Malu Gaspar
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Malu Gaspar

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Informações da coluna

Por Malu Gaspar

Os elementos colhidos até agora pela Polícia Federal em suas investigações sobre o golpismo de Jair Bolsonaro apontam para um roteiro com duas dimensões paralelas de organização, além de uma data limite para a tomada do poder, caso o presidente da República perdesse as eleições: 18 de dezembro de 2022, véspera da data inicialmente prevista para a diplomação de Luiz Inácio Lula da Silva.

Ao final, a diplomação de Lula ocorreu em 12 de dezembro – uma semana antes da data limite estabelecida por lei, o dia 19. Mas as investigações demonstram que os golpistas continuaram tramando de acordo com o cronograma inicial.

Fontes a par do andamento das apurações disseram à equipe da coluna que o quadro formado a partir das descobertas tanto do inquérito sobre o 12 de dezembro como sobre o 8 de janeiro, e ainda os da ação da Polícia Rodoviária Federal e o das milícias digitais, indica que havia dois núcleos trabalhando em paralelo.

De um lado, o operacional, que pressupunha a organização de manifestações, bloqueios em estradas e tumultos como o do dia 12 de dezembro, quando carros e ônibus foram queimados na área central de Brasília após a prisão de um líder indígena por atos antidemocráticos.

O outro núcleo era o político, que trabalhava em uma espécie de "arcabouço legal" para justificar as medidas de exceção a serem tomadas assim que uma dessas iniciativas de tumulto "popular" fosse bem sucedida.

A "minuta do golpe" encontrada na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres ou o texto que, segundo o ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, foi discutido com comandantes das Forças Armadas, seriam parte desses esforços.

Os dois esforços eram desenvolvidos de forma paralela sem que houvesse interação entre eles, a não ser por alguns personagens-chave que se encarregaram justamente de garantir que as ações bem sucedidas de insurgência ou tumulto fossem seguidas pela intervenção ou pelo golpe. Um desses personagens seria o próprio Mauro Cid. Outro, o ex-ministro da Defesa e candidato a vice na chapa de Bolsonaro, o general da reserva Walter Braga Netto.

Segundo reportagem do GLOBO desta segunda-feira, uma das linhas de investigação em curso no momento é a que apura justamente se Braga Netto atuou como elo entre Bolsonaro e os integrantes dos acampamentos montados em frente aos quartéis do Exército que pediam intervenção militar após a vitória de Lula.

Tanto em um núcleo quanto em outro havia uma presença notável dos chamados kids pretos, militares egressos das Forças Especiais, a tropa de elite do Exército, da qual participaram tanto Braga Netto quanto o então comandante Marco Antonio Freire Gomes.

Outros kids pretos que tiveram participação no governo Bolsonaro foram o general e ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello e o general Ridauto Fernandes, que foi diretor de logística do Ministério da Saúde.

A Polícia Federal já avançou, por exemplo, na coleta de evidências de que havia integrantes das FE na Esplanada dos Ministérios em meio ao tumulto do 8 de janeiro, aplicando táticas de insurgência e guerrilha urbana e guiando os manifestantes para a invasão das sedes dos Três Poderes.

Também já captou, nas provas colhidas até agora nos inquéritos, que para os golpistas o dia 18 de dezembro era a data limite para o golpe, uma vez que, depois da diplomação de Lula, ficaria mais complicado apresentar eventuais medidas de força como forma de garantir a ordem.

Uma das evidências em análise pelos investigadores é o áudio captado no celular de Mauro Cid e gravado pelo coronel Ailton Barros, preso na Operação Venire da PF sobre a fraude de cartões de vacinação no Palácio do Planalto.

De acordo com fontes da PF, há várias gravações de conteúdo semelhante trocados por Cid com outros interlocutores em diferentes datas, alguns com papel bem mais relevante do que o de Ailton.

O conjunto de gravações permanece protegido por sigilo.

No áudio revelado pela CNN em maio passado e que não teve a data exata informada pela PF, Ailton Barros trata do "cronograma" do golpe: "Conceito da operação: Então, hoje já é meia noite e cinquenta e nove de quinta-feira, dia 15 de dezembro. É o seguinte: então, entre hoje e amanhã, sexta-feira, tem que continuar pressionando o Freire Gomes para que ele faça o que ele tem que fazer. Até amanhã à tarde (que seria o sábado dia 17), aderindo bem, ele faça um pronunciamento. (...) E se ele não aderir, quem tem que fazer esse pronunciamento é o Bolsonaro, para levantar o moral da tropa." E depois de repetir o roteiro, Barros conclui: "Aí vai ser tudo dentro das quatro linhas".

Em outro trecho, Barros afirma que eles já estavam "estamos no limite da ZL", ou zona de lançamento, que no jargão militar designa a área ideal para a deflagração de uma ação.

E prossegue com a descrição, que é autoexplicativa: "Não vamos ter mais como lançar. Tem que dar passagem perdida. E aí, como vai ficar o Brasil, entendeu? Como vai ficar a moral dos militares do glorioso Exército de Caxias? Então, a primeira coisa é essa. É esse o pronunciamento ou do Freire Gomes ou do Bolsonaro até amanhã à tarde. E também até amanhã à tarde todos os atos, todos os decretos da ordem de operações já têm que estar prontos. Como é que tem que ser? Pô, não é difícil. O outro lado tem a caneta. Nós temos a caneta e temos a força. Braço forte e mão amiga. Qual é o problema, entendeu? Quem é que está jogando fora das quatro linhas? Somos nós? Não somos nós."

O plano que Barros descreveu no áudio previa ainda que os decretos de intervenção previsse a prisão do ministro do Supremo e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, pela brigada de operações especiais de Goiânia – um dos locais em que são treinados os kids pretos do Exército. O outro local é Niterói.

"E aí na segunda-feira ser lida a portaria ou as portarias, o decreto ou os decretos de Garantia de Lei e da Ordem (GLO) e botar as Forças Armadas, cujo comandante supremo é o presidente da República, para agir. Senão, nunca mais vamos limpar o nome do Exército", completa.

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