O Poder da Inovação

Por Luiz Serafim

Escritor e músico, com experiência de 30 anos como líder de marketing, inovação e diretor de Comunicação da 3M


 — Foto: Getty Images
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Primeira aula do mestrado profissional da EAESP-FGV, sala apinhada de gente interessada em nosso curso de estratégia, inovação e competitividade. Em certo momento, meu parceiro, professor André Alves, pergunta quem ali já trabalhava com inovação. Somente uma dezena de mãos se levantou no meio de 70 mestrandos. Espantado com tão pouca gente se apresentando, tive que provocar:

“Pessoal, todo mundo aqui trabalha em inovação. Se você não levantou a mão, precisamos levar um papo reto”.

Isso me lembrou de outro episódio, quando organizei um curso de liderança junto com bons amigos. Era o guia da liderança colaborativa e fui responsável pelo último módulo da jornada, costurando os blocos que vieram antes.

Em certo momento, uma aluna ainda mostrava confusão com relação ao conceito de liderança. Se perguntássemos quem ali na classe era líder, a estudante não levantaria a mão porque, na visão dela, simplesmente não coordenava uma equipe.

No mesmíssimo tom, tive que bradar que todos somos líderes em alguma instância. Há certamente líderes de pessoas, de times, de áreas, de empresas inteiras. Mas há pessoas que lideram projetos, processos, iniciativas, e sempre acabarão influenciando e liderando pessoas em determinados momentos, mesmo sem qualquer subordinação hierárquica.

Essa visão iluminou a classe e fez uma diferença na vida daquela moça que nunca tinha imaginado que atuava, sim, como liderança influente em várias situações. Tenho certeza de que se sentiu mais potente, estimulada, inspirada a partir daquela simples e esclarecedora conversa.

Voltando ao mundo da inovação, a verdade é que, independentemente da nossa função dentro da empresa, e mesmo que a gente seja profissional liberal, empreendedora, educador ou artista, inovação é parte do nosso escopo, jogo, rotina. No mundo em que vivemos, não se pode abrir mão de inovar, seja numa padaria, no escritório de advocacia, na clínica médica, em marketing, no departamento de tributos ou compras.

A minoria convicta que ergueu o braço atua em áreas diretamente ligadas à inovação. É a turma de P&D, conexão com ecossistema, planejamento estratégico, cultura, transformação digital. Em alguns casos, há inclusive departamentos com o nome de inovação pendurado na porta. São importantes para acelerar transformações, orquestrar processos, focar iniciativas, com importantes contribuições para as organizações, mas nunca podem ser confundidos como únicos responsáveis por inovar na empresa.

Alguns talentosos colegas fazem sólidos trabalhos em áreas de inovação em suas empresas, como a Duda Branco, na RD Brasil, Léo Ferreira, na Faber-Castell, Priscila Anjos, no Santander, Leonardo Garnica, na Embraer, e Priscila Freitas, na Nestlé, entre tantos exemplos. Todos esses profissionais carregam inovação no cargo, com escopos e indicadores pertinentes, conduzindo trabalhos voltados para o presente dinâmico e o futuro promissor dos negócios.

No entanto, é preciso deixar claro que inovação jamais deve ser restrita a um departamento. Ela é responsabilidade inerente da atuação de qualquer pessoa neste século 21 e vale para nossa vida profissional e pessoal.

Com o privilégio de construir carreira na 3M por muito tempo, aprendi a importância de uma cultura organizacional que incentiva as pessoas a serem protagonistas, a se desenvolverem continuamente, a buscarem inovações de maneira permanente como forma natural de trabalhar. Considerando que inovação é processo de mudança que gera valor, temos oportunidade de trazer essa visão para nossas realidades, em qualquer função ou área.

Se você trabalha em marketing, tem que aprender continuamente as necessidades mutantes dos clientes, as transformações sócio-culturais, as mudanças no comportamento de consumo, as ferramentas digitais em crescimento para, então, lançar novos produtos pertinentes, rejuvenescer marcas, apostar em novos canais de comunicação e vendas mais efetivos.

Se atua em manufatura, considerando entregas para produtividade, segurança, impacto ambiental e qualidade, sua inovação focará em excelência operacional, automação, robotizações, visão computacional, manufatura aditiva, internet das coisas, análise de dados, processos sustentáveis, ergonomia e segurança do trabalho, entre outras dimensões.

No mundo de desafios tão grandes para ambientes organizacionais, as demandas de inovação para os profissionais de gestão de pessoas são numerosas. Precisam lidar com trabalho híbrido e remoto, saúde mental, diversidade, equidade e inclusão, pertencimento, evoluções culturais, prioridades geracionais e tantas outras frentes de inovação.

Da área de contas a receber ao armazém de despacho de mercadorias, da gestão do refeitório à equipe do almoxarifado, da recepção do hotel ao pessoal da faxina, do departamento de vendas aos funcionários de negócios jurídicos e compliance, todos podem buscar mudanças que geram valor, aperfeiçoando processos, atualizando práticas, incorporando tendências, melhorando produtividade e bem-estar, e por vezes, revolucionando o trabalho.

No nível pessoal, é a mesma coisa. Numa jornada infinita, o ser humano precisa sempre se atualizar, valorizando e conservando pilares importantes do passado, mas incorporando novas concepções e se movimentando para se adaptar ao espírito do novo tempo.

Nossa transformação é fundamental para o bem-estar humano e, assim, precisamos inovar dentro de nós mesmos. Conhecer novas paisagens, olhar velhas ideias com novos olhos, lidar com as tecnologias emergentes como a inteligência artificial e as realidades mistas, mas também se dedicar ao autoconhecimento, à saúde integral, ao equilíbrio e desenvolvimento da criatividade e outros talentos socioemocionais. Conectar-se com muitas pessoas em grupos de estudo, comitês, organizações de trabalho social, atividades esportivas e artísticas. Desenvolver talentos em marcenaria, música, dança, escrita. Alargar bolhas, questionar paradigmas, abandonar certezas e sentir o delicioso incômodo de novos pensamentos.

Como já escrevi na minha primeira colaboração para essa coluna, Inovação são Pessoas. Se não nos transformarmos internamente, é pouco provável que a gente inove no mundo com fluidez.

Assim, na próxima vez que alguém perguntar se você trabalha com inovação, já sabe a resposta. A plenos pulmões, com convicção e entusiasmo, levante a mão e responda orgulhosamente: Sim, eu também trabalho com inovação!

*Serafim é pai do Gabriel, escritor, músico e Diretor da “World Creativity Organization”, que realiza o “Dia Mundial da Criatividade”, com experiência de 30 anos como líder de marketing, inovação e diretor de Comunicação da 3M. Palestrante com mais de 1.000 apresentações sobre criatividade, inovação e liderança, é professor de Marketing e Inovação na FIA, FGV, Inova, ESALQ/USP e O Novo Mercado. Formado em administração (EAESP/FGV) e publicidade (ECA/USP), tem especialização em desenvolvimento do potencial humano e Psicologia Positiva (PUC/RS). No esporte, corre e faz dupla com seu filho, atleta paralímpico de bocha. Autor do livro “O Poder da Inovação” (Ed. Saraiva), é idealizador do Programa Inspira.mov, sobre Criatividade e Empreendedorismo (5 temporadas), veiculado pela TV Cultura, e apoiador da Mostra 3M de Arte (12 edições), do Prêmio Brasil Criativo (4 edições) e do Doc Ecossistemas de Inovação.

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