O Poder da Inovação

Por Luiz Serafim

Escritor e músico, com experiência de 30 anos como líder de marketing, inovação e diretor de Comunicação da 3M


 — Foto: Getty Images
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Que tal tomar uma vacina anti-hype para potencializar sua inovação?

Mas o que é hype? É a promoção exagerada de uma ideia, uma onda avassaladora que repercute intensamente, conquistando popularidade e concentrando a atenção de multidões.

Faz sentido então uma “vacina anti-hype”? Eu diria que sim, graças à nossa tendência aos comportamentos de manada, estimulados com o modus operandi da indústria cultural e dos meios de comunicação, somados ao efeito exponencial das redes, que produzem hypes diários, nos confinando em pequenas bolhas de discussão.

Vale lembrar que inovação vem da criatividade ao interagirmos com novas paisagens, nasce da curiosidade em ouvirmos outras vozes e também da disposição em vivermos experiências plurais que nos transformem.

Mas como fazer isso se todos estivermos ouvindo as mesmas vozes o tempo todo, dançando uma única música nos mesmos palcos?

No mundo da inovação, ondas temáticas surgem regularmente e se tornam onipresentes por certo tempo. Agora é a hora da inteligência artificial como as startups eram a bola da vez da última década, do mesmo modo que a reengenharia e o six sigma excitavam nos anos 1990.

Em anos recentes, vivemos tsunamis de assuntos como ESG, futuro do trabalho e saúde mental, ainda muito relevantes e infelizmente pouco incorporados para valer no cotidiano das organizações.

Naturalmente, vários conceitos são urgentes e precisam ser amadurecidos com consistência, requerendo holofotes e pressão por longo tempo para gerar reais transformações positivas, como equidade e inclusão, transformação digital, incorporação responsável da IA, economia circular e regenerativa, entre outros.

Alguns hypes se mostram mais como distrações e acabam “marolinhas”, como foi o metaverso e o NFT, que depois seguem evoluindo para novos espaços pertinentes, mas sem a obsessão exagerada de outrora.

Por favor, não me entenda mal. Acho essencial as pessoas conhecerem, devorarem, processarem os hypes, participarem das arenas gigantescas dos festivais de inovação, acompanharem a febre da última semana. Eu também faço isso.

Como especialista em inovação, asseguro que um imperativo dos inovadores é justamente se conectar às tendências, conhecer a transformação de comportamentos, a evolução das tecnologias, os movimentos demográficos, o avanço das legislações. Somente com isso podemos visualizar cenários e construir futuros para nós e para nossas organizações.

Assim, embarque nos hypes, acompanhe as grandes discussões, participe dos festivais, leia os best-sellers, invista horas nos debates do momento. Faz parte dos bastidores e do show da inovação.

Por outro lado, se ficamos apenas restritos ao hype do mês, sempre acompanhando passivamente a mesma manada, escutando e reproduzindo abordagens padronizadas em todos os canais e poros, como fica nossa real capacidade de inovar?

O filósofo contemporâneo Byung Chul-Han aponta para o “terror da mesmice” ao abandonarmos a busca da aprendizagem para nos reduzirmos a meras câmaras de eco. Podemos acumular repertório, experiências e dados, mas não aplicamos esse conhecimento e, assim, não nos transformamos.

Colecionamos takeaways e citações, mas não geramos nenhum insight e continuamos como cantava o mestre David Byrne na canção "Once in a lifetime": "Letting the days go by (same as it ever was)".

Se, na maior parte do tempo, consumimos conteúdos velozes e cultivamos relações superficiais nessa tal sociedade do cansaço, sem tempo para reflexão, contemplação e possível desenvolvimento a partir das ideias recebidas, como criar algo original?

Do século 19, outra contribuição valiosa vem de Ralph Waldo Emerson. Ele achava um desperdício se cada indivíduo não contribuísse para a sociedade com seu conjunto único de talentos, experiências e expertise.

Uma de suas valiosas mensagens diria para evitarmos ser pessoas que se contentam em regurgitar conceitos de outros, passando a vida repetindo coleção de perspectivas externas massificadas.

Meu colega das praias de inovação e aluno de nosso curso de mestrado Danillo Sciumbata me inspirou a escrever sobre este movimento anti-hype quando compartilhou em sua rede meu artigo de novembro de 2023, “Inovação não é acidental”.

O executivo anotou essa minha boa história em seu precioso “caderninho anti-hype”. Ao contar sobre a verdadeira história do Post-it®, que conheci de perto e da boca do inventor, quebrei um antigo mito, hype gigantesco do mundo da inovação que podia ser romântico, mas não trazia nenhuma boa lição sobre a inovação real daquele caso.

E quantos outros casos semelhantes existirão? E quantos storytelling fakes ou, ao menos, edulcorados existem por aí? E quantos aconselhamentos hypados questionáveis flutuam pelos ares?

Daí a brincadeira de sugerir uma vacina anti-hype. Muita calma nessa hora. Em tempos de questionamento a vacinas, fiquemos com seu conceito básico de um agente que estimula a defesa do corpo contra microrganismos que causam doenças.

Como sabemos, vacina anti-hype não é feita por grandes empresas farmacêuticas, não são aplicadas em postos de saúde nem produzirão efeitos colaterais.

É a nossa própria atitude de criar barreira imunológica consciente para não seguirmos a manada todo o tempo, para conseguirmos questionar paradigmas, para não aceitar sermos alimentados todos os dias com o mesmo “novo” prato que, no fundo, tem um sabor de mesmice, previsível, já encaixado demais dentro de nossas certezas.

É uma escolha de não chover torrencialmente no molhado dos lugares-comuns. É ouvir as grandes ideias de figuras carimbadas do universo da inovação que têm muito a acrescentar e provocar, mas também dar atenção a outras vozes diversas de outros cantos, que tanto podem nos transformar com belas e autênticas histórias.

E além de ouvir, anotar, fotografar, filmar, podcastear sobre as ideias que são propagadas, é preciso garantir tempo para contemplação e reflexão, e ainda acrescentar aquele tempero só nosso à mistura inovadora.

O que nosso caderninho anti-hype propõe é batalhar contra a estandardização da sensibilidade, como diz o poeta Arnaldo Antunes, e fazer como prega o músico Lenine, convidando sempre a “Dona Estranheza” (a nossa autocrítica) para conferir se estamos só nos repetindo e agindo como câmaras de eco ou se estamos realmente colocando nossa criatividade para atuar e gerar variações, melhorias, inovações, revoluções, pequenas e grandes mudanças, para melhorar o mundo.

*Serafim é pai do Gabriel, escritor, músico e Diretor da “World Creativity Organization”, que realiza o “Dia Mundial da Criatividade”, com experiência de 30 anos como líder de marketing, inovação e diretor de Comunicação da 3M. Palestrante com mais de 1.000 apresentações sobre criatividade, inovação e liderança, é professor de Marketing e Inovação na FIA, FGV, Inova, ESALQ/USP e O Novo Mercado. Formado em administração (EAESP/FGV) e publicidade (ECA/USP), tem especialização em desenvolvimento do potencial humano e Psicologia Positiva (PUC/RS). No esporte, corre e faz dupla com seu filho, atleta paralímpico de bocha. Autor do livro “O Poder da Inovação” (Ed. Saraiva), é idealizador do Programa Inspira.mov, sobre Criatividade e Empreendedorismo (5 temporadas), veiculado pela TV Cultura, e apoiador da Mostra 3M de Arte (12 edições), do Prêmio Brasil Criativo (4 edições) e do Doc Ecossistemas de Inovação.

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