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Por Carlos Eduardo Mansur

Jornalista. No futebol, beleza é fundamental


A poucos dias de se reunir, a seleção brasileira se vê diante de uma decisão sobre Lucas Paquetá. Tirá-lo ou não do grupo que disputará a Copa América é complexo, embora seja o debate menos importante dentre os que se colocam após mais um episódio envolvendo a relação entre jogadores de futebol e a indústria das apostas esportivas.

Haverá quem argumente que manter o meia no elenco pode ser um sinal de apoio ao jogador que, diga-se, tem negado todas as acusações. Por outro lado, sua retirada faz mais do que evitar que o ambiente da seleção brasileira seja consumido pelo debate em torno da acusação formulada pela associação de futebol inglesa.

Não é difícil imaginar comissão técnica e jogadores obrigados a responder, diariamente, sobre o tema. Sem contar que Paquetá tem até 3 de junho para apresentar sua defesa e, provavelmente, precisará dedicar tempo a formular argumentações junto a seus advogados.

Lucas Paquetá recebe cartão amarelo em West Ham x Bournemouth, em jogo de agosto de 2023 — Foto: Henry Browne/Getty Images

Há ainda outro ponto que não é desprezível. O futebol precisa sinalizar muito claramente o quanto o tema das apostas é sensível. Mexe com algo que é a alma do esporte: a percepção de integridade. Paquetá está sendo acusado após nove meses de acuação, algo que não parece banal. Afastá-lo temporariamente sinalizaria à sociedade a sensibilidade do tema.

Mas é impossível olhar para o caso envolvendo Paquetá e tratá-lo apenas como um possível desvio de conduta de um jogador. É claro que o princípio de não intervir deliberadamente em eventos do jogo, em especial para benefício de apostadores, fere todas as premissas básicas de uma competição esportiva. Assim como ver atletas apostando em partidas, casos do italiano Tonali e o inglês Ivan Toney, ambos alvos de suspensões que duraram entre oito e dez meses – o caso de Paquetá pode resultar em punição ainda maior. O Brasil, através de ações do Ministério Público de Goiás, também tornou públicos vários desvios de atletas.

Ocorre que, no fundo, a sequência de episódios revela que punir jogadores é apenas uma etapa do processo: o futebol precisa rever sua relação com o mundo das apostas. Esta é uma indústria bilionária, responsável pelo maior volume de “dinheiro novo” injetado no jogo em muitos anos. Mas a sensação é de que, a partir do momento em que este novo investidor mostrou sua capacidade de despejar recursos fartos no jogo, o futebol se preparou apenas para receber o dinheiro, não para enviar uma mensagem clara aos atletas sobre as fronteiras que estes não poderiam cruzar.

Porque, na forma atual, as mensagens são, no mínimo, confusas e contraditórias. Competições têm seus nomes alterados para contar as marcas de sites de apostas, um percentual incalculável dos clubes do mundo tem marcas dessas empresas em suas camisas, tornando parte importante dos jogadores do planeta – inclusive os punidos – garotos propaganda destas casas - que, diga-se, são vítimas a cada vez que ocorre uma fraude. Em torno das partidas, uma massacrante propaganda estimula a ideia de que a experiência do jogo só é completa se acompanhada da aposta. Não é justo esperar que seja automática a compreensão dos atletas de que eles devem se manter distantes deste universo. Tampouco ignorar que há tentações cercando esportistas por todos os lados. Eles podem vestir camisas com propagandas de bets e não podem anunciá-las, eles próprios? Podem ser veículos de anúncios, dizer ao público para apostar, mas não podem, eles próprios, acessar tais sites?

É claramente incompatível que um atleta seja um apostador. É um tiro no coração da presunção de integridade do jogo. Pior ainda, é vê-lo facilitar a ocorrência de eventos para interferir no mercado de apostas. Mas não é justo o futebol se abrir ao dinheiro novo, e hoje legalizado no Brasil e em quase todo o mundo, sem imaginar que precisa trabalhar fortemente em ações educacionais com seus atletas, desde a base.

O esporte e as apostas tornaram-se indissociáveis, e não é mais possível imaginá-los separados. Mas é importante que os limites estejam demarcados.

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