Morar em São Paulo é estar cercado por movimento, estímulos sonoros e a intensidade que uma das maiores cidades da América Latina proporciona. Mas alguns bairros da capital preservam uma calmaria que encanta famílias com filhos pequenos, como narra a história dos empresários Amanda Chatah e José Neto, sócios da marca de mobiliário infantil Muskinha, que aceitaram o desafio de reformar uma casa dos anos 1940, no bairro da Vila Mariana, para priorizar a tranquilidade na construção das novas memórias deles e dos três filhos: Flora, Olívia e Antônio.
Após diversos endereços e aluguéis, o casal encontrou o imóvel dos sonhos, mas o que viam não passava de potencial: por estar fechada e sem manutenção há uma década, havia muito a fazer para materializar o novo lar da família. Engenheiro civil, José capitaneou a obra visando preservar suas características históricas, como a fachada — processo que durou cerca de 10 meses.
Esse aspecto deteriorado da casa foi encarado pelos arquitetos Meire Zulian e Sergio Müller como um desafio. “Mantivemos muitos materiais originais da casa pensando no quesito sustentabilidade, como os tacos de madeira, a escada de mármore, o guarda-corpo da escada e uma divisória de serralheria logo no hall de entrada”, pontua Sérgio.
Contato com a natureza e interação com o bairro, de comércio a escola e espaços de lazer, foram prioridades na hora de escolher o novo lar. O projeto previa abrir os espaços e torná-los integrados, unindo a casa ao jardim e removendo paredes. A essência da casa de vila foi resgatada nesse processo. “Do lado de fora, ela é fechada, com grades, típicas de São Paulo, mas quando você entra, é como se estivéssemos em outra cidade. O jardim interno se abre para os dois quintais, criando uma sensação de que não estamos mais na agitação da cidade. Os jardins verticais que adicionamos se tornaram o coração da casa”, descreve Meire.
Uma paleta de tons terrosos e elementos naturais, como o piso de taco de madeira, cestarias, mobiliário com palhinha e peças de macramê, se unem para agregar aos cenários o charme atemporal do estilo boho — um desejo de Amanda, que sonhava com o aconchego para os filhos e os amigos em cada encontro, seja entre os adultos, ou entre as crianças.
A cozinha, apesar de compacta, é altamente funcional, com uma janela que permite acessar ervas frescas para cozinhar. A casa celebra a riqueza da vida familiar e proporciona um ambiente em que as crianças podem brincar na vila, reforçando a ideia de horizontalidade em uma cidade verticalizada.
Deteriorado, o telhado cedeu espaço para um terraço com área social. O espaço de baixo foi transformado em uma aconchegante sala de TV com um sofá que acomoda toda a família.
Para os irmãos Olívia e Antônio, carinhosamente apelidado de Tom, a casa é lugar de experimentação, onde podem explorar brincadeiras e crescer livremente em um espaço pensado, também, para eles, e não somente na brinquedoteca. “Os nossos filhos e as crianças em geral não deveriam ser coadjuvantes dos cenários que habitam. Aqui, eles são protagonistas”, revela Amanda. A ideia de garantir locais seguros e estimulantes para o desenvolvimento desde a primeira infância é presente no projeto por meio de ambientes pautados na perspectiva educacional Montessori, da pedagoga Maria Montessori.
Autoeducação, educação como ciência, educação cósmica, ambiente preparado, criança equilibrada e adulto preparado são os pilares do método que se popularizou na arquitetura nos últimos anos. Amanda descobriu a metodologia Montessori após um episódio com Olívia, sua filha do meio, que caiu do berço quando era bebê. Em ambientes montessorianos, a cama fica mais próxima ao chão, evitando acidentes e permitindo que os pequenos entrem e saiam com mais segurança e autonomia.
Na casa anterior, Olívia e Tom dividiam o quarto, mas ganharam dormitórios separados na nova morada. O primeiro pedido dos irmãos foi a criação de uma passagem secreta entre os ambientes — assim, se sentem mais próximos, ao mesmo tempo em que expressam suas individualidades. A concepção foi feita pela designer de interiores Ka Martins a partir do tema “Meu lugar no mundo”.
Para o espaço de Olívia, Ka optou por tons de rosa e elementos que remetem ao romantismo, traço forte na personalidade da menina que gosta de ler e brincar com seu irmão mais novo. Por isso, além do cantinho de estudo, com a escrivaninha que, somada ao espelho de coração, faz papel de penteadeira, o quarto recebeu também uma cabana de teto para os momentos de diversão entre irmãos.
“Nossa casa é verdadeiramente acolhedora, as crianças podem sair na vila e brincar livremente. Nosso objetivo foi criar um refúgio horizontal em uma cidade que muitas vezes se verticaliza. Somos uma resistência a essa tendência”, celebra Amanda.