Malu Gaspar
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Informações da coluna

Por Malu Gaspar e Rafael Moraes Moura — Rio e Brasília

A investigação da Polícia Federal (PF) sobre as tratativas de Jair Bolsonaro e seus aliados para decretar um golpe de estado implica diretamente o ex-presidente e abre caminho para que ele seja responsabilizado pelos atos antidemocráticos que culminaram com a invasão e a depredação da sede dos três poderes, em Brasília, em 8 de Janeiro do ano passado.

Essa é a avaliação de fontes ouvidas pela coluna que acompanham de perto o caso, tanto na PF quanto na Procuradoria-Geral da República (PGR), a quem caberá decidir se denuncia ou não Jair Bolsonaro.

“Mensagens encaminhadas por Mauro Cid (ex-ajudante de ordens de Bolsonaro) para o general Freire Gomes (então comandante do Exército) sinalizam que o então presidente Jair Messias Bolsonaro estava redigindo e ajustando o decreto e já buscando o respaldo do general Estevam Theophilo Gaspar de Oliveira, tudo a demonstrar que atos executórios para um golpe de Estado estavam em andamento”, frisou o ministro Alexandre de Moraes, ao autorizar a operação de busca e apreensão contra Bolsonaro e aliados.

A nova frente de investigação desmontou a tese apresentada por Bolsonaro ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em janeiro do ano passado, logo após a PF descobrir uma minuta golpista na residência do ex-ministro da Justiça Anderson Torres.

A operação desta quinta-feira mostrou que o presidente tinha conhecimento de documentos com teor golpista e até encomendou mudanças na redação de um deles. Durante as buscas, foram encontradas outras minutas com o mesmo conteúdo na sala que Bolsonaro mantinha na sede do PL em Brasília.

Investigadores que acompanham de perto a apuração já veem elementos para enquadrar Bolsonaro nos crimes de abolição do Estado Democrático de Direito (com pena de 4 a 8 anos de prisão) e golpe de Estado voltado para tentar depor um governo legitimamente constituído (4 a 12 anos), ambos previstos no Código Penal, respectivamente nos artigos 359-L e 359-M.

Também avaliam que o ex-presidente integrava uma organização criminosa, o que poderia levar a uma condenação de 3 a 8 anos por esse crime. A pena total, portanto, poderia chegar a 28 anos de prisão.

“Aquilo que já se supunha vai agora ganhando contornos jurídicos de elementos probatórios claros, apontando para a mentoria do planejamento de um golpe por parte de Bolsonaro e asseclas”, afirmou à equipe da coluna um integrante da cúpula da PGR.

“O papel dele, como líder político extremista, vai se evidenciando ter sido da maior importância para esse planejamento, o que, claro, não surpreende. Isso também pode ser conectado às inúmeras falas golpistas dele ao longo de seu mandato presidencial.”

Para outro integrante da PGR, os fatos que já vieram à tona são “gravíssimos” e escancaram o papel de Bolsonaro como um “grande gerente” da trama criminosa.

Ainda assim, por ora não cogitam pedir a prisão de Bolsonaro antes do final dos inquéritos a que ele responde no STF, por considerar que a prisão de um ex-presidente não só é um assunto muito sensível em si, mas também pelo fato de que o Brasil está muito polarizado politicamente e uma eventual prisão poderia ter um impacto negativo para a própria investigação.

No relatório que subsidiou a decisão de Moraes, a PF detalhou cinco eixos de atuação da organização criminosa.

São eles: ataques virtuais a opositores; ataques às instituições (STF e TSE), o que inclui a ofensiva de lançar descrédito contra o sistema eletrônico de votação; tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito; ataque às vacinas contra a Covid-19 e às medidas sanitárias da pandemia; e o uso da Estrutura do Estado para a obtenção de vantagens, como o desvio de bens do patrimônio nacional (no caso das milionárias joias sauditas) e a inserção de dados falsos em certificados de vacinação contra a Covid.

Nas buscas de quinta-feira, a PF encontrou um documento que prevê uma “declaração” de estado de sítio e um “decreto” de Operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) no país, feito para justificar um golpe de estado, na sala que o ex- presidente da República mantém na sede do PL, em Brasília.

“Diante de todo o exposto e para assegurar a necessária restauração do Estado Democrático de Direito no Brasil, jogando de forma incondicional dentro das quatro linhas, com base em disposições expressas da Constituição Federal de 1988, declaro o Estado de Sítio; e, como ato contínuo, decreto Operação de Garantia da Lei e da Ordem”, diz o texto.

Fabio Wajngarten, advogado de Bolsonaro, alega que o “tal documento apócrifo” tem um padrão que “não condiz com as tradicionais e reconhecidas falas e frases do presidente”.

A mesma justificativa foi usada na época em que veio à tona a minuta golpista encontrada na residência de Anderson Torres.

A própria ação deflagrada pela PF nesta quinta-feira mostrou que, diferentemente da tese de sua defesa, Bolsonaro atuou diretamente na redação de uma minuta de decreto, apresentada pelo então assessor de relações internacionais Filipe Garcia Martins – preso na operação – e o advogado Amauri Feres Saad para executar um golpe de Estado.

O texto alegava “supostas interferências do Poder Judiciário” no Executivo e decretava a prisão de diversas autoridades, entre as quais o próprio Moraes, o ministro Gilmar Mendes e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

De acordo com a PF, Bolsonaro pediu aos seus assessores que alterassem a minuta para retirar a ordem de prisão contra Pacheco e Gilmar Mendes, deixando no texto apenas a de Moraes, relator no STF de inquéritos sensíveis para o clã do ex-presidente, como o das fake news, milícias digitais e a dos atos golpistas de 8 de Janeiro.

Em setembro do ano passado, o STF impôs a primeira condenação a um réu pelos atos golpistas de 8 de Janeiro - no caso, o ex-técnico da Sabesp Aécio Lúcio Costa Pereira. Ele foi condenado a 17 anos de prisão por dano qualificado, deterioração de patrimônio público tombado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e associação criminosa.

Na época, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) já falava abertamente da tese que preocupava o entorno do ex-presidente: “Eles (ministros do STF) querem insistir com a tese de que há um mentor intelectual disso tudo e não há. Simplesmente não. Eles querem dizer que é o Bolsonaro, mas como não tem prova, ficam prendendo para ver se forçam uma delação”, disse o filho “zero um” do presidente, em relação ao acordo fechado por Mauro Cid com a Polícia Federal.

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