Malu Gaspar
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A fraude nos balanços da Americanas orquestrada pela alta cúpula da empresa acontecia a partir de um mecanismo que se retroalimentavam: primeiro os executivos passavam a seus contatos no mercado financeiro estimativas de ganhos falsas e superestimadas, e depois, quando os analistas divulgavam suas expectativas sobre os resultados da companhia, os mesmos executivos alteravam os dados do balanço para que ele atendesse ao que o mercado esperava.

É o que aponta o parecer do Ministério Público Federal (MPF) que embasou a operação Disclosure da Polícia Federal na última quinta-feira (27).

A delação da ex-superintendente da Controladoria da Americanas, Flávia Carneiro, revelou aos investigadores a existência de um arquivo chamado de “verdes e vermelhos” nas instâncias internas da empresa, que comparava os números do balanço com a expectativa de crescimento por parte do mercado.

Segundo a delatora, os dados eram usados para que a diretoria soubesse o quão distante a companhia estava das projeções dos analistas e maquiasse o balanço para chegar aos números esperados.

O responsável pela interlocução com os analistas das casas de investimento, encarregado de sondar o humor do mercado em relação às Americanas, era o diretor de Relações com Investidores, Fabien Picavet.

O MPF e a PF recolheram várias conversas entre Carneiro e Picavet que demonstram preocupação em construir a melhor "narrativa" para o mercado, o que por vezes exigia, nas palavras do diretor executivo, “refazer a análise [dos números] e montar o discurso”, em um diálogo de julho de 2020.

Outro objetivo, demonstrado para o MPF com “clareza solar” através dos diálogos interceptados, era inflar de maneira artificial o preço das ações da Americanas a partir da operação, em uma espécie de círculo vicioso.

E para isso não bastava inflar os lucros. Era preciso atender a todas as expectativas, inclusive em relação às despesas da empresa, como no caso de alugueis. Num dos diálogos captados pelo MPF e pela PF, em, agosto de 2020, Flávia Carneiro conversa com Picavet sobre esse assunto.

O diretor se diz "preocupado" com os valores que serão declarados ao mercado, sabendo que se fossem muito altos poderiam afetar a percepção dos investidores a respeito da companhia.

Flávia então explica que a equipe de auditoria está "pedindo o racional e criticando a linha [os valores] de aluguel principalmente”, mas afirma que vai "sentir com ela [a representante da auditoria] então entre os pontos críticos [sic] e se não mudarmos [pergunto] o que ela faria."

“Eu acho menos pior do que a ação cair 15%”, escreveu Picavet.

Ela completa: "Se ela não mencionar metemos a mão e pronto".

Dados arbitrários

Para os procuradores, é “evidente” que os diretores da Americanas se valiam das perspectivas do mercado para fabricar os resultados da empresa. Em alguns casos, como demonstram diálogos interceptados entre Picavet e Flávia Carneiro, que a definição das cifras era “arbitrariamente decidida por eles”, muitas vezes sem parâmetros mínimos, ao contrário de manobras como operações de risco sacado, apenas para entregar o melhor resultado possível – ainda que fictício.

“Os investigados repassavam dados falsos aos analistas, para pautarem as análises que seriam divulgadas por eles ao mercado, com a clara finalidade de ancorar em balizas sabidamente falsas as expectativas para o resultado da companhia”, observa o parecer do MPF.

Outra evidência da arbitrariedade dos números em geral apontada pelo MPF é outro diálogo de WhatsApp no qual Fabien Picavet cobra de forma incisiva de Flávia as cifras parciais do balanço adulterado diante da apreensão de investidores e o mundo financeiro em geral em relação às finanças da Americanas, provocando divergências entre as projeções para a companhia.

“Nunca estive tão desesperado e cego… Relatórios saindo com uma dispersão maluca…”, relatou Picavet.

Como também publicamos no blog, o orçamento original da empresa, sem fraudes, era chamado de “versão zero”, enquanto cada atualização com as alterações era nomeada v1, v2, v3 e assim por diante, até o formato final encaminhado ao mercado com a maquiagem concluída.

“Esquece de mim não. Preciso de algo para alinhar [com o] mercado”, escreveu Picavet. “Pode ser prévia! V1 serve…”, completou.

No mesmo diálogo, ele sugere que a diretoria elaborasse uma simulação de resultados antes que as cifras fossem revisadas pelo setor de contabilidade. Carneiro manifesta preocupação com os riscos, mas o colega alerta que a divergência no mercado pode prejudicar a companhia, em uma referência indireta ao preço das ações.

Picavet retorna, então, com cenários de analistas para que escolhessem o mais verossímil para amparar o balanço fraudado. Segundo o parecer do MPF, os dois compararam cada análise aos dados da empresa, incluindo anos anteriores. Carneiro chega a defender, na conversa, que a diretoria simplesmente usasse a pandemia de Covid-19 como desculpa para alguns indicadores em queda.

O ex-diretor de Relações com Investidores foi um dos alvos de busca e apreensão da PF nesta quinta-feira, bem como outros 14 alvos. A operação também tentou cumprir mandados de prisão contra o ex-CEO da Americanas Miguel Gutierrez e a ex-diretora Anna Ramos Secali, que estão foragidos.

A operação é baseada nas delações premiadas de Flávia Carneiro, que protagoniza os diálogos com Fabien Picavet, e Marcelo Nunes, que foi diretor executivo financeiro e revelou o esquema para o CEO indicado para substituir Gutierrez, Sergio Rial, e seu futuro CFO, André Covre.

Por meio de nota, os advogados do ex-CEO disseram não ter tido acesso aos autos e, por isso, "não têm o que comentar". Ainda segundo o comunicado, Gutierrez "reitera que jamais participou ou teve conhecimento de qualquer fraude e que vem colaborando com as autoridades, prestando os esclarecimentos devidos nos foros próprios".

Capa do audio - Malu Gaspar - Conversa de Bastidor
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