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Por Rômulo Quadra — Rio de Janeiro


A coqueluche do momento em matéria de remédio para emagrecimento é o Ozempic, mas seu uso indiscriminado e sem indicação tem preocupado a classe médica. Originalmente criado para tratar diabetes do tipo 2, o medicamento passou a ser usado contra a obesidade, de maneira off label (fora das recomendações da bula), o que é permitido pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). Como não é exigida receita, no entanto, a automedicação coloca em risco a saúde de pessoas para as quais a caneta de semaglutida, princípio ativo do Ozempic, não é indicada.

Ozempic é tratado como 'poção mágica', mas o uso do fármaco deve ser assistido por médicos — Foto: IStock

Recentemente, celebridades e influenciadores digitais passaram a alardear, nas redes sociais, a 'poção mágica' desenvolvida pela farmacêutica dinamarquesa Novo Nordisk. Junto ao alvoroço criado sobre a efetividade do Ozempic na perda de peso, veio o uso desenfreado e sem necessidade do remédio. O médico endocrinologista Paulo Miranda, presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), alerta sobre os risco do uso indevido da medicação.

- A semaglutida é uma medicação antiobesidade, não um remédio para emagrecimento. Não é indicada para perda de peso de pequena monta com objetivos estéticos. É tratamento de longo prazo para pessoas com obesidade ou com sobrepeso associado a comorbidades - alerta o especialista. - Toda e qualquer medicação deve ser usada sob orientação médica para que o paciente tenha certeza de que está realizando o melhor tratamento para ele e para que os efeitos colaterais sejam reduzidos. A automedicação deve ser desestimulada e a gente deve educar a população para isso.

Vendido em aplicador de formato de "canetinha" com agulha na ponta, a droga ganha novas versões específicas para o tratamento da obesidade no próximo semestre, aprovadas pela Agencia Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Como funciona

Caneta de Ozempic, nome comercial do fármaco semaglutida — Foto: IStock

A semaglutida, cujo nome comercial é o Ozempic, é uma molécula que funciona de maneira similar a um hormônio naturalmente presente no nosso corpo (GLP-1), que é liberado após a passagem do alimento pelo intestino.

As principais ações desse hormônio são:

  • Redução do apetite em geral, em especial pra alimentos palatáveis, ricos em carboidratos comumente ligados ao prazer, a busca do alimento como recompensa (apetite hedônico);
  • Saciedade pela redução da velocidade do esvaziamento do estômago;
  • Aumento a secreção de insulina.

- Funciona principalmente através da regulação da saciedade e da fome. Ele diminui a percepção de apetite e aumenta a saciedade, e com isso você tem a redução do consumo alimentar. E funciona também alterando a velocidade com que o estômago se esvazia após uma refeição, reduzindo essa velocidade, o que também auxilia o processo de saciedade - explica Paulo Miranda.

Indicações - Quem pode usar

A semaglutida é indicada para pessoas com:

  • Obesidade, com um Índice de Massa Corporal (IMC) acima de 30;
  • Sobrepeso, num IMC acima de 27, mas desde que associado a comorbidades relacionadas ao peso, como hipertensão e diabetes do tipo 2;
  • Diabetes tipo 2.

Efetividade da medicação

Os estudos com o Ozempic mostraram que pessoas com obesidade ou sobrepeso têm uma perda média de 16% do peso corporal. Assim, um indivíduo de 100 Kg, com IMC em torno de 30, emagrece em média, 16 quilos em um uso prolongado e seguro (assistido por médicos).

- Essa é a população estudada e é para ela que a medicação está indicada - reforça Paulo.

Para a médica endocrinologista Graziella Mendonça, da Casa de Saúde São José do Rio de Janeiro, o fármaco veio para quebrar paradigmas.

