O Poder da Inovação

Por Luiz Serafim

Escritor e músico, com experiência de 30 anos como líder de marketing, inovação e diretor de Comunicação da 3M


 — Foto: Getty Images
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Em fevereiro de 2024, escrevi para essa coluna o artigo “Você já trabalha com Inovação, mesmo que não saiba”. Ali defendia que inovação é parte do escopo de todos, independente da função dentro da organização. Esse é meu mantra para fortalecer uma real cultura de inovação, que valoriza as pessoas como intraempreendedoras na direção da transformação permanente.

Somos todos responsáveis por encontrar oportunidades para gerar valor, melhorar processos dentro de nosso escopo, construir pontes para o futuro de nossa área, função, empresa. Essa é verdade maior, emprestando expressão sensível do escritor Guimarães Rosa.

No entanto, muitas organizações estruturam um departamento de inovação com recursos dedicados. Elas nunca podem ser confundidas como únicas responsáveis pela inovação dentro da empresa, mas são importantes para acelerar mudanças, desenvolver tecnologias, produtos e modelos de negócio, avaliar tendências, coordenar processos, manter ritmos e focos.

O benefício mais óbvio do departamento de inovação é a criação de um time focado em ideações, explorações, educação e evoluções culturais, livre das restrições e pressões das operações do dia-a-dia. Quem trabalha no universo corporativo sabe que um dos maiores desafios é escapar da rotina curtoprazista de atender emergências e apagar incêndios, mantendo a mente à tona, sem se afogar nas mil demandas.

O escopo das áreas especializadas em inovação é amplo e vive em constante evolução. Desde sempre, inclui o desenvolvimento de novos produtos e serviços, a otimização de processos existentes e o desbravamento de novos modelos de negócio. Eventualmente, abraçam a função de incubadoras para tecnologias disruptivas e conceitos revolucionários, onde vivem mais apartadas do restante da organização, voltadas à experimentação de novos espaços à exploração de territórios não familiares como uma Embraer-X ou Google-X Lab.

De qualquer forma, mesmo em estruturas menos gigantescas e com recursos mais limitados, as áreas de inovação assumem olhares atentos às tendências emergentes e mudanças de mercado, identificam oportunidades para que as organizações adotem uma postura pró-ativa de antecipação do futuro e prevejam ameaças de potenciais competidores, tecnologias, legislações.

Tempos recentes estimularam novas funções, especialmente dentro da inovação aberta como a conexão com o ecossistema em que atua a amiga Mirella Lisboa na Basf Agro, o corporate venture building onde brilha a colega Carolina Araripe no hospital Albert Einstein, entre outros.

Tive a oportunidade de testemunhar a implementação de áreas de inovação em diversas empresas e momentos. O bom é que colocam o assunto na mesa da organização, na hora do café da manhã, almoço e chá da tarde, criando visibilidade e oportunidade para decisões relativas à transformação estratégica. No mínimo, geram debates, incômodos e entusiasmos junto às lideranças sobre caminhos, prioridades, tendências, investimentos, indicadores.

Esses departamentos costumam abraçar a responsabilidade de encorajar uma cultura de experimentação e transformação. Daí atuam para levar educação às equipes, com atividades de sensibilização e letramento, com palestras, treinamentos e outras ações coletivas.

Estimulando os funcionários a abraçar a inovação, departamentos especializados promovem um ambiente de aprendizagem, criatividade, tomada de riscos, tolerância a erros, colaboração, buscando influenciar a mudança de mentalidade para que a empresa se mantenha ágil, em constante adaptação ao cenário de mudança permanente.

Por outro lado, conheci vários departamentos de inovação que enfrentavam dificuldades por viverem um tanto desconectados do resto da organização, vistos com desconfiança com seus post-its coloridos e workshops frequentes pelo restante dos funcionários.

Certa vez, palestrei em uma grande empresa de moda e aproveitei para visitar seu impressionante centro de design, quando me confidenciaram que era difícil “vender” certos projetos inovadores para as áreas de negócio e me perguntando qual seria boa saída.

Eu ficava ali matutando: Como assim? Vocês trabalham sem alinhamentos profundos com as áreas de negócios? Vocês atuam de forma tão independente que depois precisam ter um buy-in de seus pares?

Se não houver uma boa integração, ideias e soluções geradas pelas instâncias dedicadas falham em ganhar tração e enfrentam forte resistência dentro da organização.

