Negócios
PUBLICIDADE

Se o lugar comum diz que o Brasil é uma nação jovem, ainda mais é o seu capitalismo. Mesmo assim, o país já coleciona grandes corporações centenárias. Muitas nasceram do empreendedorismo de uma pessoa e hoje são multinacionais brasileiras cheias de futuro, reconhecidas como referências em setores econômicos muito distintos.

Do banco à siderúrgica, da distribuidora de energia ao fabricante de papel ou de talheres, essas organizações têm em comum o fato de terem sido consistentemente inovadoras, sintonizadas com as novas tecnologias e as mudanças da sociedade ao longo de muitas décadas.

Souberam superar crises, mapear riscos e traçar estratégias de crescimento aprendendo com o passado, mas sempre com foco nas oportunidades do presente e nas tendências do futuro, destacam executivos e especialistas em administração.

Só na Bolsa de São Paulo, a B3, onde estão listadas algumas das maiores companhias do Brasil, há mais de uma dezena de centenárias. Alexandre Ribas, CEO da Falconi, consultoria especializada em gestão de negócios, diz que empresas longevas partilham de uma estratégia central:

— Elas desenvolvem um sistema de relacionamento com seus clientes e fornecedores que é sólido, difícil de romper, e que gera credibilidade. Isso faz com que tenham um “passe livre” para acelerar sua transformação ao longo dos anos. Integram as listas das top 10 ou top 20 marcas mais lembradas e vão puxando toda a cadeia. Ninguém se torna centenário se não tiver condições de gerar resultados positivos de forma constante.

Contexto histórico

Paulo Vicente Alves, professor da Fundação Dom Cabral (FDC) concorda que, para que uma empresa sobreviva no topo por mais de 100 anos, o ecossistema em que está inserida tem de crescer junto.

Ele cita como deveres de casa qualificar fornecedores, refinar a cadeia logística e aprimorar a educação nas comunidades em que estão inseridas as unidades produtivas para garantir mão de obra de qualidade, impulsionando produtividade na empresa e no mercado em geral, gerando renda e consumo.

É importante também entender, ressalta o pesquisador, por que a virada do século XIX para o XX foi tão fértil para ao nascimento desses negócios:

— Foi um momento em que o ecossistema brasileiro, de mineração e plantação, mudou, ficou mais diverso. Houve a libertação dos escravizados. Na virada do século teve a primeira grande onda do agro, com a ocupação da terra, imigrantes. Depois vêm os grandes cafeicultores, que, quando não conseguem mais crescer, começam a industrializar, sobretudo a partir de 1910.

Havaianas, fabricada pela Alpargatas: companhia ingressou na Bolsa em 1913 — Foto: Hermes de Paula / Agência O globo
Havaianas, fabricada pela Alpargatas: companhia ingressou na Bolsa em 1913 — Foto: Hermes de Paula / Agência O globo

Muitas gigantes que fazem parte do cotidiano do brasileiro são empresas centenárias, mas que se mostram sempre avançadas. A Alpargatas, fabricante das sandálias Havaianas, por exemplo, foi fundada em 1907 em São Paulo pelo imigrante de escocês Robert Fraser. Ele produzia o Roda, um calçado para trabalhadores da lavoura cafeeira.

A companhia ingressou na Bolsa já em 1913. Com a Primeira Guerra Mundial e a crise do café, a fabricação do Roda foi interrompida e a empresa começou a transformar seu portfólio. Há 60 anos criou as Havaianas, que viraram um símbolo do Brasil.

— O principal atributo para o sucesso da Alpargatas é sua capacidade de se adaptar aos mais diversos cenários, com inovação constante e conexão com a sociedade brasileira. Tivemos outras marcas que marcaram gerações, como Topper, Rainha, Lee Jeans, com produtos icônicos, como Bamba, Conga, Kichute — lembra Liel Miranda, CEO da empresa.

Em 1905, a Companhia de Força e Luz Cataguases-Leopoldina saía do papel no interior de Minas Gerais, para construir uma pequena hidrelétrica. A Usina Maurício foi inaugurada três anos depois para levar energia a fazendas de café e a uma fábrica de tecidos na região. Hoje, a companhia se chama Energisa e atua em vários estados, da geração à distribuição de energia.

