Confiança é tudo: como marcas de beleza centenárias misturam tradição e inovação para conquistar novas gerações

Sem abandonar a tradição, setor de perfumaria, cosméticos e higiene pessoal inova para manter a sintonia com o consumidor

Por — Rio


Loja da Granado: empresa centenária trocou de mãos na década de 1990 e usou a tradição para rejuvenescer a marca Divulgação

Num país em que a idade média das empresas era de 11,4 anos em 2021, segundo levantamento do IBGE divulgado no fim do ano passado, surpreende que a certidão de nascimento de algumas delas remonte ao início do século XX ou ao XIX.

Mas isso não é tão raro no setor de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos, que coleciona marcas centenárias que estão na memória afetiva de várias gerações. Afinal, particularmente neste segmento, tradição e confiança fazem diferença.

A história de algumas dessas marcas longevas revela lições de como um negócio pode preservar seu legado e, ao mesmo tempo, inovar para manter sua sintonia com o comportamento do consumidor, misturando passado e futuro no presente.

Centenárias: gigantes globais com mais de um século

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Centenárias: gigantes globais com mais de um século

É a fórmula do sucesso para Sissi Freeman, diretora de Marketing e Vendas do Grupo Granado Phebo. Há duas décadas ela é a principal estrategista da companhia, mas está ligada a ela desde que, em 1994, seu pai, o empresário inglês Christopher Freeman, comprou o negócio fundado pelo português José Antonio Coxito Granado em 1870, com direito a selo da família imperial.

Em 30 anos sob nova direção, a indústria renovou seu portfólio privilegiando justamente a tradição em uma ambiciosa estratégia de rebranding (revitalização de marcas). Seus produtos passaram a chamar a atenção com uma pegada vintage nas embalagens e um braço de varejo com lojas atentas aos mínimos detalhes. Renascida, a Granado acelera agora, aos 154 anos, seus passos no exterior.

Sissi Freeman lidera o marketing da Granado: 'Nossa marca é democrática, transita entre várias classes sociais' — Foto: Divulgação

— Quando se tem uma empresa centenária, a responsabilidade por sua manutenção e crescimento é maior. Meu pai e eu queremos inovar, valorizar o legado, torná-la globalizada e representante do cosmético do Brasil — planeja Sissi, que comanda 2.094 empregados, pilota ações de marketing e projetos sociais e ainda capitaneia a estratégia de diversificar canais de vendas.

Além da indústria, o grupo tem 95 lojas no Brasil. Lá fora, há lojas-conceito na França, em Portugal, nos EUA e na Inglaterra. Chega logo à Espanha com pontos de venda na loja de departamentos El Corte Inglés.

Granado chegou a Londres — Foto: Divulgação

A Granado entrou em perfumaria há seis anos, mas a categoria já representa 24% das vendas em loja. No portfólio, há 32 colônias, 11 eaux de toilette e 10 perfumes. Para se atualizar e abrir novas frentes de crescimento, incorporou a agenda ESG ( governança ambiental, social e corporativa) com o compromisso de produção limpa e sustentável e logística reversa de embalagens.

— Nossa marca é democrática, transita entre várias classes sociais — afirma Sissi. — Em 2023, tínhamos a meta de crescer de 18% a 20%, mas já em outubro estávamos em 26% e alcançamos R$ 1,3 bi de receita líquida, alta de quase 35% em relação a 2022.

Segundo ela, o lucro foi de R$ 215,4 milhões em 2023, mais que o dobro do ano anterior: R$ 86,3 milhões.

Pegada 'vintage'. Produtos da Granado, empresa centenária que renasceu na década de 1990 sob nova direção revitalizando seu antigo portfólio — Foto: Divulgação

Para Clotilde Perez, professora da USP e integrante do Conselho Firjan de Mulheres, os pilares tradição e qualidade são as bases da inovação e da permanência no mercado de beleza e cuidados pessoais.

— Só é possível ser inovador a partir da excelência e do conhecimento profundo do mercado, incluindo as pessoas — analisa a pesquisadora de marcas e publicidade e autora de “Há limites para o consumo?”. — O lançamento de novos produtos, a ressignificação de itens já existentes e extensões de linha cumprem essa função de vitalidade da marca.

