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Por — Jerusalém

A pista de dança do Festival Nova, festa rave que foi palco de uma das chacinas executadas pelo Hamas em 7 de outubro de 2023, deu lugar a um memorial improvisado, com fotos das pessoas mortas ou sequestradas no local. A música eletrônica que tocava no momento do ataque foi substituída por conversas sussurradas, como as que se ouvem em velórios. Cochicho que na manhã de 3 de março foi cortado pelo som estridente de uma detonação que ressoou nos ouvidos de quem visitava o terreno nos arredores do kibutz Re’im, a poucos quilômetros de Gaza.

Shmerling, cabeça completamente raspada e portando uma arma longa que passa de uma mão a outra enquanto gesticula, reforçou a defesa israelense antes mesmo de saber que o país enfrentava uma invasão em larga escala — a maior em décadas. O reservista conta que sobreviveu porque um amigo o aconselhou a “sempre virar à esquerda” na estrada, o que evitou inimigos no caminho, e teve de se fingir de morto. O que viu no dia do atentado determinou sua visão do conflito.

— Para mim, pessoalmente, os civis em Gaza não importam — disse o oficial, enquanto apontava para três sandálias de couro e borracha que jogou no chão após retirar de sua caminhonete branca, estacionada em frente às fotos das vítimas. — Você vê isso? Eu tirei dos corpos deles [palestinos, no dia do atentado]. São sandálias de civis. As pessoas que as calçavam mataram e estupraram. E você me pergunta se eu tenho pena deles? Não a essa altura. Sem chance.

Ofer Shmerling, oficial de segurança civil no sul de Israel — Foto: Renato Vasconcelos/O Globo
Ofer Shmerling, oficial de segurança civil no sul de Israel — Foto: Renato Vasconcelos/O Globo

A guerra entre Israel e Hamas completa seis meses nesta domingo. Além dos quase 1,2 mil mortos em Israel no dia do ataque, em sua maioria civis, por volta de 600 soldados do país morreram desde o início da campanha militar em Gaza. Do lado palestino, o Ministério da Saúde do Hamas registra mais de 33 mil mortos, em sua maioria crianças e mulheres, enquanto a ONU aponta quase 1,5 milhão de deslocados e estima que 70% das áreas residenciais de Gaza foram destruídas.

Apesar de todos os desdobramentos, para grande parte da sociedade israelense, o tempo parou em 7 de outubro. A violência do ataque provocou um trauma coletivo e quebrou a sensação de segurança que existia antes, apoiada em uma ideia de inviolabilidade por meio da superioridade militar. O cenário de guerra e a captura de reféns colaborou para a legitimação não apenas da operação militar em Gaza, mas também do endurecimento da abordagem de Israel contra todos considerados inimigos do Estado, não só o Hamas.

Shmerling mostra 'sandálias civis' que diz ter retirado dos corpos de palestinos mortos durante o ataque de 7 de outubro — Foto: Renato Vasconcelos/O Globo
Shmerling mostra 'sandálias civis' que diz ter retirado dos corpos de palestinos mortos durante o ataque de 7 de outubro — Foto: Renato Vasconcelos/O Globo

‘Pessoas como nós’

O refeitório do kibutz Nir’Oz não voltou a ser utilizado depois do ataque. Nem poderia. Cadeiras e mesas foram arrumadas de forma cênica com fotos dos sequestrados na comunidade do sul de Israel, de onde é possível ver Gaza no horizonte. Os estilhaços de vidro não foram retirados do chão e um odor putrefato paira no ar.

À medida que se caminha para o antigo depósito, o odor fica mais forte. Meses após o atentado, a comida estocada ali já tinha apodrecido. O ar é intragável perto da câmara fria, hoje desligada da energia, onde ficaram os corpos das quase 40 pessoas mortas no kibutz antes de serem recolhidos pelas autoridades.

O que se passou em Nir’Oz e em outras comunidades do sul foi determinante para a visão geral que se criou do conflito e a mudança de chave na abordagem israelense às ameaças externas. Quase ninguém foi contra a decisão das Forças Armadas de invadir Gaza por terra após a retirada unilateral do território em 2005.

Operações contra o chamado Eixo da Resistência também foram autorizadas, atingindo alvos do Irã e do movimento xiita libanês Hezbollah. A repressão na Cisjordânia aumentou, tornando 2023 o ano mais letal no território ocupado desde o início dos registros, segundo a Médicos Sem Fronteiras. Das 450 mortes, mais da metade foi após o 7 de outubro.

Refeitório do kibutz Nir'Oz, atacado pelo Hamas em 7 de outubro — Foto: Renato Vasconcelos/O Globo
Refeitório do kibutz Nir'Oz, atacado pelo Hamas em 7 de outubro — Foto: Renato Vasconcelos/O Globo

Em frente à fachada chamuscada do que já foi a casa de David Cunio, em Nir’Oz, Silvia Cunio recolhe do chão um cartaz com o rosto do filho que deveria estar pregado na porta. O papel é similar a outros milhares espalhados por Israel com as fotos dos reféns em Gaza. Após parte deles ter sido libertada durante uma trégua temporária em novembro, Israel estima que ainda haja 102 em cativeiro, onde também estariam os corpos de outros 34.