Ricardo Botelho, CEO da Energisa — Foto: Divulgação/ Alexandre Campbell
Ricardo Botelho, CEO da Energisa — Foto: Divulgação/ Alexandre Campbell

— Em 1905, os fundadores tomarem a decisão de sair do café, da economia agrícola, para ingressar em um negócio novo seria quase como dizer hoje que montaram uma startup. E, de fato, foi isso. Abriram um negócio novo, de energia elétrica, que ainda não tinha em Belo Horizonte nem no Rio — conta Ricardo Botelho, membro da família fundadora que hoje é o CEO da companhia sediada no Rio.

‘Experiência e ousadia’

O grupo não para de criar “startups”, como subsidiárias de soluções para o mercado livre de energia e fontes renováveis. Segundo Botelho, a inovação a partir do que profissionais capacitados trazem do que há de mais avançado fora sempre foi uma marca:

— Para surgir com essa inovação, precisa do tech da startup, que vejo no meu tio-bisavô. Ele tinha ido para a Inglaterra, onde se formou em Engenharia Elétrica. É como mandar alguém hoje para o Vale do Silício estudar inteligência artificial (IA) — compara Botelho. — Para se manter, é preciso aliar experiência e ousadia, ter visão de longo prazo com foco em geração de valor, gestão apaixonada pela operação. E ainda estar na fronteira do conhecimento na transformação energética.

A Suzano, que comemora 100 anos em 2024, é hoje a maior fabricante de celulose do mundo, mas surgiu de um pequeno comércio de papéis criado pelo ucraniano Leon Feffer. Dez anos depois, com travas à importação de papel em meio à Segunda Guerra, ele vendeu todos os seus bens, incluindo a casa da família, para investir em seu projeto de produção nacional.

Fábrica da Suzano no interior do Mato Grosso do Sul — Foto: Divulgação / Suzano
Fábrica da Suzano no interior do Mato Grosso do Sul — Foto: Divulgação / Suzano

Funcionou. A primeira fábrica veio em 1941. O grupo teve alguns saltos marcantes como o pioneirismo nas pesquisas para produzir celulose no Brasil, testando o eucalipto como matéria-prima. Daí em diante, houve sucessivas aquisições até a da rival Fibria, resultado da incorporação da Aracruz pela Votorantim Celulose e Papel, em 2019.

Em 2023, incorporou a unidade de papel higiênico (tissue) da Kimberley-Clark e não quer parar. No início do mês, foi noticiada uma oferta de US$ 15 bilhões da Suzano pela americana International Paper, o que a empresa não confirmou.

Ir para fora é outro aspecto comum na receita de muitas gigantes longevas dos negócios, avalia Alves, da FDC:

— Internacionalização é um mecanismo para ampliar a base de clientes e diversificar as fontes de receita, reduzindo o risco. Melhora a cadeia de insumos, as condições de produção, a logística, dá acesso a práticas mais avançadas.

Diversificação importa

Para Ribas, da Falconi, a expansão internacional é também um definidor de que lado a empresa está no mercado:

— O que define se uma companhia será a presa ou o caçador é a sua capacidade de gerar dinheiro para sair de uma dificuldade, comprando ou sendo comprada. Se limita sua capacidade de gerar caixa, vira alvo da crise ou de um concorrente.

Eduardo Scomazzon, presidente do Conselho de Administração da Tramontina, bate na tecla da importância da inovação para explicar como a ferraria criada no interior do Rio Grande do Sul, em 1911, virou uma das maiores e mais populares indústrias do país:

— Nos nossos centros de inovação, pesquisa e desenvolvimento são desenvolvidos estudos minuciosos antes de qualquer lançamento, não apenas para ampliar nosso portfólio no que se refere a novas formas físicas e funcionais, e sim, para investir em detalhes únicos que despertam o desejo do consumidor.

A primeira inovação da Tramontina foi um canivete. Hoje, produz mais de 22 mil itens, de utilidades para a cozinha à insumos para construção, em nove fábricas. Exporta para 120 países.

