• Por Rosana Ferreira
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“Cabine de Curiosidades” criada pela empresa Emerging Objects, sediada na Califórnia, é uma demonstração altamente elaborada de que a impressão 3D pode ser sustentável, bonita e dinâmica (Foto: Reprodução / emergingobjects.com)

“Cabine de Curiosidades” criada pela empresa Emerging Objects, sediada na Califórnia, é uma demonstração altamente elaborada de que a impressão 3D pode ser sustentável, bonita e dinâmica (Foto: Reprodução / emergingobjects.com)

"Design biofílico, biodesign, biomimética, design sustentável, design sensorial, psicologia do design e neuroarquitetura serão alguns dos termos mais usados no que se refere à design de interiores e arquitetura daqui para frente." A afirmação é do arquiteto e urbanista Ozeko, estudioso de tendências, e reflete as mudanças que estão em processo em relação à sustentabilidade e à preservação do planeta. 

Em entrevista à Casa e Jardim, Ozeko defende a valorização da relação entre homem e natureza, com exemplos criativos de designers e empresas que estão inovando em produtos e serviços baseados no biodesign – que tem o propósito de colocar a biologia a favor da arquitetura, do design e das cidades. "Até porque todo mundo ganha ao ter ao redor pessoas satisfeitas, produtivas e saudáveis, qualquer que seja o ambiente usufruído", diz. Confira a entrevista completa:

Casa e Jardim - Defina biodesign.
Ozeko - A técnica conhecida como biodesign ou design vivo tem o propósito de colocar a biologia em favor da arquitetura, do design e das cidades. Ela é caracterizada pela utilização de organismos vivos ou resíduos em produtos ou serviços. O biodesign dedica-se também à modificação e à criação de organismos, seja numa perspectiva de melhoramento de qualidades, seja na fabricação ou manipulação de outros organismos. Ou seja, certos organismos são criados como fábricas de organismos.

Diante a necessidade de haver um salto para melhorar o design, visto a crise climática, o aumento das ações de sustentabilidade foram uma das consequências propositivas. Design biofílico, biomimética, design sustentável, design sensorial, psicologia do design e neuroarquitetura, entre outros, serão os termos mais usados no que se refere à design de interiores e arquitetura daqui para frente. Apesar das visões diferentes, todos eles valorizam a relação entre homem e natureza.

Já está mais que entendido que o biodesign e/ou arquitetura biofílica, de maneira sábia e equilibrada, só trarão benefícios a residências, aos locais de trabalho e ao nosso meio urbano e ambiental. Até porque todo mundo ganha ao ter ao redor pessoas satisfeitas, produtivas e saudáveis, qualquer que seja o ambiente usufruído.

Como se interessou pelo assunto?
Desde a universidade foi fundamental a sensibilidade sobre visão de futuro. Trata-se do início de uma revolução, na qual a geração passa a dar status à matéria-prima e aos processos de produção que zelam pelo meio ambiente e pela reutilização de resíduos naturais. Essa é uma mudança de paradigma dos consumidores. Entender que o “novo luxo” segue a “nova estética” que é a ética. Com a pandemia, nada mudou, mas acelerou-se grandes mudanças que já estavam em curso.

O design é uma atividade fundamental na construção da sociedade hoje e no futuro. Tudo o que é feito pelo homem tem design. Pode ser bom ou mau, arcaico ou avançado. E, como em todo o resto, também neste escopo, as mudanças são velozes e às vezes radicais. Destaco uma de extrema relevância: evolução das ciências da vida.

A evolução das ciências da vida tem fomentado um novo e futurista campo para a prática do “novo design”: o da manipulação e fabricação direta da vida. O que põe em causa a própria natureza do humano e pressupõe a emergência de uma nova essência, que sendo ainda de base humana, já não é “naturalmente” humana. O conceito de biomimetismo (imitação) descreve o design inspirado nas soluções da natureza e não distante do biodesign (criação) com moléculas, células, tecidos, órgãos, corpos inteiros, deixaram de ser produtos exclusivos da natureza para se tornarem artefatos criados pela ação humana. A concretização do meio natural e artificial essencialmente juntos.

