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Por Carlos Eduardo Mansur

Jornalista. No futebol, beleza é fundamental


Há 12 anos, a Espanha batia a Itália por 4 a 0 numa final que seria lembrada como o ponto máximo de um ciclo de conquistas. Se a Copa do Mundo vencida dois anos antes fora o título mais importante, aquela final de Eurocopa ficaria marcada como a melhor e mais simbólica exibição de uma forma de jogar que se tornaria marca do futebol espanhol.

A Espanha da posse, dos passes e dos meias encerrava uma campanha em que, ao longo dos seis jogos do torneio, trocou em média mais de 700 passes por jogo e ficou com a bola mais de 60% do tempo. Na final, ainda que com números um pouco inferiores, produziu um nível de jogo sublime.

Ainda não é possível dizer onde a Espanha de 2024 chegará na Euro ou em seus futuros torneios. Mas caso venha a realizar um novo período vitorioso, o Espanha x Itália desta quinta-feira será lembrado como o dia em que, num grande palco e num grande clássico, uma nova Espanha se apresentou ao mundo. Um time modificado em nomes, estilo e intenções ao longo do jogo.

Nico Williams recebe o prêmio de melhor do jogo Espanha x Itália — Foto: Matt McNulty - UEFA/UEFA via Getty Images

Os números talvez nem sejam o melhor termo de comparação. Afinal, os 57% de posse e os 537 passes acertados em Gelsenkirchen nem são marcas tão distantes das atingidas na final de 12 anos atrás, em Kiev. O que mudam radicalmente são as rotas de passe, as ideias por trás da posse, os perfis dos jogadores que agora influenciam de forma decisiva o jogo.

A Espanha de Vicente del Bosque, profundamente influenciada pela magia do Barcelona de Guardiola, tinha na posse de bola um elemento essencial, um instrumento por vezes defensivo, mas também um pilar do jogo ofensivo: a partir dela, o time juntava passes para se ordenar, aproximar e gerar combinações. Hoje, há momentos em que não é exagero dizer que a posse espanhola não é a razão do jogo do time, mas a consequência da agressividade ao pressionar. E, quando recupera o controle, acumular passes não é o objetivo: este é um time muito mais vertical.

A essência da mudança está, afinal de contas, no perfil dos jogadores. A Espanha de 2012 era o time dos meio-campistas. Na final de Kiev, jogaram juntos Busquets, Xabi Alonso, Xavi, Iniesta, David Silva e Fábregas. Nenhum atacante puro, nenhum “camisa 9” de área. Seria incorreto dizer que, na quinta-feira, a capacidade de controlar o jogo de Rodri e Fabián Ruiz não tenha sido vital para a ótima atuação espanhola. No entanto, o que fez o mundo prender a respiração não foram mais circuitos intrincados de passes, mas a ousadia, o descaramento com que Lamine Yamal, de 16 anos, e Nico Williams, de 21, partiam para enfrentar seus marcadores. Se a Espanha de 12 anos atrás encontrava suas soluções a partir do centro do campo, agora tudo parece se decidir pelos lados.

Cabe aos meias espanhóis a tarefa de encontrar os dois jovens pontas, isolá-los num um contra um que causou pesadelos especialmente em Di Lorenzo, o italiano responsável por lidar com Williams. O jovem do Athletic Bilbao foi o autor da melhor exibição individual da Eurocopa até aqui. É a influência dele e de Yamal que faz da Espanha um time que busca chegar ao gol em menos toques, tendo o drible e a velocidade como armas.

Esta mesma Espanha precisou apenas de 47% de posse para fazer 3 a 0 na Croácia em sua estreia, num jogo em que não teve o domínio sugerido pelo marcador, tampouco uma exibição tão boa quanto à da vitória sobre os italianos. Mas a partida já era um claro manifesto de intenções. O time que chega à Alemanha para a Euro parece virar uma página. Nos dois últimos mundiais, a sensação que se tinha era de uma seleção que tentava replicar traços que haviam se tornado parte da identidade espanhola, mas havia pouca coisa além do acúmulo da posse, como se esta fosse uma finalidade, e não um meio para ganhar partidas. Era como se a Espanha estivesse lá para representar um estilo, mais do que para competir de fato: faltava alguma quebra de ritmo, algum desequilíbrio, faltava a sensação real de ameaça ao gol adversário. A Espanha atual busca a área adversária por caminhos mais rápidos, quase sempre pelas pontas, tendo o drible como uma possibilidade permanente.

Na vitória sobre a Itália, a Espanha realizou a melhor atuação de um time na Euro até o momento. Mas se há alguma ressalva a fazer, é a dificuldade de transformar em gols as chances criadas, algo que andou assombrando os espanhóis em anos recentes. Tanto que um jogo de domínio absoluto terminou 1 a 0 com um gol contra. No mais, o time foi plenamente convincente.

É possível gostar mais do time da posse, dos meias, dos passes. É possível preferir a audácia dos jovens ponteiros. Não é possível negar que uma nova Espanha se apresenta ao mundo nesta Euro.

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