S�culo 21 tem crescimento de guerras civis, e internet est� por tr�s disso
Mieczyslaw Michalak - 26.jul.17/Reuters | ||
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Manifesta��o em Bresl�via, na Pol�nia, contra as reformas judiciais |
RESUMO Ap�s decl�nio na d�cada de 1990, n�mero de guerras civis dispara. Conflitos atuais t�m caracter�sticas novas, com objetivos transnacionais e predom�nio de ideologia extremista. Estudiosos come�am a analisar impacto da internet nas insurg�ncias, tema abordado pelo manual de contraguerrilha das For�as Armadas dos EUA.
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Especialistas acreditam que a democracia na Pol�nia ainda corre risco , mas, ao menos por ora, o pior passou. Contrariando seu partido –o nacionalista e conservador Direito e Justi�a (PiS)–, o presidente Andrzej Duda vetou duas das tr�s leis que reduziriam os poderes do Judici�rio.
H� pouca d�vida de que as manifesta��es tiveram papel decisivo nessa decis�o surpreendente. Dezenas de milhares de poloneses vinham protestando pelo pa�s, e os atos se intensificaram no final de semana passado. O Parlamento, controlado pelo PiS, aprovou as tr�s leis no dia 21, sexta-feira.
Tamb�m h� pouca d�vida de que a internet contribuiu para a forma��o das multid�es. A hashtag #3xNie se multiplicou nas redes sociais, e seu significado ("tr�s vezes n�o") indicava com clareza o que parcela expressiva da popula��o esperava de seu presidente.
Nem sempre, por�m, as redes sociais est�o do lado democr�tico da hist�ria. No artigo "The New New Civil Wars" (as novas novas guerras civis, publicado em maio na "Annual Review of Political Science"), a cientista pol�tica Barbara F. Walter, professora da Universidade da Calif�rnia em San Diego, afirma: "Estamos em uma nova fase da guerra civil, em quereligi�o e ideologia parecem ter papel predominante, e uma nova tecnologia –a internet– parece influenciar o comportamento de formas in�ditas e ainda inexploradas".
Hoje, de acordo com Walter, as guerras civis s�o disputadas majoritariamente em pa�ses mu�ulmanos (cerca de 65% delas, contra 40% de 1989 a 2003), a maioria dos grupos rebeldes defende leituras radicais do islamismo (antes, fac��es se organizavam em torno de etnias ou raz�es socioecon�micas) e quase todos perseguem objetivos transnacionais, e n�o locais.
Embora a tecnologia ofere�a oportunidades a todos os atores pol�ticos –cidad�os, grupos rebeldes, mil�cias radicais, organiza��es civis, governos, pa�ses estrangeiros–, � no contexto de turbul�ncia social que seus efeitos se mostram mais imprevis�veis. Como diz Walter, ainda n�o h� muitos estudos sobre a revolu��o que as novas ferramentas de comunica��o podem provocar nas guerras civis.
MANUAL
Isso n�o significa que o tema tenha sido sumariamente ignorado. Na mais recente vers�o do manual de contraguerrilha do Ex�rcito e do Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA (obra conjunta), de 2006, o general do Ex�rcito David Petraeus incluiu uma an�lise sobre as redes sociais e sua import�ncia para os grupos insurgentes.
A vers�o anterior de um manual do tipo havia sido publicada 20 anos antes pelo Ex�rcito e 25 pelos Marines. Um atraso curioso, pois os fuzileiros navais foram pioneiros no combate das chamadas "small wars" (do espanhol "guerilla", ou pequenas guerras).
Os marines, at� a Segunda Guerra (1939-45), passavam boa parte do tempo lutando contra nativos em v�rios continentes, com �nfase na Am�rica Central e no Caribe.
Um livro divertido –e politicamente incorreto hoje– � o cl�ssico "Small Wars "" Their Principles and Practice" (guerrilhas, princ�pios e pr�tica), do coronel brit�nico Charles Edward Callwell, publicado em 1899, mas com a melhor edi��o, revista e ampliada, datando de 1906.
"Pequenas guerras incluem a guerra de 'partisans', que geralmente surge quando soldados treinados s�o empregados para lidar com a sedi��o e insurrei��es em pa�ses civilizados; elas incluem campanhas de conquista, quando uma grande pot�ncia adiciona o territ�rio de tribos b�rbaras �s suas possess�es; e incluem expedi��es punitivas contra tribos na fronteira de col�nias distantes", escreveu o coronel, que depois do livro chegaria a general.
Petraeus teve bons professores. No pref�cio do novo manual ("The U.S. Army and Marine Corps Counterinsurgency Field Manual", o manual de contraguerrilha do Ex�rcito e do Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA), em parceria com James Amos, general fuzileiro naval, escreveu:
"Este manual toma um enfoque geral para as opera��es contra insurg�ncias. O Ex�rcito e Corpo de Fuzileiros Navais reconhecem que cada insurg�ncia � contextual e apresenta seu pr�prio conjunto de desafios. Voc� n�o pode lutar contra ex-partid�rios de Saddam [Hussein] e extremistas isl�micos do mesmo modo que teria lutado contra o Viet Cong, os Moros ou os Tupamaros [guerrilhas do Vietn�, das Filipinas e do Uruguai, respectivamente]."
O livro tem instru��es sensatas e que podem parecer �bvias, mas n�o para institui��es conservadoras, que mudam lentamente, como as For�as Armadas.
Vide a distin��o entre pr�ticas de sucesso e outras malsucedidas. � bom "enfatizar a intelig�ncia", "colocar o foco na popula��o, nas suas necessidades e na seguran�a" ou "ampliar a �rea segura". N�o � bom "enfatizar [...] a morte e a captura do inimigo, em vez de prestar seguran�a e lidar com a popula��o".
