• Por Diego Revollo
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Diego Revollo comenta sobre as mudanças enfrentadas no lar pósma pandemia de coronavírus. Projeto Hao Design (Foto: Reprodução)

Diego Revollo comenta sobre as mudanças enfrentadas no lar pósma pandemia de coronavírus. Projeto Hao Design (Foto: Reprodução)

Em meio à avalanche de informações que chegam até nós nessa época de pandemia, fica difícil assumir um pensamento crítico e realmente livre, já que tantas vozes atropelam nossas telas e insistem em nos falar. Do meu lado, tenho evitado até “lives” desnecessárias, porque não me vejo acima da maioria das pessoas e tampouco me coloco na posição de achar que o meu dia a dia é, de alguma forma, especial ou que mereça ser exibido.

Na contra mão das mídias sociais, cada vez mais tenho valorizado a boa e velha análise da imprensa tradicional, seja em jornais, revistas e até na televisão, esta última descartada por mim em tempos anteriores. Em épocas que se busca a verdade, a curadoria bem feita e o velho e bom jornalismo feito com preparo e muito trabalho certamente se tornam essenciais e nos mostram que o papel de “separar o joio do trigo” precisa existir.

Diante de tantos artigos e mensagens motivacionais que nos dizem que nasce um “novo mundo” ou que viveremos um “novo normal” mais ético, humano e verdadeiro é preciso enxergar o que disfarçado de virtudes novamente não é apenas marketing ou mera auto-ajuda que sempre agrada e tem público fiel disposto a consumi-la, sem restrições. Vale aqui lembrar que em cenários anteriores, apocalípticos e de guerras, as virtudes se tornaram raras e não o contrário. Ainda assim, eu que me considero um otimista e ainda sensível, enxergo por essa razão algumas mudanças boas que refletem a forma como vivemos. Se elas irão permanecer conosco quando a engrenagem do mundo voltar a funcionar no ritmo acelerado ainda é cedo para afirmar, mas vale ainda assim mencionar algumas que tenho observado apesar do excesso de incertezas.

1. Fortalecimento da casa
É inegável que o mundo todo, não necessariamente ao mesmo tempo, da noite para o dia inverteu completamente o espaço físico em que costumava permanecer. Até então passávamos mais tempo no trabalho e a casa era aonde íamos para descansar, recarregar as baterias ou no caso de muitos aqui, a pausa em si do trabalho, este último a razão e motor da vida, essa inversão nos obrigou a realmente olhar para a nossa casa. Se antes pensava ser um fenômeno que só me atingia, já que é meu ofício, ao longo dessa quarentena conversando com amigos e principalmente com clientes pude constatar que todos passaram a examinar com lupa cada espaço e cada função. Logicamente se temos que permanecer mais tempo em casa, passamos a analisar e a dar maior importância, valorizando o lugar que habitamos. Se até então todos tentavam cada vez mais nos dizer que a vida só acontecia do lado de fora de nossas casas, agora percebemos o contrário e voltamos a ter a percepção de que aprimorar a forma como moramos é fundamental para nos sentirmos bem.

2. Espaço físico e luz natural
Certamente e ao contrário do que falávamos, até esse momento da história, viver em mais metros quadrados pode sim resultar em ganho de qualidade de vida. A partir do momento em que a vida acontece dentro de casa e não nos espaços públicos ou em áreas de convivência, o grande chamariz de venda da maioria dos lançamentos imobiliários, nas grandes cidades, talvez esteja agora enfraquecido. Por mais que o ser humano se adapte e que um bom projeto seja capaz de resolver todas as questões funcionais e estéticas dos micro-espaços, sairemos dessa valorizando a amplitude, espaços mais livres e iluminados. Estar ao ar livre sem limites físicos ou simular ao máximo essa sensação dentro de nossas casas nunca foi algo tão desejado. Certamente ambientes até então pouco utilizados ou mal resolvidos por muitos, como varandas e terraços, pelo excesso de luz natural e sensação de estar do lado de fora estão nesse momento se tornando espaços de convívio amplamente utilizados e desejados por muitos. A vontade de respirar ou viver ao ar livre, com mais espaço, mas dentro dos limites de nossa casa, passa a ser sonho de consumo.

3. Cozinha usada por todos
Se a frase “não entro na cozinha” já era cada vez menos utilizada e proferida pela maioria dos clientes agora ela definitivamente foi banida. Um dos pontos que talvez tenha mais mexido e transformado a nossa rotina refere-se ao uso da cozinha. Mais democrática do que nunca, passa ser comum e aceito, todos os membros de uma família envolvidos no preparo de refeições. Colocar a mão na massa e principalmente na louça nunca esteve tão presente no nosso dia a dia. Tirando a parte do trabalho físico, que realmente toma tempo, o que mais gosto de ver é que, tanto para mulheres e homens, cozinhar passou a ser uma atividade novamente valorizada. Se em outras épocas mulheres buscaram a todo custo tratar o ato de perder horas na cozinha, como algo menor ou menos engrandecedor quando comparado à suas carreiras, agora vejo muitos exibirem com orgulho e serem admirados por terem essas habilidades. E o resultado disso tudo é que controlando e terceirizando menos a nossa comida, estamos mais conscientes do que ingerimos e talvez muitos como eu comendo melhor e de maneira mais saudável. Se a maioria das pessoas apostava no aumento dos serviços de entrega e na consolidação dos aplicativos de comida no início da pandemia, eu quero acreditar que o hábito de cozinhar é que aumentou. E prefiro apostar que crianças e principalmente os mais jovens não adotem, apesar da pressão e do excesso de publicidade contrária, ou que pelo menos não acreditem que receber um pacote de comida em casa, preparada de forma mágica por outra pessoa é a melhor maneira de se alimentar.

4. Consumo consciente
Como muitos de vocês, eu também passei a valorizar o essencial. E nesse sentido não só acumular ficou fora de propósito, mas mais do que isso questionar diariamente o nosso estilo de vida passou a ser recorrente. De repente é como se uma nova ética pairasse sobre todos e que, mesmo que não concordemos, o momento demanda cautela e principalmente humanidade em tudo que falamos, postamos e consumimos.

Sai de cena, pelo menos neste momento, o supérfluo, o que de fato não precisamos, e principalmente o que era consumido apenas como excesso de vaidade ou auto-afirmação. Para um profissional que se coloca ciente do cenário de mundo que se apresenta, no meu ponto de vista, passa ser fundamental entender que se antes ostentar um estilo de vida ou hábitos de consumo era considerado até inspirador para alguns, hoje é desnecessário e, mais do que isso, inadequado e até ofensivo. Talvez seja a hora de procurarmos ser realmente úteis no nosso trabalho, apresentando soluções que realmente importem e que de fato possam melhorar a vida das pessoas dentro de suas casas. Consumir menos e melhor e evitar os exageros reflete a necessidade o nosso despertar para um mundo mais real, menos encenado e mais verdadeiro.