Ressignificação da casa
“Nossas casas estão sendo ressignificadas e assim será também no pós-pandemia”, afirma o arquiteto estudioso de tendências Ozeko. Para ele, a ideia de um lar a ser plenamente vivenciado é forte. “Isso passa pela requalificação dos espaços”, observa a semioticista Clotilde Perez.
Com mais tempo em casa, trabalhando, estudando e nos divertindo, temos de adaptar as áreas a essas necessidades. Por isso, os ambientes flexíveis, ora abertos, ora fechados, estão em alta, assim como cuidados com ergonomia e iluminação. “A liberdade de poder trabalhar em qualquer lugar tem gerado a troca dos grandes centros por cidades menores e com mais verde”, lembra a fundadora da agência de tendências e inovação Spark:off, Andrea Bisker, para quem a multifuncionalidade invade móveis e objetos.
Outro movimento apontado por ela é a reciclagem e a compra de peças de segunda mão, além da locação de móveis. “Esse sentimento de 'não posse' está presente, por exemplo, nos jovens independentes e nos maduros sem filhos, que preferem o coliving, atualmente em ascensão”, lembra o sociólogo especializado em tendências Fabio Mariano Borges. “Trata-se da otimização de recursos financeiros e da simplificação da própria existência”, complementa ele. “Passamos por um processo de reavaliação íntima”, comenta a fundadora da agência de tendências Dezon, Iza Dezon. Isso reflete-se, para ela, na liberação do que não serve mais e em uma vida mais longa aos objetos.
Outro ponto importante é o bem-estar: valorizam-se desde a higienização até produtos específicos, como cortinas antipoluição. Há ainda o autocuidado. Banheiros tipo spa são bem-vindos para momentos só nossos. “Já a cozinha virou espaço meditativo para muitos”, opina Iza. Ela ainda lembra certa busca pela “ressacralização dos espaços”, uma onda de espiritualidade que reflete a “segunda onda hippie” vivida hoje.
De mãos dadas com a natureza
Amor à vida é o significado de biofilia, tendência que continua forte para o próximo ano. A intensa presença do verde torna-se a tradução mais imediata dela em nossas residências. Há algum tempo vemos verdadeiras florestas urbanas presentes em casas e apartamentos. “Esse interesse na ‘verdificação’ da casa tem a ver com uma geração que chamo de ‘nativos ecológicos’”, explica Iza Dezon.
A ideia é contar com plantas, mas também com área para plantar legumes e verduras, composteiras caseiras, material de demolição para erguer construções, painéis fotovoltaicos e purificação da água, entre outras possibilidades. “Na decoração, a natureza surge não apenas de maneira crua, mas também estetizada em móveis e objetos”, lembra Clotilde Perez, referindo-se a peças de desenho orgânico ou tecidos florais, por exemplo.
Designers de interiores e arquitetos são influenciados fortemente por esses aspectos e estabelecem o design biofílico nos espaços e edificações, com materiais naturais e elementos de caráter sustentável. Por que, afinal, não adotar um telhado verde nas próximas construções?
Em paralelo, seguem a biomimética, estudo das estruturas biológicas para obter soluções, e o biodesign. Designers apresentam projetos, por exemplo, como cobogós feitos com casca de sururu ou revestimentos para paredes produzidos com conchas. Outras ideias são luminárias com bactérias decorativas ou uma cadeira executada a partir do mix de cogumelos e fibras naturais. São iniciativas como essas que levam à reflexão sobre o consumo típico do passado.
Tecnologia do afeto
“Há anos falamos sobre a casa do futuro, mas ela já está aqui e agora”, considera o jornalista especializado em tecnologia e telecomunicações Ethevaldo Siqueira. De fato, ao pensar que o advento da internet se deu nos anos 1990, fica claro que nos últimos 30 anos passamos por uma revolução, que transformou nosso cotidiano. “Ela é contínua e se vê acelerada com o isolamento social”, lembra Ozeko.
Estamos conectados, mas precisamos de uma banda larga de internet mais potente, já que agora trabalhamos em casa e a dividimos com os outros moradores. As experiências imersivas, como os jogos, são sedutoras tanto quanto assinarmos mais e mais serviços de streaming, outra tendência para os próximos tempos. “Além disso, queremos a tecnologia para fazermos mais coisas de maneira concomitante”, comenta a expert da consultoria de previsão de tendências WGSN Luiza Loyola.
Isso significa contar com o cruzamento do high-tech com o design, com resultados como eletrodomésticos cada vez mais conectados para dosar a distância a temperatura do refrigerador, que ajuda com a lista do mercado; lavar roupa na lavadora enquanto se está fora; ou regular de longe o ar-condicionado para chegar em casa com o clima ideal.
A "internet das coisas" junta-se à inteligência artificial dos assistentes virtuais, que se disseminarão. “Esse tipo de automação ainda não é tão forte no Brasil”, lembra Fabio Mariano Borges. “Uma casa inteiramente conectada, em que o controle de tudo se faz com o celular, hoje não é argumento tão fundamental na decisão de uma mudança de imóvel”, completa ele.
Iza Dezon lembra que teremos menos interfaces: “Haverá, por exemplo, mais comandos de voz e de presença”, prevê ela. Esse processo de desmaterialização fluido vai revelando uma tecnologia com algo de afetivo, com as mais diversas aplicações para nos ajudar a cuidar, por exemplo, da saúde e segurança.