Isso traz um eco de Vietn�, de "contagem de corpos" (ruim) ou de ganhar "cora��es e mentes" (bom)? Exato. Mas a segunda estrat�gia foi implantada tarde demais. O pa�s e sua popula��o tinham sido devastados por bombardeiros e pela artilharia –as duas armas mais letais e as menos indicadas na contrainsurg�ncia. Bombas e granadas n�o ganham nem cora��es nem mentes; elas os explodem.
INTERNET
Se essa distin��o remetia ao passado, o trecho sobre redes sociais olhava para o futuro, hoje presente. "Para uma insurg�ncia, uma rede social n�o � apenas uma descri��o de quem � quem na organiza��o. � um retrato da popula��o, de como ela � composta e de como seus membros interagem uns com os outros", diz o manual.
O melhor t�tulo de um livro sobre o tema � "Learning to Eat Soup with a Knife: Counterinsurgency Lessons from Malaya, Vietnam, and Iraq" (aprendendo a tomar sopa com faca: li��es de contrainsurg�ncia da Mal�sia, do Vietn� e do Iraque), escrito pelo tenente-coronel americano John Nagl.
Ele mostra como a capacidade de aprender algo novo e improvisar fez os brit�nicos terem sucesso na Mal�sia, enquanto a incapacidade correspondente levou os americanos a fracassar no Vietn�. Na era das redes sociais, o aprendizado pelas For�as Armadas, pela pol�cia e pelas autoridades que lidam com insurrei��es e atentados terroristas tem que ser cada vez mais r�pido; as organiza��es do Estado devem aprender depressa como tomar sopa com faca.
As orienta��es poderiam soar fora de moda no quadro da d�cada de 1990. O n�mero de guerras civis e guerrilhas tinha diminu�do com o t�rmino da Guerra Fria e o fim dos seus conflitos "quentes" entre Uni�o Sovi�tica e EUA –as guerras por procura��o, ou seja, por intermedi�rios, sem envolvimento direto das grandes pot�ncias.
No s�culo 21, por�m, a praga voltou a se alastrar. Em pa�ses como o antigo Zaire (hoje Rep�blica Democr�tica do Congo), a L�bia, o I�men, Ruanda, Som�lia, Sud�o, Mali, Sri Lanka e at� mesmo na Ucr�nia, proliferaram os combates, em geral alimentados pelas verdadeiras "armas de destrui��o de massa": fuzis da antiga Uni�o Sovi�tica (AK-47, AKM e AK-74) e as armas port�teis antitanque RPG ("granadas propulsadas por foguete").
Ou os mais de 50 mil tanques produzidos no leste europeu outrora comunista. Em muitos pa�ses, essas armas s�o mais disseminadas que a Coca-Cola.
Mas n�o s�o apenas as armas. Essas guerras se tornam mais intensas por causa da internet e da dissemina��o em massa de celulares e computadores baratos. Nas democracias, redes sociais facilitam a organiza��o de protestos. � s� convidar e se conectar aos demais manifestantes.
Ocorre que a tend�ncia tamb�m vale para o agrupamento numa guerra civil e para arregimenta��o por parte de grupos terroristas .
Pesquisa publicada na revista cient�fica americana "Science" mostrou algo surpreendente. O Estado Isl�mico pode ter uma vis�o medieval sobre o lugar das mulheres na sociedade, mas a presen�a do grupo em redes sociais mostra que o papel das mulheres � crucial no recrutamento e na m�quina de propaganda. Existem mais homens envolvidos nos ataques terroristas, mas s�o as mulheres que constituem a cola operacional.
As redes sociais tamb�m facilitam o financiamento dos insurgentes. N�o falta gente disposta a apoiar um grupo rebelde do Sud�o ou da Lib�ria –pelo charme da coisa, por convic��o ou s� para gastar o dinheiro do papai rico.
E, como a internet � global, o terror, a guerrilha ou a insurg�ncia tamb�m podem agir globalmente; o 11 de Setembro de 2001 s� iniciou a moda.
Guerrilha e redes sociais viraram tema de pesquisa acad�mica. Al�m da j� citada Barbara F. Walter, � o que estuda Elisabeth Jean Wood, professora de ci�ncia pol�tica de Yale. Ela conduziu levantamentos em El Salvador, Peru, Sri Lanka e Serra Leoa. "Esses processos reconfiguram redes sociais de diversas maneiras, criando redes, dissolvendo algumas e mudando a estrutura de outras", concluiu.
At� em um pa�s pobre –e o mais novo do planeta–, como o Sud�o do Sul, as m�dias sociais incitam conflitos e s�o facilmente acess�veis: tr�s em cada quatro jovens t�m acesso a Facebook, Twitter e WhatsApp, e cerca de 60% deles usaram as redes para incitar �dio contra supostos "inimigos" –isto �, gente de outras etnias.
Mesmo na supostamente mais civilizada Europa, as redes disseminaram �dio. Foi o que se viu na Ucr�nia, onde conflitos iniciados em 2014 deixaram dezenas de mortos. A carnificina tamb�m apareceu ao vivo e a cores nas telas de celulares e computadores.
Como sabe todo brasileiro que acompanha a crise pol�tica atual, n�o faltam boatos e mentiras, desinforma��o e �dio ideol�gico, especialmente nas redes sociais. O mundo est� repleto de "coxinhas" e "mortadelas".
RICARDO BONALUME NETO, 56, jornalista, � autor de "A Nossa Segunda Guerra - Os Brasileiros em Combate, 1942-1945" (Express�o e Cultura) e de "Brazilian Expeditionary Force in World War II" (Osprey), com Cesar Campiani Maximiano.
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