Ao compreender o quão recente é a nítida mudança e a evolução dos nossos modos de morar, além de hábitos, em 2007 adotei o termo “eco-high-tech” – que significa a união de visão de sustentabilidade holística e a alta tecnologia, seja ela social, robótica, seja em design.

A arquiteta israelense Neri Oxman usa biocompostos e materiais da natureza, como a pectina da casca da maçã, os corais e a seda do bicho da seda, para criar uma matéria-prima biodegradável e não poluente (Foto: Reprodução / oxman.com)

A arquiteta israelense Neri Oxman usa biocompostos e materiais da natureza, como a pectina da casca da maçã, os corais e a seda do bicho da seda, para criar uma matéria-prima biodegradável e não poluente (Foto: Reprodução / oxman.com)


Cite exemplos de iniciativas nesse sentido. 
Neri Oxman, arquiteta israelense, professora do Massachusetts Institute of Technology (MIT) e pesquisadora do Media Lab, tem atuado com biocompostos e materiais da natureza como a pectina da casca da maçã, os corais e a seda do bicho da seda para entender a estrutura por trás desses produtos biológicos e, a partir disso, criar uma matéria-prima artificial, mas que na verdade foi gerada pela natureza. Essa matéria-prima biodegradável e não poluente é então colocada em uma impressora 3D, onde são construídas estruturas gigantes, que vão desde instalações artísticas até abrigos de grande porte.

Neri mistura a natureza e as construções humanas de uma maneira sólida, resistente e ao mesmo tempo bela. A união incrível de tecnologia, arte e biologia. É um manifesto contra as maneiras tradicionais de construir, que são verdadeiros poluentes do nosso planeta, gerando elevadas taxas de gás carbônico na atmosfera e também deixando inúmeros resíduos não descartáveis em aterros e lixões. 

A equipe do Shell Works reaproveita parte dos quase 7 milhões de toneladas de resíduos de crustáceos produzidos a cada ano na produção de plástico reciclável biodegradável, material versátil e bonito para vários fins (Foto: Reprodução / Dezeen)

A equipe do Shell Works reaproveita parte dos quase 7 milhões de toneladas de resíduos de crustáceos produzidos a cada ano na produção de plástico reciclável biodegradável, material versátil e bonito para vários fins (Foto: Reprodução / Dezeen)

Outro exemplo é a equipe multidisciplinar da empresa Shell Works, de Londres, que trabalha para reaproveitar parte dos quase 7 milhões de toneladas de resíduos de crustáceos produzidos a cada ano. A equipe produz embalagem compostável a partir da extração de um biopolímero chamado quitina dos resíduos de frutos do mar – transformando cascas de lagosta em plástico reciclável e biodegradável. O material resultante não é apenas versátil e bonito, mas também fertiliza o solo à medida que se degrada em quatro a seis semanas após ser descartado.  

dupla de designers Jihee Moon e Hyein Hailey Choi, do Newtab-22 criou a "Pedra do Mar”, um material sustentável feito de conchas do mar descartadas, com propriedades físicas semelhantes às do plástico e visual que lembra cimento (Foto: Reprodução / Dezeen)

A dupla de designers Jihee Moon e Hyein Hailey Choi, do Newtab-22 criou a "Pedra do Mar”, um material sustentável feito de conchas do mar descartadas, com propriedades físicas semelhantes às do plástico e visual que lembra cimento (Foto: Reprodução / Dezeen)

Já a dupla de designers Jihee Moon e Hyein Hailey Choi, do Newtab-22, busca resultados que visam abordagens críticas para a sustentabilidade e sua importância para a sociedade. A preocupçaão é com os mais de 7 milhões de toneladas de conchas descartadas todos os anos, cuja maior parte vai para aterros sanitários. A dupla criou a chamada “Pedra do Mar”, um material sustentável feito a partir desse resíduo, com propriedades físicas semelhantes às do plástico, porém natural, não tóxico e visualmente semelhante ao cimento

Placas produzidas com bagaço de uva chardonnay, serragem, cimento e borra de café reciclada. Projeto da Emerging Objects, empresa sediada em São Francisco, na Califórnia  (Foto: Reprodução / emergingobjects.com)

Placas produzidas com bagaço de uva chardonnay, serragem, cimento e borra de café reciclada. Projeto da Emerging Objects, empresa sediada em São Francisco, na Califórnia (Foto: Reprodução / emergingobjects.com)