- Um estudo publicado em uma importante revista científica, a New England Journal of Medicine, mostrou que pacientes perderam peso em relação ao grupo placebo durante 68 semanas, além de terem apresentado melhora nos parâmetros metabólicos, como redução na taxa de triglicerídeos, colesterol e glicemia e na pressão arterial. Sem dúvidas, a semaglutida mudou história da obesidade com excelentes respostas - avalia Graziella Mendonça.

Uso indiscriminado

Segundo a médica endocrinologista Graziella Mendonça, da Casa de Saúde São José, do Rio de Janeiro, um fato que facilita o uso da droga de forma desassistida é a venda sem exigência de receita.

- A principal preocupação é uso indiscriminado e deliberado pela população, sem indicação e acompanhamento médico, simplesmente porque funcionou com um amigo ou parente. Eles compram a medicação geralmente sem receita, começam a dose sem a orientação correta, sendo muito frequentes os efeitos colaterais - comenta Graziella.

É sempre aconselhável conversar com um profissional de saúde antes de iniciar um processo de emagrecimento, ainda mais quando se pretende utilizar remédios.

- Há uma sugestão que nós fazemos aos farmacêuticos, de que passem a exigir a prescrição médica, como é recomendada pela Anvisa, para que a gente reduza o problema atual da automedicação e que a medicação chegue realmente a quem ela vai trazer benefício - complementa Paulo.

Efeitos colaterais e o temido 'rosto de Ozempic'

Os efeitos colaterais mais comuns estão relacionados ao trato gastrointestinal, e incluem náuseas, vômitos e eventualmente, sensação de barriga cheia, diarreia e constipação. Além disso, pode causar dores de cabeça.

Outro efeito comum é um dos grandes vilões das dietas, o efeito rebote. Ou seja, o organismo, ao notar emagrecimento, interpreta esse estado como um risco à saúde, diminuindo o metabolismo e liberando hormônios responsáveis pelo aumento da fome, o que favorece a volta dos quilos perdidos quando se interrompe o uso do Ozempic.

- Sem a orientação correta, tornam-se frequentes efeitos colaterais como vômitos e desidratação. Além disso, a falta de acompanhamento médico geralmente está associada ao reganho de peso - confirma a endocrinologista Graziella.

Mas o "rosto de Ozempic", que viralizou nas redes sociais gerando certo burburinho e temor, não é consequência direta do uso do remédio. O efeito colateral estético, supostamente, promove uma feição cadavérica em alguns usuários, mas ele é resultado da perda de gordura facial que ocorre quando se emagrece muito e de forma rápida, com ou sem ozempic.

- Não existe efeito da medicação sobre a pele. Portanto, não há uma correlação do uso da medicação e alterações faciais. Há sim, perda de godura facial. Quando se perde peso, principalmente quando o percentual de perda de peso é elevado, há redução de gordura facial. Obviamente, isso ocorre dentro de um contexto de obesidade e não há um efeito da medicação, objetivamente - afirmou Paulo Miranda.

É considerado doping? Atleta pode usar?

O uso dessa medicação não é considerado doping pela WADA. Não há nenhuma publicação a esse respeito. Paulo afirma ainda que não há contraindicação de uso por atletas.

- O ponto principal é a indicação, se ela realmente existe. Tendo a indicação, não há contraindicação. Mas é importante ressaltar que não há estudos que avaliem a medicação por uso de atletas de alto rendimento. Quando se trata do atleta amador, em se tratando a obesidade, o esperado é que haja uma melhora da performance - diz, complementando: - Alguns pacientes relatam percepção no aumento da frequência cardíaca, o que poderia afetar a performance, mas não há observação de arritmias, por exemplo, nem alteração da capacidade cardiopulmonar. Inclusive o tratamento correto com a semaglutida é acompanhado por atividade física e mudança na dieta.

Fontes:
Paulo Miranda é médico endocrinologista, presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM);
Graziella Mendonça
é médica endocrinologista da Casa de Saúde São José do Rio de Janeiro.

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