Evang�licos apostam nas redes sociais para amplificar mensagem da religi�o
RESUMO Especialistas de dentro e de fora de congrega��es evang�licas estudam o valor da internet como amplificador da mensagem religiosa. Para alguns, o impacto das redes sociais se compara ao da prensa tipogr�fica � �poca de Lutero. Para outros, se a web expande o alcance da prega��o, ela n�o substitui a experi�ncia presencial.
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"Como Jesus usaria as redes sociais?" A Igreja Universal do Reino de Deus tem seus palpites. "Talvez Ele postasse fotos da multid�o reunida ao Seu redor, Seus milagres e at� citasse as par�bolas que j� lemos no Novo Testamento."
A indaga��o est� posta no site do imp�rio religioso do bispo Edir Macedo. J� na partida o artigo reconhece: "Pode ser dif�cil imaginar o Senhor com um tablet nas m�os ou 'on-line' no WhatsApp".
O desafio n�o � s� deles. H� hoje uma gama de especialistas, de dentro e de fora das congrega��es evang�licas, debru�ada sobre o valor da internet como amplificador para a mensagem religiosa.
"Muitos crentes t�m descrito a rede como um presente de Deus para as novas miss�es evangelizadoras do s�culo 21. Denomina��es, agora, at� treinam mission�rios on-line, mesmo as mais tradicionais", diz � Folha Heidi Campbell, editora de "Digital Religion: Understanding Religious Practice in New Media Worlds" (Routledge, religi�o digital: compreendendo a pr�tica religiosa no mundo das m�dias sociais).
Evangelho, na acep��o grega da palavra, significa "boas novas" —o contr�rio do que Martinho Lutero (1483-1546) representou para a Igreja Cat�lica do s�culo 16.
H� 500 anos, o monge fraturou o pilar da cristandade ao pregar suas 95 teses na porta da Igreja de Todos os Santos de Wittenberg (Alemanha), no dia 31 de outubro de 1517.
As mais ruidosas fustigavam o balc�o de indulg�ncias que unia pecadores endinheirados a um Vaticano ganancioso e corrupto.
Quem quer dinheiro? O papa da �poca sem d�vida queria. A certa altura, comprar o perd�o para um �nico deslize abocanhava at� 1,5% da renda anual de um contempor�neo de Lutero, como apontou "Quanta Grana Realmente Havia no Xadrez das Indulg�ncias?", artigo divulgado no "Sixteenth Century Journal", peri�dico acad�mico da Truman State University.
"Qualquer crist�o verdadeiramente arrependido tem direito � remiss�o completa da pena e da culpa, mesmo sem cartas de indulg�ncia", cravou Lutero, respons�vel por deslanchar um cisma que rachou a doutrina crist� entre cat�licos e protestantes.
EXPANS�O F�SICA
Espelhando a passagem b�blica "crescei e multiplicai-vos", a Reforma Protestante se contrap�s � voca��o centralizadora da Igreja Cat�lica, sob guarida de um �nico l�der, o papa.
Hoje s�o milhares de templos, cada qual com seu pastor, num mundo onde 12% da popula��o se declara protestante (no Brasil s�o 30%), dos primeiros luteranos aos neopentecostais contempor�neos.
"Muito antes do Twitter, Lutero foi um pioneiro da m�dia", diz o t�tulo de uma reportagem do jornal "The New York Times" em que o alem�o � lembrado por "uma das campanhas de comunica��o mais bem-sucedidas da hist�ria".
Para espalhar sua mensagem, ele se valia de pinturas (como as de seu amigo pintor Lucas Cranach, tamb�m afeito a nus renascentistas), m�sicas (seu hino "Castelo Forte � Nosso Deus" � considerado a "Marselhesa da Reforma") e panfletos de oito a 16 p�ginas, distribu�dos em v�rias cidades com ajuda da prensa tipogr�fica criada por Johannes Gutenberg d�cadas antes.
"Na �poca, a inven��o da imprensa teve um impacto muito semelhante ao da internet e das redes sociais hoje. E ele teve a percep��o de usar essa nova m�dia para divulgar suas ideias. Alguns autores chegam a dizer que o sucesso da Reforma foi tamb�m pelo uso da imprensa", afirma Luis Mauro S� Martino, autor de "The Mediatization of Religion" (Routledge, a midiatiza��o da religi�o).
Mas que futuro tem o papel hoje? "Desde os anos 1990, vemos igrejas experimentando o fen�meno da e-Vangeliza��o. Nos �ltimos anos, tem-se usado o termo 'religi�o digital'. Jesus tem seu pr�prio Facebook, Buda tu�ta e voc� pode baixar uma variedade de aplicativos no celular que o ajudam a rezar em dire��o a Meca", diz Heidi Campbell.
EXPANS�O DIGITAL
Edir Macedo que o diga. H� dez anos, o bispo inaugurou seu blog, que acumula mais de 4.000 posts. Entre os campe�es de audi�ncia, textos como "A Auxiliar que Todo Homem Quer", sobre como Deus "n�o fez simplesmente uma mulher para o homem", e sim uma "auxiliadora id�nea", e "Tatuagem � de Deus?" ("duvido que algu�m selado com o Esp�rito Santo queira ser tatuado!").
Em 2014, Macedo estreou no Instagram com uma foto em que a esposa, Ester, faz as unhas dele.
A Universal n�o det�m o monop�lio evangelizador na web brasileira. Do FaceGl�ria ao DNA Gospel, clones do Facebook trocam bot�es de "curtir" por "am�m" e filtram conte�dos considerados impr�prios a seu p�blico, como beijo gay.