Para mitigar tais riscos, é crucial cultivar um ambiente de colaboração e comunicação fluente com todas as áreas parceiras internas. Projetos em conjunto com os negócios asseguram que esforços de inovação estejam alinhados com os objetivos e estratégias da organização.

Em certas empresas, mesmo com a visão transversal desejável da inovação irrigando todas as funções, algumas áreas são priorizadas no esforço inovativo, liderando o processo de competitividade e transformação dos negócios. Sem serem chamadas de departamento de inovação, estruturas de P&D dentro de uma companhia química como a Dow, petrolífera como a Petrobrás, farmacêutica como a Roche, continuam críticas para geração de novas soluções. Mesma coisa em áreas de TI para negócios financeiros como banco Itaú, de delivery como Ifood, de bebidas como Ambev ou até uma empresa de beleza como Grupo Boticário. Ainda assim, é muito importante que exista comunicação intensa e cultura de colaboração vigorosa entre essas áreas de tecnologia e o restante da empresa para a inovação evoluir de maneira consistente.

Agora, como também aponta meu colega Bruno Moreira, fundador da consultoria Inventta, a maior contribuição que uma área dedicada de inovação costuma proporcionar não é o esforço inovativo em si, mas sim a gestão dos esforços de inovação, oferecendo suportes diversos como apoio em metodologias, frameworks e insights, articulando iniciativas, estabelecendo focos e cronogramas, interagindo com consultorias, monitorando indicadores, “arrancando” atenção dos líderes de negócios para um respiro estratégico.

Nem sempre é tarefa fácil. Para dizer a verdade, lembrando sabedoria de outro grande amigo, Maximiliano Carlomagno da consultoria Innoscience, muitas vezes ser nomeado para departamento dedicado à inovação costuma ser das maiores alegrias. No entanto, um ano depois pode se tornar experiência de enorme frustração porque o sucesso dessa área depende, mais que outras, das estratégias da organização, da visão de futuro da alta-liderança, do comprometimento dos gestores. E você sabe que, muitas vezes, essa visão de futuro não é clara, as estratégias são de curtíssimo prazo, o comprometimento para a mudança é baixo.

Por isso, para se criar uma área de inovação, é fundamental que a alta liderança tenha estratégias razoavelmente definidas, métricas claras, firme comprometimento e expectativas concretas, conectadas à aspiração de crescimento do negócio e geração potencial de valor.

Para quem vive dentro de uma área de inovação, vale equilibrar atividades de livre investigação de novas fronteiras, iniciativas de educação, transformação cultural e suportes diversos com a contribuição em projetos que apresentem resultados mais tangíveis para os negócios.

Voltando ao mantra inicial, todos somos responsáveis por inovar. Não existe resposta única certa para eventual shakesperiana pegunta: Departamento de Inovação, ter ou não ter? Eis a questão! Depende de muitos elementos, contextos, cenários, características da organização, do mercado.

No entanto, áreas de inovação podem exercer uma preciosa função de catalisadores da mudança. Orquestrando a colaboração entre funções diversas e quebrando silos e bolhas, articulando iniciativas e monitorando resultados, as áreas de inovação estimulam pensamentos estratégicos necessários para navegar nos cenários de constantes transformações, favorecem a disciplina de execução e acionam o conhecimento e energia coletivos para co-criar futuros desejáveis para a organização.

*Serafim é pai do Gabriel, escritor, músico e Diretor da “World Creativity Organization”, que realiza o “Dia Mundial da Criatividade”, com experiência de 30 anos como líder de marketing, inovação e diretor de Comunicação da 3M. Palestrante com mais de 1.000 apresentações sobre criatividade, inovação e liderança, é professor de Marketing e Inovação na FIA, FGV, Inova, ESALQ/USP e O Novo Mercado. Formado em administração (EAESP/FGV) e publicidade (ECA/USP), tem especialização em desenvolvimento do potencial humano e Psicologia Positiva (PUC/RS). No esporte, corre e faz dupla com seu filho, atleta paralímpico de bocha. Autor do livro “O Poder da Inovação” (Ed. Saraiva), é idealizador do Programa Inspira.mov, sobre Criatividade e Empreendedorismo (5 temporadas), veiculado pela TV Cultura, e apoiador da Mostra 3M de Arte (12 edições), do Prêmio Brasil Criativo (4 edições) e do Doc Ecossistemas de Inovação.

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