A Emerging Objects, empresa sediada em São Francisco, na Califórnia, está tornando-se referência em projetos inovadores de impressão em 3D. Suas criações incluem um tijolo cerâmico poroso, que esfria passivamente o interior das edificações, um bule impresso a partir do chá, móveis feitos de pneus reciclados e uma pequena casa sustentável apelidada de “Cabine de Curiosidades”. É uma demonstração altamente elaborada de que a impressão 3D pode ser sustentável, bonita e dinâmica. A casa é feita com cerâmica impressa em 3D a partir de cascas de uva chardonnay recicladas, serragem, café, cimento e bioplástico translúcido.

A “Mesa de Musgo Biofotovoltaico”, projeto de Carlos Peralta, Alex Driver e Paolo Bombelli, emprega musgos como fonte de energia renovável para acender a luminária integrada ao móvel (Foto: Reprodução / thisisalive.com)

A “Mesa de Musgo Biofotovoltaico”, projeto de Carlos Peralta, Alex Driver e Paolo Bombelli, emprega musgos como fonte de energia renovável para acender a luminária integrada ao móvel (Foto: Reprodução / thisisalive.com)

O design vivo amplia o uso e a otimização de novas fontes de energia verde, árvores e plantas que se integram com a arquitetura dos novos edifícios. Um exemplo é o projeto do colombiano radicado na Inglaterra Carlos Peralta, do inglês Alex Driver e do italiano Paolo Bombelli. A “Mesa de Musgo Biofotovoltaico” emprega musgos como fonte de energia renovável para acender a luminária integrada ao móvel. A criação é composta de plástico ABS, acrílico, fibra de carbono, papel carbono com micropartículas de platina, neoprene, musgos e terra. 

Como vê o biodesign no futuro?
Vejo com "futuralidade" – conceito que deve ser modelo mental de todos, para ver o futuro e as mudanças com naturalidade. Acho que nosso comportamento típico de produzir e consumir será contínuo. Mas a produção e o consumo estarão mais integrados com os ecossistemas e tentarão até melhorá-los. Imagino casas híbridas construídas, em parte, com árvores vivas. Residências geradoras de energia, que usam soluções biológicas para digerir lixo. E por que não tanques hidropônicos nos lares? Vejo o modelo “eco-high-tech” sendo implementado desde o mindset da geração perpassando pelos hábitos culturais e, consequentemente, em concretização de microssoluções ao meio ambiente urbano e ambiental por meio de soluções do biodesign – ou seja, ações de sustentabilidade aliadas à alta tecnologia, seja robótica e orgânica e natural, seja artificial.

Algumas dessas tecnologias, técnicas e hábitos estão disponíveis, mas ainda é preciso fazer investigações para entender melhor como os organismos funcionam em nível molecular e também como interagem uns com os outros. Descobertas fundamentais ainda estão sendo feitas. Haverá um longo período de tempo para que estejam mais integradas ao dia a dia da casa, por exemplo.

A filosofia de design, “ecologia de materiais”, em que a área de pesquisa e a abordagem científica explora, informa e expressa as inter-relações entre o construído, o crescido e o aumentado, será crescente e um fator importantíssimo para a evolução do “modelo biodesign" – a crescente e contínua reinvenção dos materiais. Cada dia mais questionaremos o pensamento racional da lógica arquitetônica de pensar, desde a revolução industrial, em que linhas de montagem ditam um mundo feito de partes fragmentadas e lineares, enquadrando a imaginação de profissionais de arquitetura e de design, que foram treinados a pensar nos seus projetos como resultados de fragmentos com funções diferentes.

A metodologia de atuação com mais resultados assertivos será a do trabalho com uma equipe multidisciplinar, incluindo engenheiros, arquitetos, biólogos, químicos e cientistas da computação, entre outros players, com seus vários olhares e perspectivas diferenciadas. Devemos nos adaptar mais a cada dia às mudanças construtivas e de espaços em um futuro próximo, o que nos mostra um caminho urgente para começar a repensar o status quo do design, da arquitetura e da engenharia civil neste mundo que já não suporta mais processos tão arcaicos.

#UmSóPlaneta, vem com a gente. Não existe planeta B.