Silas Malafaia lidera a Assembleia de Deus Vit�ria em Cristo, uma igreja com milhares de membros que se torna nanica perto de gigantes como a Universal (1,8 milh�o de fi�is, segundo o Censo de 2010). Com 1,4 milh�o de seguidores no Twitter, por�m, o pastor carioca agiganta o alcance de discursos como "a imprensa se dobra �s mentiras do ativismo gay".
Canais de YouTube voltados sobretudo a jovens evang�licos ganham nomes como "Crente que � Gente" (do slogan "sem a gra�a de Deus n�o tem gra�a") e "B�blia Freestyle", do pastor Robinho, adepto do piercing no septo do nariz.
O "Desconfinados" lembra um "Porta dos Fundos" que abra�ou Jesus, com par�dias como "Justin Bieber Gospel" —que substitui o refr�o "I was like baby, baby, baby, oooh" chorado pelo cantor por "agora eu sou crente, crente, crente, ���".
"Minha maior prioridade � levar Jesus �s pessoas, e a evangeliza��o faz parte disso", diz a youtuber Fab�ola Melo, 24, famosa pelo v�deo "Frases que uma Garota Crist� Nunca Deveria Falar" ("T� vendo o Paulo? Ele � at� bonitinho, mas na hora de matar o Golias Fraqu�ssimo!").
Joanna LaFleur, mestre em estudos teol�gicos no canadense Wycliffe College, v� vantagens na abordagem virtual.
"Muitas pessoas jamais aceitariam um convite de um amigo evang�lico para ir � igreja. Contudo, clicariam num v�deo atraente com mensagem crist�. Algu�m que nem cogita ir � igreja em tempos de crise talvez descubra um grupo crist�o para luto se buscar 'servi�os funer�rios' no Google", afirma LaFleur, que no Twitter elenca sua trinca de paix�es: "Igreja, caf� e iPhone".
"E a beleza da era digital, ao contr�rio de tantas tecnologias do passado, � que o capital inicial � bem baixo. Blogs e contas em redes sociais podem ser de gra�a ou custar poucos d�lares anuais."
Nem tanto ao c�u, nem tanto � web. Para Magali Cunha, professora da Universidade Metodista e especialista em religi�o e m�dia, "a experi�ncia sensorial presencial, para al�m de ver e ouvir, garante o compromisso comunit�rio —tocar, ajoelhar, respirar, comer. As transmiss�es de cultos s� permitem o ver e o ouvir, fora serem pass�veis de dispers�o. Portanto, a experi�ncia ritual�stica da f� perde com as transmiss�es on-line".
V�rias igrejas at� incentivam o engajamento virtual. Mas, da porta do templo para dentro, a f� � off-line. Na r�plica do Templo de Salom�o que a Universal ergueu em S�o Paulo, todos os fi�is s�o instru�dos a deixar o celular no guarda-volumes. O desobediente � denunciado por um detector na entrada.
'NETIQUETA'
A jornalista Elis Am�ncio, convertida em 2003, escreveu um guia de "netiqueta" (etiqueta na internet) para denomina��es brasileiras. "M�dias Sociais na Igreja" (e-book gratuito em www.elisamancio.com) � pleno de cita��es b�blicas reinterpretadas para tempos digitais, como "siga-me" (Mateus 8:22), vers�o "vintage" do bot�o "follow" (seguir) do Twitter.
Para l�deres pouco familiarizados com o potencial de viralizar —para o bem ou para o mal— um conte�do, falta semancol e sobra amadorismo, segundo Am�ncio.
"Imagine a seguinte cena: um cidad�o passa em frente a uma igreja. Ao chegar em casa, quer saber mais sobre ela, os hor�rios das reuni�es etc. A� descobre que a igreja tem apenas uma p�gina no Facebook. Ao entrar nela, encontra como foto de perfil o pastor na praia. Detalhe: com roupas de banho."
A experi�ncia que a autora narra em seu e-book � pessoal. O ideal � que o pastor sempre se pergunte se "Jesus publicaria isso em meu lugar", aconselha Am�ncio, professora de m�dias no Centro de Treinamento Ministerial Diante do Trono.
� da banda Diante do Trono, ligada � mineira Igreja Batista da Lagoinha, que vem a pastora Ana Paula Valad�o —bom exemplo de como evang�licos tiram vantagem da rede para refor�ar modelos de comportamento, diz Karina Bellotti, estudiosa de evang�licos e m�dia da Universidade Federal do Paran�.
Em 2016, Valad�o manifestou no Instagram sua "#santaindigna��o" com campanha unissex da C&A que mostrava casais vestindo pe�as do par. Propondo boicote, acusou a loja de provocar "para ver at� onde a sociedade aceita passivamente a imposi��o da ideologia de g�nero".
"As m�dias sociais oferecem um f�rum de discuss�es sobre assuntos externos � comunidade religiosa, que serve para contrapor opini�es, fortalecer posi��es pol�ticas, morais, �ticas etc.", diz Bellotti. "Houve mobiliza��o grande entre crist�os em rep�dio � exposi��o do Santander [Queermuseu, com obras vistas como apologia da pedofilia e da zoofilia]", exemplifica.
Se no princ�pio era o verbo, como prega um dos mais poderosos motes b�blicos, as redes revitalizaram a prega��o crist�, diz Am�ncio. "Nos dias de hoje, o 'ide, por todo o mundo, e pregai o evangelho a toda criatura' (Marcos 16:15) fica ainda mais poss�vel considerando o alcance da internet."
ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER, 30, � rep�rter da Folha.
EDUARDO MOURA, 27, � jornalista.
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