Silvia vive um calvário há seis meses. Ela teve dois filhos — que seguem em Gaza — duas noras e duas netas sequestradas pelo Hamas. Chegou a pensar em vingança, mas o que deseja agora é a paz. E teme pelas pessoas no enclave.

— Os palestinos são pessoas como nós. Muitos vinham trabalhar aqui neste kibutz. [Tínhamos] uma relação muito boa. Tenho amigos árabes, palestinos e beduínos, e não posso querer vingança. São amigos: ligavam por telefone para falar conosco, para saber como estávamos, se precisávamos de algo... Eles estão mal neste momento — disse, contando que perdeu o contato com todos desde o início da guerra.

Silvia Cunio mostra cartaz do filho David, cativo em Gaza há seis meses — Foto: Renato Vasconcelos/O Globo
Silvia Cunio mostra cartaz do filho David, cativo em Gaza há seis meses — Foto: Renato Vasconcelos/O Globo

Liat el-Makaes, moradora do norte de Israel, vai seis vezes por semana ao Hospital Rambam, em Haifa, onde o filho Adir, de seis anos, é submetido a hemodiálise. Paciente terminal, Adir é atendido na estrutura subterrânea da unidade, projetada para períodos de guerra. Crianças palestinas, que faziam parte do mesmo dia a dia, não tiveram a mesma sorte. Os médicos afirmam que, após seis meses sem o tratamento, os pacientes têm chances nulas de estar vivos.

— Sei do sofrimento que existe em Gaza. Muitos conhecidos, que vinham ao hospital para que os filhos fizessem hemodiálise, sumiram. Não tivemos mais contato após o dia 7. Sinto muito por eles e pelo que acontece lá.

O impacto na população civil foi descrito pelo historiador e escritor israelense Gideon Avital-Eppstein como uma “dissonância cognitiva”, durante um discurso em um protesto contra o governo em Tel Aviv, em outubro:

— Até recentemente, eles pensavam que havia algo parecido com a paz e que estava funcionando — disse.

O medo de que um acordo de paz leve a uma desmobilização que exponha a população a um novo massacre é grande sobretudo perto das fronteiras, onde a abordagem linha-dura parece reunir mais apoio.

— As pessoas entenderam o que acontecerá aqui [no norte]. O governo entendeu — disse Udi, um ex-integrante das Forças Especiais, que retornou do México para o kibutz Kfar Blum, a cerca de 6,5 km da fronteira com o Líbano, onde a principal preocupação é com uma invasão do Hezbollah. — Ninguém quer [que Israel inicie uma guerra com o grupo libanês], mas não há uma escolha. Porque entendemos qual é o plano.

Ameaça existencial

Udi, 46 anos, ex-integrante das forças especiais de Israel, atualmente faz parte de equipe de defesa do kibutz Kfar Blum — Foto: Renato Vasconcelos/O Globo
Udi, 46 anos, ex-integrante das forças especiais de Israel, atualmente faz parte de equipe de defesa do kibutz Kfar Blum — Foto: Renato Vasconcelos/O Globo

Publicamente, analistas e autoridades políticas e militares discutem o “plano” ao qual o reservista Udi se refere: o extermínio do Estado e do povo judeu. A guerra em Gaza, dizem, não se limita ao Hamas, mas a interesses de outros países, sobretudo do Irã. A ideia de uma ameaça existencial levou às ações decisivas e também a uma escalada retórica. O premier Benjamin Netanyahu foi acusado de incentivar a matança de palestinos ao citar a história bíblica de Amaleque — nação inimiga de Israel que Deus teria ordenado ao rei Saul exterminar — em um discurso a soldados. O ministro da Defesa Yoav Gallant chamou os inimigos de “animais animalescos”. As frases foram mencionadas pela África do Sul durante a acusação de genocídio na Corte Internacional de Justiça.

É difícil determinar a adesão da população às falas mais extremistas, mas há alguns termômetros. A primeira eleição realizada desde o atentado, no começo de março, foi apontada como uma vitória dos ultraortodoxos e partidos religiosos, em um pleito que teve menos de 50% de participação. Por outro lado, o general Benny Gantz, principal adversário de Netanyahu, aparece em pesquisas recentes como favorito em cenários projetados para uma eleição antecipada. Nas ruas, manifestações contra o premier voltaram a ter participação massiva no último mês.

Homens carregam corpo de palestino morto em Jenin, na Cisjordânia, onde o Exército de Israel atua — Foto: Zain Jaafar/AFP
Homens carregam corpo de palestino morto em Jenin, na Cisjordânia, onde o Exército de Israel atua — Foto: Zain Jaafar/AFP

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