Chuvas no RS: Debate de fake news ultrapassa posts sobre tragédia e domina discussão nas redes

• Enchentes no Sul: Lula suspende campanha ‘Fé no Brasil’ e prioriza divulgação da ajuda aos gaúchos
• x: 'Impossível não se desesperar com cenário de destruição', relata repórter do Rio Grande do Sul

É o que mostra um levantamento realizado pela Escola de Comunicação Digital da FGV Rio a pedido da equipe do blog a partir de publicações no X (ex-Twitter), Instagram, TikTok, YouTube e mensagens em grupos de WhatsApp.

Somente no X, em um universo de 8 milhões de tuítes analisados, a média de menções diárias a termos relacionados ao assunto saltaram de 10.825 entre os dias 1º e 6 para 115.775 por dia entre os dias 7 e 10, um número dez vezes maior. Foram levados em conta conteúdos com termos como “fake news”, “notícias falsas”, “mentiras” e “desinformação”.

• Enchentes no RS: Desalojados já representam mais de 70% da série histórica do estado
• Chuvas no RS: Brasil tem 9 milhões vivendo em áreas de risco de desastre; saiba onde

A mudança nos tipos de conteúdo relacionados à catástrofe no Sul – de informações sobre o que ocorria para uma onda de fake news — é reforçada pelos dados dos 200 grupos de debate político no WhatsApp monitorados pela FGV. O volume de mensagens contendo termos associados à desinformação nesses grupos aumentou 16 vezes na comparação entre os dois períodos pesquisados.

Nessa segunda fase, enquanto perfis oficiais do governo brasileiro e militantes buscavam denunciar conteúdos mentirosos, perfis fora da órbita do governo – especialmente os da direita – embarcaram em narrativas que misturavam críticas à uma suposta inação do estado com mentiras sobre falta de atendimento que em muitos casos levaram à revolta contra instituições que participavam dos trabalhos de resgate no Rio Grande do Sul.

• Eleições 2026: A desvantagem de Michelle em relação a Tarcísio detectada pelo PL nas pesquisas contra Lula
• E ainda: Por que Bolsonaro não se anima com as pesquisas que mostram Michelle bem colocada contra Lula em 2026

O levantamento também elaborou uma nuvem de palavras – uma representação dos termos ou nomes mais citados pelas publicações sobre as chuvas no RS no X em um intervalo maior, de 1º a 15 deste mês. O recurso facilita a identificação dos assuntos que protagonizam o debate tipicamente fragmentado das redes.

Os três temas mais citados foram fake news, Paulo Pimenta, então chefe da Secom e atual ministro da Secretaria Extraordinária de Apoio à Reconstrução do RS, e Pablo Marçal – influencer apontado pelo governo Lula como responsável por iniciar a disseminação de fake news sobre o desastre gaúcho.

• 'Caça às bruxas': Presidente interina da Petrobras demite 20 assessores de Prates e aliados falam em perseguição
• Leia mais: Magda Chambriard já indicou ao governo Lula quais diretores vai trocar na Petrobras

Marçal tem 10 milhões de seguidores no Instagram e 1,7 milhão no TikTok e esteve no centro da polêmica sobre desinformação após publicar no dia 5 de maio um vídeo acusando as Forças Armadas de inércia diante do trabalho de resgate às vítimas.

“Gente que tem Exército na mão, gente que tem navio de guerra, não dá conta de fazer nada", dizia Marçal no vídeo. "O empresário, sozinho, um empresário, mandou mais aeronave do que a Força Aérea Brasileira. Tem alguma coisa errada acontecendo. É tipo assim, é civil salvando civil, então não vamos esperar esse povo, não”.

• Petrobras: Escolha de Magda Chambriard por Lula é a repetição de um filme ruim
• Magda Chambriard: Nova CEO da Petrobras prometeu a Lula acelerar projetos como Abreu e Lima e Comperj

Depois da veiculação do vídeo, a Advocacia-Geral da União (AGU) de Lula cobrou o influenciador, que é pré-candidato à prefeitura de São Paulo pelo nanico PRTB, a se retratar e divulgar informações corretas – o que ainda não aconteceu. Marçal, porém, diminuiu os ataques ao governo federal.