Holding familiar

Ater-se ao propósito da companhia — o que não significa necessariamente manter-se no mesmo mercado — é também uma via para crescer beneficiando-se da experiência acumulada. Daí a vantagem de algumas empresas centenárias que mantêm o comando nas mãos de uma mesma família, desde que a gestão seja profissionalizada.

A Votorantim, iniciada em 1918 em São Paulo pelo português Antonio Pereira Ignacio, tem seu nome atrelado até hoje à família de José Ermírio de Moraes, genro do fundador. Antonio Ermírio de Moraes, filho de José, foi a principal face da empresa até sua morte, em 2014.

A Votorantim começou na indústria têxtil, no interior de São Paulo, e aos poucos foi se diversificando, tornando-se uma multinacional em setores como energia, celulose, siderurgia, alumínio, mineração. Hoje, é uma holding de investimentos da família, com 12 empresas no portfólio, como Banco BV, Hypera, CCR e Votorantim Cimentos.

— Compreendemos ao longo do tempo que uma governança sólida, fundamentada em decisões bem embasadas e sustentada por valores sólidos, amplia significativamente nossa capacidade de navegar os mais distintos ciclos e manter a perenidade dos nossos negócios — diz o CEO da Votorantim S.A., João Schmidt.

Fundada em 1901, Gerdau sempre apostou na diversificação: obstáculo agora é concorrência agressiva do aço chinês — Foto: Agência O Globo
Fundada em 1901, Gerdau sempre apostou na diversificação: obstáculo agora é concorrência agressiva do aço chinês — Foto: Agência O Globo

A Gerdau, criada em Porto Alegre em 1901 por um agricultor alemão, João Gerdau, também sempre apostou na diversificação. Entrou na produção de aço em 1948 e se tornou uma das maiores siderúrgicas do mundo. Hoje, está em nove países, incluindo os EUA, onde tem mais de 30 unidades. Mais de 70% do aço que produz vêm de sucata reciclada.

Em 2020, criou a Next, para investir em empresas de ramos como os de construção civil, logística e energia verde, incluindo um fundo de investimentos em startups. Depois, botou de pé a Gerdau Graphene, de produtos baseados no grafeno, um condutor usado em painéis sensíveis ao toque e células fotovoltaicas. Nessa longa trajetória, a Gerdau driblou várias crises. O obstáculo agora é a concorrência agressiva do aço chinês.

— O principal desafio que enfrentamos é ir acompanhando e nos adaptando às mudanças do mundo diante de cenários cada vez mais dinâmicos e de uma sociedade em constante transformação — destaca Gustavo Werneck, CEO da Gerdau desde 2018 e o primeiro que não vem das famílias fundadoras.

Gustavo Werneck, presidente da Gerdau — Foto: Claudio Belli/Valor
Gustavo Werneck, presidente da Gerdau — Foto: Claudio Belli/Valor

Em entrevista ao GLOBO, no fim de fevereiro, o executivo defendeu que contar 122 anos de fundação da Gerdau não pode levar a uma visão arrogante de que os próximos 100 estão garantidos. Para ele, é preciso trabalhar para manter a cultura e incorporar novos elementos para não perder competitividade, como em qualquer negócio de sucesso.

Agenda ESG como norte

Na Klabin, fabricante de celulose que também é a maior exportadora de papéis e embalagens de papel do país, a constante atualização foi fundamental nos seus 125 anos, diz o diretor-geral, Cristiano Teixeira:

— Um dos diferenciais da companhia foi sua capacidade de antecipar ao longo dos anos as tendências do setor de papel e celulose e as necessidades de mercado, o que possibilitou investir na diversificação das linhas produtivas e fortaleceu a integração da operação.

Funcionário manipula rolo de papel reciclado em fábrica da Klabin: empresa foi fundada em 1899 — Foto: Paulo Fridman/Bloomberg
Funcionário manipula rolo de papel reciclado em fábrica da Klabin: empresa foi fundada em 1899 — Foto: Paulo Fridman/Bloomberg

Esse movimento, diz o executivo, avançou com a ênfase em planejamento, considerando a sustentabilidade e o cuidado com as pessoas, além da busca constante por eficiência. A Klabin foi criada pelo lituano Maurício Freemam Klabin, dois irmãos dele e o primo Miguel Lafer, em 1899.

