O Poder da Inovação

Por Luiz Serafim

Escritor e músico, com experiência de 30 anos como líder de marketing, inovação e diretor de Comunicação da 3M


 — Foto: Getty Images
— Foto: Getty Images

Mês de abril passou, carregando cores mil e celebrando a criatividade de diversas maneiras. Faz 50 anos que Vinicius e Toquinho compuseram a canção As Cores de Abril, uma exaltação à beleza da natureza e à vida. Nessas cinco décadas, o quarto mês do ano ganhou cores específicas. Desde 2008, a ONU estabeleceu “Abril Azul” para conscientização sobre autismo, enquanto a OIT adotou “Abril Verde”, a partir de 2003, para conscientizar trabalhadores sobre saúde e segurança no trabalho. A ONU também contribuiu para transformar abril no colorido mês da Criatividade, estabelecendo a data de 21 como o Dia Mundial da Criatividade e Inovação, a partir de 2018.

Tivemos diversas atividades para promover a criatividade Brasil afora. O World Creativity Day, maior festival colaborativo de criatividade do mundo, que tenho o privilégio de liderar, ocorreu em 55 cidades brasileiras. Algumas empresas, parques tecnológicos, universidades e entidades como o Sebrae se engajaram no movimento com programações. A revista Época Negócios deu matéria de capa para o tema, em que fui, orgulhosamente, uma das fontes entrevistadas.

Não é para menos. No último relatório sobre o Futuro dos Empregos do World Economic Forum, o pensamento criativo apareceu em segundo lugar entre os skills mais importantes, seguido de perto de talentos afins como curiosidade, flexibilidade e aprendizagem contínua. Quase 60% das empresas consideram a criatividade um talento essencial para seus funcionários e 73% apostam que a demanda por pensamento criativo será a maior necessidade das organizações nos próximos 5 anos.

Faz muito sentido. No contexto do século 21, as organizações precisam inovar continuamente em todas as dimensões para se manterem relevantes, gerando resultados econômicos. E, para reforçar aos esquecidos, no começo de todo processo de inovação está a criatividade.

Além disso, no avanço crescente da automação sobre trabalhos repetitivos e da IA sobre tantos campos, se aposta no desenvolvimento de nosso potencial criativo para o futuro do trabalho e da humanidade.

No entanto, apesar de sua aparente valorização, na prática, a criatividade é negligenciada pela maioria das empresas que a enxergam com olhos desconfiados.

Eis o grande paradoxo da criatividade! Todos dizem querer, mas agem de forma a impedir seu florescimento. Todos sonham com essa criatividade colorida, polifônica, surpreendente, impactando diversas funções organizacionais, mas acabam dificultando seus movimentos, permitindo no máximo um sinal acanhado em tom pastel.

Na compreensível busca pela produtividade, as organizações erguem padrões, orientados por diretrizes, avaliados por mensurações, abrindo caminho para rotinas conhecidas, cautelosas e previsíveis.

Isso vem acontecendo pelo menos desde a segunda revolução industrial, com o apoio das influentes teorias de gestão do início do século 20, como a administração científica de Frederick Taylor, o Fordismo, a teoria clássica de Henri Fayol, todas voltadas à racionalização do trabalho, à maximização da eficiência, hoje atualizadas pelo imperativo da transformação digital.

Vivemos há mais de século sob o direcionador onipresente da busca por maior produtividade, canalizando as iniciativas individuais para longe da criatividade e para dentro da padronização de processos e expectativas.

É claro que essa transformação trouxe impactos positivos, democratizando acesso a bens e serviços, aumentando a qualidade de vida das pessoas, reduzindo tempos e distâncias, melhorando o bem-estar humano.

Temos que buscar a excelência e alcançar melhores níveis de produtividade para sermos minimamente competitivos. O professor Glauco Arbix, ex-presidente da Finep, com quem dividi palcos de inovação há década, costuma dizer que a falta de produtividade é o drama fundamental da economia brasileira, apontando sua estagnação desde os anos 1980, o que acarreta custos maiores de produção, salários menores e baixos patamares de investimento.

Se concordo que a inovação passa pela eficiência e produtividade, também faço o contraponto de que, para inovar, é necessário também criatividade, e ela não se encaixa perfeitamente com essa cartilha engessada de ver os trabalhadores meramente como executores de procedimentos, liderados por microgerenciadores autocratas.

Não adianta pedir para o colaborador ser criativo, sobrecarregá-lo com um milhão de tarefas, e ainda dar a ele um catatau de diretrizes e regras, destacando as mil coisas que não pode fazer.

