminhos para reduzir a opressão na esfera profissional é aumentar a inclusão, garantindo acesso a minorias — Foto: Freepik / Creative Commons
Um dos caminhos para reduzir a opressão na esfera profissional é aumentar a inclusão, garantindo acesso a minorias — Foto: Freepik / Creative Commons

Já para Karol, um dos caminhos é abrir portas para que as minorias ocupem os espaços que antes lhe oprimiam.

"No meu caso (de novo, dentro de todos os recortes que me privilegiam, ainda que os opressores existam), eu acredito que tudo que consegui na vida foi criando novos espaços. Tudo que fiz na minha carreira e no meu mercado de trabalho, sempre busquei criar locais específicos para mim ou criá-los onde pudessem ser meus e ocupados por mim", diz.

A única forma que ela enxerga de reduzir essa opressão é que, cada vez mais, pessoas pertencentes a identidades maioritárias deem lugar às minorias.

"Enquanto uma pessoa branca não der lugar para uma pessoa preta, enquanto alguém cis não der lugar para uma pessoa trans, esses lugares nunca serão ocupados", afirma.

Segundo a arquiteta e designer, isso acontece através da criação de cotas nas faculdades, no mercado de trabalho e outros ambientes. "É importante ter pessoas trans, negras, PCDs e outras minorias ocupando esses espaços. É essencial ter consciência que esses locais precisam ser ocupados", finaliza.

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