À medida em que os palestinos retornam a Khan Younis, no sul da Faixa de Gaza, após a retirada do Exército de Israel no domingo, começam a ter dimensão do impacto da guerra sobre o que já foi um dos principais centros do território palestino. Imagens captadas durante a volta dos moradores e relatos iniciais revelam um cenário de destruição enquanto ainda persistem incertezas sobre um possível retorno das operações israelenses na área: nesta segunda-feira, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, anunciou que há uma data para o início da ofensiva em Rafah, cidade apontada por Tel Aviv como o último reduto do Hamas.
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— Os bombardeios, mortes e destruição não são suficientes? Há corpos sob os escombros, podemos sentir o fedor — disse Muhammad Yunis, de 51 anos, em entrevista à AFP.
Fotos e vídeos registrando o retorno palestinos a Khan Younis revelam que áreas antes ocupadas por construções foram completamente devastadas e agora assemelham-se a terrenos baldios; prédios total ou parcialmente destruídos; munições e cartuchos aos montes, espalhados pelas ruas.
Após a saída dos soldados, muitos palestinos resolveram retornar como foi possível — a pé, de carro, carroça ou bicicleta — com a esperança de retornar para suas casas e deixar os abrigos temporários em Rafah, no extremo sul do enclave.
— Mesmo que não esteja habitável, é sempre melhor do que as barracas — disse Maha Thaer, mãe de quatro filhos que voltou na esperança de voltar a viver em seu apartamento em Khan Younis.
De acordo com o Exército de Israel, o último grupo de soldados deixou Khan Younis para “se recuperar e se preparar para operações futuras”. A imprensa israelense afirma que, após a retirada da 98ª Divisão do Exército, nenhuma tropa terrestre está em operação no sul de Gaza.
Contudo, as autoridades do país deixaram claro que as Forças Armadas permanecerão em outras partes de enclave para preservar sua “liberdade de ação e sua capacidade de conduzir operações precisas baseadas em informações”. O ministro da Defesa, Yoav Gallant, afirmou que a saída de Khan Younis aconteceu "para preparar missões futuras", incluindo Rafah, para onde cerca de 1,5 milhão de pessoas fugiram ao longo da guerra em busca de refúgio.
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Em uma publicação no X (antigo Twitter), o premier israelense afirmou que há uma data para o início da incursão israelense na cidade localizada no extremo sul do enclave, embora não tenha especificado quando. Netanyahu afirmou que a vitória contra o Hamas "exige a entrada em Rafah e a eliminação dos batalhões terroristas que estão lá." Os EUA, principal aliado do Estado judeu, disseram que ainda se opõem à incursão.
— Deixamos claro para Israel que acreditamos que uma invasão militar em grande escala de Rafah teria um efeito extremamente prejudicial sobre esses civis e que, em última análise, prejudicaria a segurança de Israel — disse o porta-voz do Departamento de Estado, Matthew Miller. — Deixamos claro para eles [Israel] que acreditamos que há uma maneira melhor de atingir o que é um objetivo legítimo, que é degradar, desmantelar e derrotar os batalhões do Hamas que ainda permanecem em Rafah.
O presidente francês, Emmanuel Macron, o presidente egípcio, Abdel Fatah al-Sisi e o rei Abdullah II da Jordânia também alertaram Israel sobre as "consequências" de tal invasão.
O movimento de recuo também acontece em um momento-chave para as negociações de um cessar-fogo temporário com o grupo terrorista Hamas. As negociações diplomáticas no Cairo continuam, e o premier afirmou que parecem estar avançando. "Hoje recebi um relatório detalhado sobre as negociações", afirmou na publicação desta segunda. "Estamos trabalhando o tempo todo para atingir nossos objetivos, principalmente a libertação dos reféns e uma vitória total sobre o Hamas".
A nova rodada de negociações ocorre enquanto aumenta a pressão interna pelo retorno dos reféns capturados pelo Hamas sobre o governo de Netanyahu, que no dia anterior prometeu "a completa eliminação do Hamas em toda a Faixa de Gaza, incluindo Rafah".
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O clima belicoso provocou receio em parte dos palestinos, que preferiram esperar um pouco antes de retornar a Khan Younis. Osama Asfour, de 41 anos, que está abrigado numa tenda em Rafah, foi um deles. Desde o início da guerra, o Exército regressou a áreas de Gaza de onde as suas forças já tinham saído, especialmente no norte. Dada essa realidade, Asfour disse que não tinha planos imediatos de voltar para sua cidade.
— Os militares podem dizer que partiram hoje, mas podem voltar amanhã —disse Asfour, que trabalhava no Hospital Nasser em Khan Younis, em uma entrevista ao New York Times. — Não vou embarcar em uma aventura com minha vida e com a vida de minha família . (Com AFP e NYT)