A criatividade requer liberdade, tempo, diversidade, curiosidade, coragem de questionamento, experimentação, colaboração. Não se pode medi-la da mesma maneira que controlamos as perdas de um processo produtivo, a taxa de conversão de clientes, a produtividade da equipe de vendas.

Isso já faz muitos executivos torcerem o nariz. Não tem relação direta imediata e mensurável? Então, isso é um teatro, coisa de artista. É mais uma dessas modas de gestão, uma baboseira desprovida de embasamento científico.

Que bom que você não acredita nisso! O bom caminho é uma combinação inteligente que também atende pelo nome de ambidestria organizacional. Ao mesmo tempo em que é necessário gerir processos cada vez mais eficientes, com indicadores claros e ambiciosos, sustentados por padronizações e projetos robustos para melhorar a produtividade, é importante nutrir os ambientes organizacionais com comportamentos saudáveis que fomentem a criatividade e que, em algum momento, poderão criar inovações de valor econômico.

Essa mudança não implica em perder a mão da produtividade e da eficiência, de bem controlar indicadores, de processos sólidos, do accountability das lideranças nas tomadas de decisões, das metas desafiadoras. No entanto, é urgente retomar um equilíbrio. Estamos há uns 150 anos rodando nos ecos do Iluminismo racionalista e encurralando outras inteligências e talentos socio-emocionais.

Se queremos inovação, é vital desenvolver a cultura de dados, aplicar metodologias e ferramentas, alimentar pipelines com projetos para diversos horizontes de inovação, usar inteligência artificial para prospectar e modelar caminhos.

Por outro lado, para não nos enrijecermos como meros operadores de ferramentas e guardiões cinzentos de processos padronizados, precisamos recuperar espaço para a imaginação, conexões afetivas, ócio criativo, serendipidade, colaboração desinteressada, cafés animados, momentos artísticos e papos despretensiosos, algo que soa nada produtivo.

Uma verdadeira cultura de inovação estimula o comportamento criativo, investigativo, questionador, colaborativo. Evoluir para uma cultura de inovação significa impactar a criatividade dos funcionários ao se estimular uma liderança colaborativa em substituição ao velho comando e controle.

É criar um ambiente de segurança psicológica que incorpore outras linguagens outrora rechaçadas no mundo corporativo, como a emoção, o humor, a informalidade, a vulnerabilidade, o afeto, a irreverência. É, ainda, estimular a curiosidade sobre o mundo (clientes, mercado, concorrentes, outras indústrias, novas tecnologias), incentivar o aumento de repertório e os planos de autodesenvolvimento. Significa também estimular a colaboração entre as pessoas, as áreas, os diversos agentes da cadeia de valor, as startups, universidades e muito mais. É, ainda, trazer diversidade para os grupos de discussão, com olhares e vozes de todas as geografias, formações, experiências, raças, etc.

Essas dimensões podem ser mensuradas ao longo do tempo, ainda que nem sempre de maneira direta e imediata. É uma transformação cultural de médio e longo prazo que requer o desenvolvimento de gestores que incorporem e apliquem a visão de liderança criativa em seus universos.

Tudo isso faz muito bem para a criatividade que impactará numa organização mais saudável, engajada, com muito mais conhecimento, conectada em redes potentes, sustentável e inovadora, gerando resultados para todos.

Agora que o mês de abril já passou com suas cores e celebrações, é hora de valorizar e aplicar a criatividade em todos os meses do calendário e contribuir de maneira tangível para a evolução da cultura de nossas organizações.

*Serafim é pai do Gabriel, escritor, músico e Diretor da “World Creativity Organization”, que realiza o “Dia Mundial da Criatividade”, com experiência de 30 anos como líder de marketing, inovação e diretor de Comunicação da 3M. Palestrante com mais de 1.000 apresentações sobre criatividade, inovação e liderança, é professor de Marketing e Inovação na FIA, FGV, Inova, ESALQ/USP e O Novo Mercado. Formado em administração (EAESP/FGV) e publicidade (ECA/USP), tem especialização em desenvolvimento do potencial humano e Psicologia Positiva (PUC/RS). No esporte, corre e faz dupla com seu filho, atleta paralímpico de bocha. Autor do livro “O Poder da Inovação” (Ed. Saraiva), é idealizador do Programa Inspira.mov, sobre Criatividade e Empreendedorismo (5 temporadas), veiculado pela TV Cultura, e apoiador da Mostra 3M de Arte (12 edições), do Prêmio Brasil Criativo (4 edições) e do Doc Ecossistemas de Inovação.

Mais recente Próxima “Ministério da Inovação” adverte: colaborar faz bem