Malu Gaspar
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Malu Gaspar

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Informações da coluna

Por Johanns Eller

Carregado de recados ao governo Lula, o discurso contundente do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), na abertura do ano do Legislativo na última segunda-feira (5) tem menos a ver com o fluxo de emendas parlamentares e o desempenho do ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais) na articulação política – e mais com uma estratégia para manter o controle do plenário, a menos um ano da eleição da Câmara.

Lira, que não pode disputar um terceiro mandato, busca contornar a insatisfação de deputados do chamado baixo clero e assegurar sua influência sobre os rumos de sua própria sucessão, cuja costura depende diretamente deste bloco informal que tem pouca expressividade política, mas representa mais da metade dos 513 deputados da Casa.

Assessores e integrantes do governo relatam nos bastidores que o grupo se ressente de um suposto negligenciamento da parte de Lira no processo decisório e na articulação com o Palácio do Planalto.

Os deputados até endossam as cobranças públicas do atual presidente da Casa ao que classificam como descumprimento de acordos pelo governo Lula, como o veto a R$ 5,6 bilhões para emendas de comissão no orçamento de 2024 e o envio da medida provisória que extingue a desoneração da folha de pagamento de 17 setores da economia, assinada sem articulação prévia com a cúpula e lideranças da Câmara e do Senado Federal.

Mas, segundo um interlocutor do Centrão, há uma avaliação generalizada de que o presidente da Câmara privilegiou líderes das bancadas nas costuras políticas e pouco entregou à “base da pirâmide”.

Empoderados pelas emendas impositivas – de pagamento obrigatório – e atentos à proximidade das eleições municipais de outubro, integrantes do baixo clero já fizeram chegar ao líder do Centrão a inquietação com o que consideram ser um desprestígio. Lira detectou os sinais de fumaça e se apressou a fazer de sua mensagem ao parlamento uma defesa enfática da Casa e de seus pares.

“Para estes que não acompanharam nosso ritmo de entrega e de realizações, deixo aqui meu importante recado: não subestimem esta mesa diretora. Não subestimem os membros do parlamento desta legislatura”, esbravejou, em uma referência tácita ao Executivo.

Segundo uma fonte com assento no Palácio do Planalto, que conversou com a equipe do blog sob reserva, o governo também vê o tom de Lira como uma tentativa de “juntar sua base” em meio ao aquecimento da disputa pela sua sucessão.

“Se os acordos do governo quanto ao pagamento das emendas não tivessem sido cumpridos, será mesmo que Lira teria aprovado todas aquelas pautas de interesse do governo em 2023? Quando ele vai pra cima [do Planalto], ele dá um sinal para a base [do Centrão] de olho na disputa pela mesa diretora”, avaliou um dos aliados palacianos de Lula.

Ainda que neguem publicamente, os deputados Elmar Nascimento (União Brasil-BA), braço-direito de Lira, Marcos Pereira (Republicanos-SP) e Antonio Brito (PSD-BA) estão em franca campanha para a sucessão da presidência da Câmara nos bastidores. Isnaldo Bulhões Jr. (MDB-AL) corre por fora.

No discurso da última segunda-feira, o atual dirigente da Casa declarou, em clara referência ao Executivo, que quem apostar “em uma suposta inércia da Câmara” em função das eleições municipais ou da disputa pela mesa diretora em 2025 “errará grosseiramente”.

Mas auxiliares do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Planalto garantem que não há qualquer movimentação para enfraquecer Lira, e sim um esforço para que o controle sobre o orçamento “volte para o Executivo”.

O casamento de conveniências entre Lira e Lula começou a se consolidar em junho, quando o presidente da Câmara, em uma demonstração de força, impôs ao governo derrotas na medida provisória que definiu o formato da Esplanada dos Ministérios.

O auge desse processo ocorreu no embarque de seu partido, o PP, e o Republicanos na Esplanada com a nomeação de André Fufuca (Esportes) e Silvio Costa Filho (Portos e Aeroportos), respectivamente. A aproximação foi definitivamente selada com a entrega da Caixa Econômica Federal a Lira, que nomeou o atual presidente do banco estatal, Carlos Vieira, e loteou suas diretorias entre legendas do Centrão.

Mas a disputa pelo orçamento nunca deixou de promover tensionamentos. No início da semana, pouco antes da abertura do ano do Legislativo, o presidente da Câmara protocolou um requerimento cobrando explicações da ministra da Saúde, Nísia Trindade, sobre os critérios para a liberação de verbas da pasta. Como mostramos no blog em junho, as emendas da Saúde, ministério cobiçado pelo Centrão, estão no centro das insatisfações do bloco liderado por Lira.

Ainda assim, entre altos e baixos, a aproximação de Lula com o presidente da Câmara rendeu vitórias importantes como a aprovação da reforma tributária.

Entretanto, passados mais de seis meses desde o início da valsa política, o baixo clero considera que os dividendos da aliança se limitaram ao entorno de Lira, que exerce grande influência sobre os líderes.

“O baixo clero percebeu que entregou muito a Lira sem receber nada em troca”, resume este observador, que acompanhou de perto o embate entre o Executivo e o Legislativo sobre o controle do orçamento.

Na disputa por emendas e no desenrolar de cobranças por acordos não cumpridos, como a distribuição de cargos na Fundação Nacional de Saúde (Funasa), outro impasse na Câmara emergiu como fonte de desgaste para Lira.

Segundo apurou a equipe do blog, não pegou bem no baixo clero a possibilidade do dirigente da Casa descumprir um acordo reivindicado pelo PL, firmado no início do ano passado em meio às negociações para a reeleição de Lira, que garantiria à legenda de Jair Bolsonaro o controle sobre a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) em 2024 no lugar do PT, que hoje comanda o colegiado.

Lira tem sinalizado nos bastidores que o acerto com o partido comandado por Valdemar Costa Neto não existiu. Uma eventual redefinição do rodízio previsto para a CCJ pode beneficiar o próprio Centrão, mas ainda assim a indefinição repercutiu mal, segundo um operador da Câmara.

“Politicamente foi muito ruim, porque isso prejudica sua imagem de cumpridor de acordos”, salientou. “Além disso, o PL dispõe de 96 votos. Não é qualquer coisa”.

O partido de Bolsonaro já sinaliza uma candidatura própria à sucessão de Lira para demarcar a oposição ao governo Lula e encampar bandeiras da direita bolsonarista, como a limitação das decisões democráticas do Supremo Tribunal Federal (STF) e o estabelecimento de mandatos para ministros da Corte. O PL hoje não vê disposição de Arthur Lira, alvo de inquéritos no Supremo, em abraçar estas pautas.

Ainda assim, lideranças do partido têm adotado cautela ao tratar sobre o presidente da Câmara publicamente, de olho na margem de barganha na próxima disputa pela mesa diretora. Chegam, inclusive, a endossar a narrativa dos acordos não cumpridos pelo Planalto como estratégia para desgastar a base governista.

Mas, questionado pela equipe da coluna sobre o tom do discurso de Lira em relação ao Planalto na última segunda-feira, um aliado próximo de Valdemar Costa Neto reagiu com ironia.

“Se tem alguém que não pode reclamar do governo do PT é o Lira, que tem a Caixa Econômica Federal na mão”.

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