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O passado com um pé no presente.

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William Helal Filho

Jornalista formado pela PUC-Rio em 2001. Entrou na Editora Globo pelo programa de estágio, foi repórter e editor. Hoje é responsável pelo Acervo.

Por William Helal Filho

Nick Drake vivia numa concha, como se a sua pele fosse muito fina para este mundo. Mas tinha o dom da música e queria demais compartilhar isso. Cresceu ouvindo elogios a seu talento. Até o astro Mick Jagger, dos Rolling Stones, arregalou os olhos quando o viu tocar violão. Aos 20 anos, já tinha contrato para gravar um disco. Mas os planos não vingaram. Os três álbuns do cantor, lançados entre 1969 e 1972, foram mal recebidos pela imprensa e tiveram péssimas vendas (até porque Drake se recusava a fazer shows ou dar entrevistas para divulgá-los). Sentindo-se um fracasso, desistiu de tudo, recolheu-se na casa dos pais e sucumbiu. Tinha 26 anos quando morreu por overdose de antidepressivos.

A partir da década de 1980, porém, artistas como Peter Buck, da banda R.E.M, e Robert Smith, do The Cure, citaram o cantor entre suas principais influências, começando um coro com adeptos de peso. A revista TIME colocou "Five leaves Left", primeiro LP de Drake, na lista dos cem melhores discos da história, em 1993. Elton John, Renato Russo e Norah Jones foram alguns ídolos pop a regravar o bardo inglês. Em 1999, a Volkswagen usou um trecho de "Pink Moon", faixa-título do terceiro álbum do artista em uma grande campanha publicitária nos EUA. Assim como Van Gogh, Mozart e outros gênios, o músico obtinha, bem depois de sua morte, o alcance que tanto perseguira em vida.

Nos últimos meses, os fãs do trovador britânico, que teria completado 75 anos nesta segunda-feira, ganharam mais razões mais pra celebrar. O selo independente Chrysalis lançou o disco "The Endless Coloured Ways: The Songs of Nick Drake", em tributo ao músico, com versões de canções suas gravadas por medalhões como John Grant, Ben Harper e Craig Armstrong, além da vanguardista Feist e da banda Fontaines D.C (as faixas estão disponíveis nas plataformas digitais). Já a editora britânica John Murray mandou para as livrarias "Nick Drake: The Life", uma biografia de 546 páginas. Elogiado com ressalvas pelo jornal inglês "The Guardian", o livro não tem previsão de chegada no Brasil.

Produções anteriores sobre a curta trajetória de Drake neste plano já expunham o drama psicológico do cantor. Como disse a sua mãe, Molly, no documentário "Skin too few", lançado no ano de 2000 e disponível no YouTube, o compositor "não queria ser uma estrela". Mas ele tinha algo a dizer para sua geração se sentir melhor, afirmou ela, e morreu achando que tinha falhado nisso. No mesmo filme, o produtor Joe Boyd, que trabalhou nos dois primeiros discos do músico, o descreve como um artista de talento raro, mas com sérias dificuldades para se relacionar com o mundo. Detestava fazer shows ou dar entrevistas. Para Boyd, isso foi determinante para o "fracasso" nos anos 1970.

"Eu achava que Nick seria um sucesso", conta ele sobre o lançamento de "Five leaves left", primeiro disco do cantor. "Nós o enviamos numa pequena turnê, mas não deu nada certo. Ele teria que cantar em bares e casas noturnas, e eram situações em que havia muita gente conversando e bebendo". Segundo o produtor, Nick não sabia como fazer as pessoas se calarem e também não conseguia tocar sem que houvesse silêncio. Não ajudava o fato de que ele passava alguns minutos afinando o violão entre uma canção e outra, já que cada música sua pedia um afinamento adequado. "Então, Nick me ligou um dia e disse 'estou indo pra casa', e aí nunca mais fez um show".

Segundo Boyd, o canto e o violão de Drake tinham precisão cirúrgica. Suas obras são marcadas pela voz melancólica e os dedilhados complexos, construindo uma atmosfera única. É raro ouvir um som "tão limpo, com todas as notas tão bem equilibradas", de forma que era possível "estruturar todo o disco em torno do violão", diz o produtor. Numa viagem despretensiosa ao Marrocos, em 1968, Drake e seus amigos da Universidade de Cambridge esbarraram com integrantes do grupo Rolling Stones e convenceram os roqueiros a assistir ao novato. Depois de três músicas, o cantor Mick Jagger se mostrou surpreso e pediu ao "calouro" que os procurasse em Londres.