Já Pimenta, que é gaúcho, assumiu o papel de porta-voz da gestão Lula durante os desdobramentos das chuvas e, como titular da Secom, acionou o Ministério da Justiça solicitando a investigação de autores de publicações apontadas como fake news – entre eles o próprio Marçal, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e o senador Cleitinho (Republicanos-MG). A Polícia Federal abriu um inquérito para apurar o caso.

• Clarice Coppetti: Presidente interina da Petrobras é a única da diretoria indicada por Lula
• Veja também: Jean Paul Prates é o presidente mais breve da Petrobras sob um governo do PT

Para o sociólogo Marco Aurélio Ruediger, que coordenou o trabalho, o caso de Marçal é ilustrativo do impacto de redes onde predominam conteúdos visuais, como TikTok, Instagram e YouTube. Segundo ele, essas plataformas têm um potencial muito maior do que o X (ex-Twitter) ou o próprio WhatsApp de furar bolhas no ambiente de polarização política.

“Essas redes acabam tendo mais potência e têm uma amplitude de circulação da informação muito maior. As pessoas se informam cada vez mais pela imagem, e a construção das narrativas de forma visual é muito mais relevante do que em grupos engajados numa radicalidade política no X”, explica Ruediger.

• 8 de janeiro: PGR pede inclusão de golpistas fugitivos em lista vermelha da Interpol
• Sergio Moro: Gleisi diz não temer ‘risco Michelle Bolsonaro’ e avisa que PT não desistirá de cassação de ex-juiz

“Por mais que alguém possa disseminar desinformação e falar o que quiser no X, ou em outras plataformas, nessas redes o conteúdo acaba sendo absorvido por sua própria tribo ou nicho político”.

O comportamento das postagens no Tik Tok pode ajudar a entender por que o debate sobre fake news se tornou predominante nas redes quando o assunto era a tragédia das chuvas no Sul.

• WhatsApp: Participe do novo canal da Malu Gaspar e receba notícias e bastidores exclusivos

De acordo com os autores do levantamento, "houve ampla circulação de publicações com narrativas que desafiavam a credibilidade de informações da imprensa e do governo”. Um dos motes mais frequentes foi o de que o povo gaúcho teria sido abandonado diante dos impactos da tragédia climática.

Mas o conteúdo de maior repercussão na amostra da FGV no TikTok é um vídeo de 1 minuto e 22 segundos compartilhado pelo perfil “Politicortes” com a legenda “O povo está acordando”.

O material combina imagens da devastação no Rio Grande do Sul com cenas de pobreza, imagens do show da Madonna na Praia de Copacabana e recortes de veículos de imprensa ao som de “They Don’t Care About Us”, de Michael Jackson – cuja tradução livre é “Eles não dão a mínima para a gente”.

• Análise: Efeitos da catástrofe anunciada escancaram despreparo diante da crise climática

O vídeo já soma quase 1 milhão de curtidas, 9 mil comentários e foi compartilhado mais de 28 mil vezes. Para os autores do levantamento, o vídeo “tenta desmentir afirmações da imprensa sobre a circulação de fake news na tragédia”.

Outro post do mesmo perfil, com a legenda “sempre será o povo pelo povo”, sugere que a população gaúcha ficou sem socorro das autoridades e teve 370 mil visualizações.

• Chuvas no RS: Prevenção de desastres ficaram de fora de planos de governo de Leite, Lula e Melo

“O governo não está fazendo nada, é apenas o povo pelo povo”, diz o comentário com maior engajamento – 11,2 mil curtidas até o fechamento desta matéria.

“E o ‘governo’ gastando dinheiro com a Madonna”, respondeu outro, embora os governos federal e estadual não tenham financiado a apresentação da cantora americana no Rio de Janeiro.

• Leia também: A vacina de Eduardo Paes contra os ataques de bolsonaristas por patrocínio do show da Madonna

Do lado do governo, conteúdos com apelos ao combate à desinformação publicados pelo perfil do presidente Lula, do governo brasileiro, entidades como o Greenpeace e movimentos como a Mídia Ninja se destacaram entre as 10 publicações com maior interação no Instagram sobre as chuvas no RS.

Publicações de perfis ligados à direita, como o Brasil Paralelo, que reproduziu críticas do influencer Pablo Marçal ao show da cantora Madonna em meio às inundações no Sul, também tiveram grande repercussão na rede.