'Dias perfeitos', filme 'fora da curva' indicado ao Oscar, é uma ode à simplicidade

Exímio domínio técnico, notável paleta de cores e inspirada trilha sonora são alguns atributos do longa de Wim Wenders; Bonequinho aplaude de pé

Por — Rio de Janeiro


Cena de 'Dias perfeitos' Divulgação

A rotina tem seus encantos. Título do último filme de Yasujiro Ozu (1962) sintetiza a saga de Hirayama, lavador de banheiros públicos de Tóquio. Que o espectador não se assuste: em foco, toaletes com design premiado feito para as Olimpíadas, tão impecáveis que o aplicado servidor usa lupa para detectar eventuais sujeirinhas.

Hirayama. Cerca de 60 anos, aparenta viver em paz. Seu passado resume-se à paixão por livros, fitas-cassetes de hits americanos dos anos 70 e uma jurássica máquina fotográfica com a qual acumula fotos em preto e branco de vegetação desfocada. Sua casa é modesta e organizada. O essencial: todo dia ele faz tudo sempre igual, a começar pelo sorriso ao abrir a porta e saudar um novo dia.

Esta sucessão de “Dias perfeitos”, assinada por Wim Wenders (coautor do roteiro com Takuma Takasaki), representa o Japão na corrida de Oscar de filme internacional. Em era digital acelerada, obra tão fora da curva vem coletando celebrações significativas — como o prêmio de melhor ator ao magnífico Koji Yakusho em Cannes.

Uma contrapartida à realização poderia estar no recente “O melhor está por vir’, de Nanni Moretti, aflito com o presente e com o futuro. O celebrado diretor alemão parece digerir melhor triunfos e fracassos. Entre seus dois filmes mais aclamados — “Paris, Texas” (1984) e “Asas do desejo (1987” — realizou “Tokyo-Ga” (1985), documentário em busca de vestígios do citado Yasujiro Ozu, mestre incomparável da representação do essencial.

Sem medo da simplicidade, Wenders/Hirayama parecem dizer que o melhor é agora, o passado já era, o futuro, ninguém sabe. Com exímio domínio técnico, notável paleta de cores, inspirada trilha sonora, “Dias perfeitos” abre discretas frestas para eventos e pessoas que vez por outra atropelam a missão de Hirayama: aproveitar o instante-já, sem abrir mão das emoções que afloram à revelia. Nota de rodapé: aguarde o final dos créditos.

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