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O passado com um pé no presente.

Informações da coluna

William Helal Filho

Jornalista formado pela PUC-Rio em 2001. Entrou na Editora Globo pelo programa de estágio, foi repórter e editor. Hoje é responsável pelo Acervo.

Por William Helal Filho

A Editora Globo tem uma sala de 120 metros quadrados no subsolo de sua sede, no Centro do Rio, com mais de 13 milhões de fotogramas, guardados dentro de 25 mil pastas armazenadas em 27 arquivos deslizantes (estantes tão grandes e pesadas que precisamos de manivelas para movê-las sobre os trilhos). São imagens acumuladas em quase um século, desde que o Jornal O Globo foi fundado, em 1925. Diariamente, a equipe do Blog do Acervo explora esse manancial de histórias, a procura de cliques antigos ainda não inseridos no banco digital. Numa dessas buscas, encontramos este inédito (e descontraído) ensaio fotográfico de Rita Lee, rainha do rock no Brasil.

As imagens foram registradas no Rio, em 10 de janeiro de 1975, quando Rita tinha 27 anos e estava a meses de lançar o clássico "Fruto proibido", seu segundo álbum solo depois da saída conturbada dos Mutantes, repleto de hits imortais como "Ovelha negra" e "Agora só falta você". Arquivadas com poucas informações, as fotos não foram publicadas nem naquela época e, assim, não sabemos, por exemplo, onde Rita estava quando posou para as imagens ou mesmo se ela concedeu uma entrevista durante o ensaio. Mas, pesquisando sobre aquele período na vida da artista, é possível concluir que ela estava na capital fluminense para cantar na primeira edição do festival Hollywood Rock, no dia seguinte.

Nossa equipe faz esse tipo de busca no arquivo de imagens sempre que algum acontecimento do presente nos remete ao passado. A morte de uma personalidade, por exemplo. Depois que Gal Costa se foi, em outubro do ano passado, desencavamos negativos da cantora produzidos para o caderno ELA, do GLOBO, em 1969, e incluímos as fotos no nosso banco digital, criado apenas em 1997, com a chegada dessa tecnologia no jornal. As partidas recentes de personalidades como Erasmo Carlos, Glória Maria e Isabel Salgado também nos levaram a resgatar registros que, publicados décadas atrás para ilustrar reportagens do jornal impresso, ainda não eram conhecidas do mundo virtual.

Quando Rita Lee fez sua passagem, no último dia 8 de maio, identificamos este ensaio, "esquecido" na pasta de fotogramas com o nome da artista. A partir de então, algumas dessas imagens foram publicadas, separadamente, em matérias sobre a cantora, mas não de forma coesa, como decidimos fazer aqui. São cenas registradas na véspera de a paulistana subir ao palco do Hollywood Rock. Idealizado pelo produtor Nelson Motta, o festival reuniu, no Estádio de General Severiano, em Botafogo, no Rio, atrações como Raul Seixas, Erasmo e a banda Vimana. Rita foi a artista principal da noite de abertura. Partes de seu show estão no documentário "Ritmo alucinante", disponível no YouTube.

- Essas fotos da Rita transmitem liberdade e despojamento. Ela não está usando nada de grifes, está vestindo uma roupa simples, transando numa boa o corpo dela, sem muita maquiagem. Ela era uma mulher livre, e é isso o que me transmite esse ensaio - comenta o jornalista e crítico musical Rodrigo Faour, escritor e pesquisador da história da MPB.

Rita Lee em janeiro de 1975, meses antes de lançar "Fruto Proibido" — Foto: José Vidal/Agência O GLOBO
Rita Lee em janeiro de 1975, meses antes de lançar "Fruto Proibido" — Foto: José Vidal/Agência O GLOBO

Faour nos ajuda a descrever aquele momento da cantora. Depois de sair dos Mutantes, em 1972, Rita se jogou numa empreitada vanguardista com a amiga Lúcia Turnbull. Elas criaram o Cilibrinas do Éden e chegaram a tocar no festival Phono 73, da Phonogram, mas foram terrivelmente vaiadas. O único disco produzido pelo duo jamais foi divulgado. Em seguida, a roqueira se uniu à banda Tutti-Frutti para gravar um álbum com o selo Phillips, mas o trabalho também não viu a luz do dia. Já em 1974, ainda ladeada pelo grupo Tutti-Frutti, Rita lançou o disco "Atrás do porto tem uma cidade", que trouxe dois clássicos da MPB escritos pela roqueira de São Paulo: "Ando jururu" e "Mamãe Natureza".

- Foi nesse disco que ela disse a que veio e começou a conquistar a juventude. Aí, veio o Hollywood Rock, uma aventura, porque era difícil conseguir autorização para fazer festival de rock. O gênero na época era visto como coisa de cabeludo e maconheiro - conta Rodrigo Faour. - A Rita era um símbolo da juventude que não era careta e queria um som diferente, que tinha vontade própria. Ela simbolizava uma mulher moderna e um tipo de música universal, mas que, na época, também não era aceita pela intelectualidade, já que o rock era meio maldito no meio universitário devido à origem americana.

Rita Lee durante sessão de fotos em 10 de janeiro de 1975 — Foto: José Vidal/Agência O GLOBO
Rita Lee durante sessão de fotos em 10 de janeiro de 1975 — Foto: José Vidal/Agência O GLOBO

De acordo com o pesquisador, a cantora se via "esmagada" entre a direita dos anos 1970, para quem os roqueiros eram um bando de vagabundos, e a esquerda, que criticava o gênero nascido na terra do Tio Sam, cujo governo, taxado de imperialista, havia patrocinado o golpe militar de 1964, no Brasil. Rita era questionada até mesmo pelos fãs do bom e velho rock que reprovavam as músicas do gênero escritas em português, algo que ela nunca abriu mão de fazer. Nos arquivos do GLOBO, há diferentes entrevistas da cantora, naquele período, rebatendo críticas nesse sentido. "O público gosta de assimilar temas fáceis em português", diria ela.

- Mesmo com tudo isso, a Rita seguiu o caminho independente dela e estava em franca ascensão na época em que fez essas fotos, a um passo de se consagrar com o "Fruto Proibido", que a meu ver é um dos álbuns de rock mais importantes de todos os tempos no Brasil - define Faour.

"Fruto Proibido" recebeu críticas ácidas ao ser divulgado, mas bateu recordes de venda para discos de rock brasileiro. Em 1976, a cantora lançou "Entradas e bandeiras", outro álbum poderoso, que tinha a clássica "Coisas da vida". Foi naquele ano que Rita conheceu Roberto de Carvalho. O guitarrista se tornou marido e grande parceiro musical da cantora. O casal teve três filhos (Beto, Antonio e João) e, entre o fim dos anos 1970 e começo dos 1980, escreveu uma série de hits eternos da MPB, como "Mania de você", "Lança perfume" "Desculpe o auê". Rita e Roberto ficaram juntos até a morte da rainha do rock, aos 75 anos, devido a complicações geradas por um câncer.

Rita Lee em 1975, na véspera de subir ao palco do Hollywood Rock — Foto: José Vidal/Agência O GLOBO
Rita Lee em 1975, na véspera de subir ao palco do Hollywood Rock — Foto: José Vidal/Agência O GLOBO
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