TIMES

Por Flávia Ribeiro — Rio de Janeiro


O que acontece com a cabeça de um jogador que vai disputar uma Copa do Mundo? Ou de qualquer atleta numa competição decisiva? Ou de uma pessoa frente às cobranças e pressões que a vida impõe? Lateral-direito da Juventus e da seleção brasileira que vai disputar a Copa do Mundo 2022 no Catar, Danilo tem se feito perguntas assim há alguns anos. E em janeiro resolveu que estava na hora de quebrar uns tabus e começar um projeto que rondava sua cabeça desde 2016: o Voz Futura (@voz.futura), que trata de saúde mental e que está prestes a completar um ano, em menos de dois meses. Uma iniciativa ousada quando se fala de um atleta de alto rendimento em atividade, especialmente no meio do futebol. Convocado para a Copa pelo técnico Tite, nesta segunda-feira, Danilo acredita que já passou da hora de se discutir o tema com coragem e transparência.

Danilo, lateral da Juventus e da seleção brasileira — Foto: Daniele Badolato - Juventus FC/ via Getty Images

- Acredito que seja de extrema importância falar mais sobre saúde mental, porque foi criado um estereótipo na figura dos atletas, incluindo futebol, de que eram pessoas inabaláveis, com força suficiente para enfrentar qualquer desafio, e na verdade sabemos que ninguém tem essa força e que todos precisamos ser ajudados em algum momento - comentou o jogador em entrevista para o EU Atleta.

Danilo não passou por nenhum evento traumático nem viveu uma depressão profunda. Mas foi afetado pelas tensões do dia a dia e das exigências de sua profissão e sentiu que precisava encontrar um jeito de estender a mão, de alguma forma, a que estivesse sofrendo com depressão, ansiedade e outras doenças e abalos mentais ou emocionais.

- No fim de 2016, meu primeiro filho tinha nascido um ano antes e eu estava passando por um momento negativo no futebol. Não conseguia estar concentrado e confiante na medida necessária pra ter boas atuações, e isso interferia de maneira direta também na minha vida pessoal. Ali fui apresentado a um coaching e foi quando comecei a me interessar por toda essa área - conta.

Ainda levaria quase quatro anos para que ele formatasse a ideia no Voz Futura, uma página de Instagram que busca divulgar textos sobre saúde mental no esporte e fora dele, e que agora tem uma parceria com o LIV, Laboratório de Inteligência de Vida (@laboratoriointeligenciadevida), outro projeto que leva essa discussão para escolas em todo o Brasil.

- Quantos atletas não ultrapassaram seus limites emocionais antes de esse tema ser minimamente abordado por conta dos casos mais recentes? Quantos não foram silenciados porque falar sobre isso era expor uma lógica muito dura dos clubes? Quantos deixaram suas carreiras de lado porque não tinham uma perspectiva de cuidado com suas questões emocionais? - pergunta-se a psicóloga Joana London, do LIV.

Para ela, colocar a saúde mental como uma prioridade nos clubes e times é uma mudança de cultura.

- E, como qualquer outra, exige tempo, paciência e intencionalidade. O ponto central é que essa demanda está pulsando internamente, ou seja, os atletas estão trazendo a necessidade desse cuidado - avalia Joana.

Danilo conta que a ideia do projeto nasceu na pandemia, quando ele se sentiu "intoxicado pelas notícias ruins". Conversou com seus amigos e agora sócios no projeto, Pedro Pirim e Felipe Cantieri, que ajudaram a dar vida a uma iniciativa focada em contar histórias que motivam e dar visibilidade a projetos na área. E assim nasceu o Voz Futura, que fala de depressão, suicídio, autoestima, racismo, igualdade de gênero e outros assuntos relacionados ao tema.

- Está no início, mas que já nos fez conhecer pessoas e histórias incríveis - afirma o lateral.

O projeto chega num momento em que outras vozes começam a se levantar no meio esportivo. Em 2021, nas Olimpíadas de Tóquio, a ginasta americana supercampeã Simone Biles desistiu de várias finais da ginástica artística e falou abertamente que seu problema não estava no corpo, e sim na cabeça. Na mesma ocasião, a tenista japonesa Naomi Osaka, ex-número 1 do mundo, também colocou a depressão em pauta.

Às vésperas de uma Copa do Mundo, Danilo lembra que o futebol não está imune a questões de ordem mental e emocional. Especialmente com as exigências dos torcedores e, atualmente, o assédio nas redes sociais.

- A cobrança da torcida é algo natural e sempre estará presente no futebol. Mais do que falar em cobrança da torcida, é necessário falar em como isso acontece e pensar numa evolução enquanto sociedade no geral, para que essas cobranças sejam justas e dentro de um limite - avalia.

Ele aponta ainda para a necessidade de mais atenção com a orientação dos atletas em relação ao uso das redes sociais.

- As redes sociais, no futebol, assim como na vida em geral, podem vir a ser grandes aliadas ou grandes vilãs. Depende da maneira como são utilizadas. Acredito que até nisso os atletas precisam passar por algum tipo de educação e instrução para como usá-las, pois estão sempre expostos a todo tipo de julgamento exagerado, seja de forma positiva ou negativa. E lidar com isso não é algo fácil.

A psicóloga Joana London acredita que, ao assumir esse papel e esse tipo de presença numa rede social, Danilo pode inspirar outros jovens, atletas ou não, a reconhecerem suas questões e buscarem ajuda.

- Em meio a tantos influenciadores que só levam os jovens ao consumo, ter a figura do Danilo, um homem, negro, convocado pra Copa, nos dá, enquanto profissionais da educação e da saúde, uma esperança - aplaude Joana: - O que o Danilo vem fazendo com suas redes sociais é admirável. Ele aproveita seu protagonismo e visibilidade para evidenciar pautas importantes, que vão desde uma parentalidade positiva à importância da equidade racial e da saúde mental. Dá voz a profissionais de diversas áreas e se mostra atento e curioso para aprender. O mais interessante de tudo é que ele não precisou passar por uma situação totalmente traumática para entender que é urgente falar desses temas. Ele olhou pro lado e entendeu que há uma sociedade doente e ele, como figura pública, precisava fazer algo.

O foco do atleta agora é a Copa do Mundo. Mas ele não esquece seu papel no mundo e não descuida da saúde mental.

- Claro que se tratando de Copa do Mundo, tudo é muito especial. Mas eu acredito muito na constância, em ter uma linearidade, e até nessa parte eu acredito ser importante (a saúde mental). Tento usar as redes sociais de maneira propositiva, para que possa ser um canal de comunicação onde eu possa passar as mensagens que acho necessárias e receber um feedback, sabendo que (a internet) nunca será uma verdade absoluta e que é necessário ter um limite - diz ele, que conclui: - A vida real é bem mais legal.

Veja também

Mais do ge