Novas unidades de produção e aquisições foram ampliando o raio de atuação da empresa, que comprou os ativos da International Paper no Brasil em 2020. Tem 22 fábricas no país e uma na Argentina. Para Teixeira, a necessidade de adaptação constante a um ambiente empresarial em rápida transformação é o principal desafio de organizações longevas como a Klabin:

— A tecnologia é a principal aliada nessa jornada, possibilitando a ampliação dos usos potenciais das florestas no cotidiano e facilitando a criação de produtos sustentáveis em toda a cadeia de valor. Além disso, estamos imersos num cenário de imprevisibilidade, sujeitos a oscilações súbitas no mercado internacional e às mudanças climáticas.

Paula Fabiani, CEO do Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (Idis), observa que essas grandes corporações longevas têm também um papel relevante na modernização da economia do país, impulsionando as práticas sociais, ambientais e de governança, hoje agrupadas na sigla em inglês ESG.

— Ter visão de cidadania, de desenvolvimento do país, até para que elas tenham mercado e se desenvolvam, é importante. Essas companhias têm influência na agenda ESG. Puxam sua cadeia de fornecedores, consumidores, trazendo quem está alinhado às suas boas práticas. E atraem talentos — ela diz, acrescentando que esse potencial tem seu avesso. — Já vimos empresas de grande porte perderem valor por corrupção, falta de ética, impacto ambiental negativo. Para quem busca longevidade, não ter responsabilidade social é um risco muito grande.

Mais recente Próxima Fundador da Benetton vai deixar a companhia: traições, denúncias e rombo de cem milhões de euros
Mais do Globo

Solução jurídica é considerada em caso de pena por tentativa de fraude em exame antidoping ser mantida

De saída do Flamengo, Gabigol admite cláusula para proteger clubes interessados em caso de punição no CAS

Terra Afefé, como foi chamada a microcidade, também inspirou exposição em cartaz no Rio

Conheça Rose Afefé: A mulher que construiu sozinha uma cidade na Bahia

Ex-chacrete, que completou 70 anos, fala sobre passagem do tempo, shows em Serra Pelada e Carandiru e vida plena e livre: 'Não vivo sem sexo, mas existem tantos brinquedinhos'

'Sou dona do meu corpo', diz Rita Cadillac

Regulamentação proposta contempla a privação deste direito aos cubanos no estrangeiro que pratiquem 'atos contrários aos elevados interesses políticos, econômicos e sociais' da ilha

Nova lei de imigração em Cuba abre caminho para a retirada de cidadania dos opositores políticos

Se daqui a alguns anos Julian Assange não for lembrado como herói no mundo Ocidental, é porque, muito provavelmente, a democracia falhou

O herói e o traidor

Relatório do Ministério da Unificação traz relatos de desertores sobre punições severas, inclusive com a morte, e vídeos dando exemplos de 'atividades reacionárias'

Proibição a K-Pop, óculos escuros e vestido de noiva: Coreia do Sul acusa Pyongyang de intensificar 'cruzada cultural'

Fase mata-mata do torneio disputado na Alemanha começa no próximo sábado (29), às 13h (de Brasília)

Oitavas de final da Eurocopa 2024: veja as datas e os confrontos definidos da competição

KC-390 Millennium foi equipado com sistema que projeta até 12 mil litros d'água pela lateral do avião. Aeronave já foi usada em missões humanitárias no RS, Haiti, Líbano e outros

Como é o avião da FAB, cargueiro 'mais rápido e moderno do mundo', que combate incêndio no Pantanal pela 1ª vez

Operação entre o Ministério Público, governo estadual e Polícia Militar identificou 18 pontos de ignição que geraram queimadas em 56 mil hectares de terra

'Onde houver fogo, vai ter investigação', explica promotor após identificação de 12 fazendas como origem de incêndios no Pantanal