Cosméticos orgânicos

Nesse campo, a suíça Weleda também é uma centenária que assumiu práticas ESG para se modernizar. Construiu uma sólida reputação de 103 anos com cosméticos naturais, orgânicos e sustentáveis e medicamentos antroposóficos — uma linha de pensamento criada, em 1912, pelo austríaco Rudolf Steiner, que alia ciência e espiritualidade.

A exemplo de outras multinacionais centenárias de beleza — como as francesas L’Oréal (1909) e Coty (1904), a japonesa Shiseido (1872) e a americana Avon (1886), comprada pela brasileira Natura — a Weleda se espalhou pelo mundo. Está em mais de 50 países. No Brasil, onde busca sintonia com os novos tempos, faturou R$ 100 milhões no ano passado, correspondentes a 3% da operação global.

Seus produtos, feitos com óleos vegetais e essenciais e extratos são certificados pela Natrue, associação internacional de fabricantes de cosméticos naturais e orgânicos. É o tipo de produto que cai como uma luva no perfil de sua consumidora no século XXI: mulher jovem e mãe, entre 25 e 55 anos, de classe A.

Seguir os princípios da agricultura biodinâmica, que renuncia a elementos industrializados, sintéticos e químicos, exigiu que a marca mantivesse oito cultivares, um deles com 30 espécies de plantas, em São Roque, interior de São Paulo.

— Nossas consumidoras têm ou estão construindo um estilo de vida mais natural, sustentável e consciente, pautado em escolhas como alimentação saudável; consumo e descarte responsável de produtos; uso de cosméticos, medicamentos, terapias holísticas e integrativas — descreve a farmacêutica-bioquímica Maria Claudia Villaboim Pontes, CEO da Weleda no Brasil e na América Latina.

Com o auxílio de influenciadores digitais nas redes sociais, a Minancora lança uma família de projetos para conquistar as novas gerações — Foto: Divulgação

Demorou, mas a Minancora, fundada em Joinville (SC) em 1915, destaque em cuidado dermatológico tópico, entrou nas redes sociais em 2017. O mote inicial de que sua pomada “o Brasil inteiro conhece e usa” aos poucos agregou um humor leve. Mas o foco é a agenda de movimentos identitários, como o feminismo e o LGBTQIA+. No Instagram, os 109 mil seguidores são chamados de “minancolovers”.

— O humor foi um caminho para quebrar o gelo em busca de uma linguagem mais coloquial — diz Lourdes Duarte, gestora-presidente da Minancora, que frisa que a marca não gera passivo ambiental nem faz testes em animais.

‘Lifting’ na deusa

No início de 2024, para se adequar aos novos tempos, a deusa Minerva, logomarca da Minancora há 109 anos, passou por um lifting. No redesenho da embalagem da pomada multiúso, à base de cânfora, óxido de zinco e cloreto de benzalcônio, houve a preocupação de manter o mesmo visual tradicional, mas a efígie reaparece de perfil e com ar altivo. Tudo a ver com a mulher de hoje, acredita Lourdes.

— O objetivo foi torná-la mais empoderada — explica a executiva, advogada de formação que é bisneta de Eduardo Gonçalves, farmacêutico português fundador da marca. —Temos consumidores cativos, mas, com as redes sociais e o e-commerce, estamos chegando às novas gerações. Por isso atuamos com influencers em todo o Brasil.

Segundo dados da Close-Up International, empresa de soluções do setor farmacêutico, a Minancora teve um aumento de vendas nas plataformas on-line de 104% no primeiro trimestre deste ano.

— Acredito que se deve ao trabalho nas redes digitais — afirma Lourdes, que prefere não abrir as cifras da empresa, mas informa um aumento de dois dígitos nos pontos de venda físicos. — A pomada Minancora é vendida em 95% das farmácias no Brasil. É trabalho de gestão, não é milagre passar dos 100 anos.

Clientes corporativos

Desde 1997, a família Minancora vem ganhando integrantes na área de skin care, como creme antiacne, sabonetes em barra e líquido antiacne, gel creme antissinais e um creme relaxante para os pés.

— Vamos ampliar nosso portfólio com lançamentos para o corpo em 2025 — revela Lourdes, que planeja a oferta da operação para clientes corporativos, outras marcas e empresas, por meio do modelo de economia colaborativa.

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