Em "Skin too few", é evidente a frustração de Nick pela falta de reconhecimento, a inadequação social e o quanto isso agravou seu emocional. Já a nova biografia joga mais luz sobre a relação de Drake com a família. Ao trazer à tona cartas trocadas entre o artista e seu pai, o livro torna claro que havia ali um choque de visões de mundo. O engenheiro Rodney Drake era contra a decisão do filho de largar a faculdade para se dedicar à música e também o criticava pelo uso constante de maconha. Quando, anos mais tarde, Nick desistiu da carreira em Londres e voltou para a casa dos pais, na zona rural da sombria Warwick, teve que processar não apenas sua derrota, mas a relação com a família.

"Ele disse uma vez que não gostava de estar em casa, mas não suportava nenhum outro lugar", conta a mãe do artista, Molly Loyd, ela própria uma compositora, pianista e poeta que nunca teve um trabalho publicado mas exerceu enorme influência na obra do filho. "Ele teve que voltar para casa, mas passava várias noites fora, sem nos dizer onde estava. Acho que, na verdade, ele tinha rejeitado o mundo, nada mais o fazia feliz. Sentia que falhou em de chegar às pessoas com quem queria falar".

O estado psicológico de Drake piorou em 1972, quando ele lançou "Pink Moon", seu derradeiro e mais melancólico álbum. Com 28 minutos de duração em 11 faixas constituídas apenas por voz, violão e pitadas de piano, sem a participação de nenhum outro músico, gravado apenas com um engenheiro de som em duas noites no estúdio, o hoje cultuado disco foi chamado de esforço "insuficiente" e "tímido" por revistas especializadas e amargou vendas ainda piores que os seus antecessores. Analisando o abismo de tom que separa as críticas da época e a ovação da imprensa musical décadas depois, é possível crer que, em meados dos anos 1970, o mundo não estava ainda pronto para ele.

Sem dinheiro para pagar o aluguel ou mesmo para comprar sapatos novos, o cantor decidiu ir embora de Londres e retornar à soturna residência dos pais. A partir de então, foi uma queda livre.

Ainda em 1972, Drake chegou a ficar internado por cinco semanas, após um surto. Ao sair do hospital, ele se mostrava dominado pela introspecção. Não tomava banho e tinha acessos de raiva nos quais xingava seus pais, destruía móveis e até seu violão. Em julho de 1974, o cantor ainda tentou gravar um quarto disco, retomando a parceria com Joey Boyd. Mas o produtor, em sua biografia, de 2006, contou como o músico o confrontava, cheio de raiva, por não ter se tornado famoso, como se Boyd o tivesse iludido ao exaltar tanto a sua genialidade. Durante as sessõesno estúdio, ficou nítido que o estado mental de Nick o havia prejudicado. Ele já não cantava e nem tocava como antes.

Afundado numa depressão e tomando medicamentos, Drake mantinha contato apenas com pessoas mais próximas, como Sophia Ryde, uma das únicas garotas com quem teve algo perto de uma relação amorosa (ela preferia se definir como "melhor amiga"). Uma semana antes da morte do cantor, Sophia solicitou mais distância entre dois ("pedi um tempo", disse ela numa entrevista em 2006).

Nick precisava de remédios para pegar no sono. Vagava pela sala à noite, ouvindo música ou tocando, e só acordava perto do meio-dia. De acordo com o diário mantido pelo seu pai com anotações sobre o filho, eram 11h45 de 24 de novembro de 1974, uma segunda-feira, quando a faxineira entrou no quarto do cantor e o viu atravessado na cama. Em seguida, Molly testemunhou a cena. "Só me lembro de ver aquelas longas, longas pernas na cama". Segundo a autópsia, o artista morreu por overdose de amitriptilina, um antidepressivo. Não deixou nenhum bilhete. Não se sabe ao certo se o agora fesejado cantor queria se matar. Mas a atriz Gabrielle Drake, irmã mais velha de Nick, sugere que sim.

""Eu estava fazendo uma comédia em Bristol, era noite de estreia e liguei para contar como tinha sido. Mas o telefone estava ocupado, meus pais o tinham tirado do gancho. No dia seguinte, mandaram um telegrama avisando que estavam indo me encontrar. Quando me contaram, pensei: "Eu sabia".

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