• Karina Hollo
Atualizado em
Ócio necessário (Foto: Hick Duarte / Acervo Vogue)

(Foto: Hick Duarte / Acervo Vogue)

Vivemos em uma sociedade que nos cobra cada vez mais por produtividade. Com a chegada da pandemia e o aumento do número de pessoas trabalhando de casa, essa cobrança só aumentou. O home office eliminou as barreiras entre trabalho e lazer, fazendo com que o espaço de descanso virasse também o local de trabalho.

“O nosso tempo ficou muito bagunçado, diminuindo os períodos de relaxamento”, fala a psiquiatra Vanessa Favaro, diretora dos ambulatórios do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Os riscos de não darmos a devida importância ao descanso físico e mental são muitos e os efeitos podem afetar até os que nos cercam.

“Nosso humor automaticamente é transformado. A gente se sente mais irritada, o que desgasta nossas relações interpessoais”, analisa Esthela Oliveira, médica nutróloga, especialista em medicina integrativa, longevidade e body mind. Em seu livro Aprender a Descansar, da editora Quadrante, o psiquiatra espanhol Fernando Sarráis, professor da Universidade de Navarra, afirma que o descanso físico e mental é um dever moral e que, para levá-lo a sério, é preciso deixar problemas e tarefas de lado para se dedicar à família, aos amigos, à leitura, à natureza.

“Hoje, tudo é para ontem. Pare e reflita: o que é prioridade no momento? Talvez seja melhor desacelerar um pouco e descansar. Depois, você pode voltar e retomar a atividade com muito mais presença e qualidade”, analisa Luiza Bittencourt, instrutora de mindfulness pelo MTI (Mindfulness Trainings International).

Agravadas pela pandemia, as consequências do cansaço físico e mental são enormes. “Os efeitos imediatos incluem aumento da irritabilidade, da ansiedade e do estresse, perda de foco, memória, atenção, produtividade, além de prejuízos a médio e longo prazo, como diabetes, insônia, depressão, dores de cabeça, na coluna”, alerta Esthela. É fundamental que você preste atenção aos sinais do corpo para não chegar ao nível máximo de exaustão – a síndrome de Burnout.

“É como se esticássemos demais um elástico e ele perdesse a flexibilidade, um esgotamento”, diz Vanessa. “Somos a ‘sociedade do cansaço’, como diz o filósofo coreano Byung-Chul Han. Vivemos um período peculiar, caracterizado por uma necessidade de alto desempenho social e profissional. Essa demanda, fomentada pelas redes sociais, exige que sejamos felizes, interessantes, lindos, bem-sucedidos. Parar de idealizar essas metas e se autorizar ao ócio é essencial”, acrescenta o psicólogo Fernando Scarpa.

Estudos revelam que, por conta desse alto envolvimento no mundo digital, a nossa mente está ficando cada vez mais cansada. Como não temos tempo para nós mesmos durante o dia, acabamos roubando o tempo do sono, noite adentro, maratonando séries ou conferindo as redes sociais. Porém, dormir bem é importantíssimo: influencia o humor e até o peso.

“Sugiro entrar em modo offline pelo menos 30 minutos antes de dormir. Esse período é importante para que o cérebro entenda que aquele é o momento de descansar, de deixar os problemas de lado e relaxar o corpo para que iniciemos um novo dia mais dispostos”, aconselha Esthela. “Uma dica que pode parecer boba, mas faz toda a diferença, é fazer a cama ao se levantar, manter seus ambientes arrumados faz bem”, continua ela.

É comum a gente não conseguir se desligar das inúmeras tarefas diárias. Mas o descanso serve para o nosso corpo reencontrar o equilíbrio, recuperar a vitalidade e até restabelecer a melhor forma de raciocínio. Como abrir espaço para ele? “Primeiro: não se cobre tanto. Crescemos ouvindo que ser multitarefas o tempo todo é bom mas, na verdade, é apenas desgastante”, alerta Luiza. Desacelerar e descansar também é produtivo. “Estamos acostumadas a pensar que, quando dormimos, por exemplo, não estamos fazendo nada. No entanto, é só nesse período que realizamos determinados processos importantíssimos, ligados à memória, ao aprendizado e o fortalecimento da imunidade”, conta Vanessa.

Com certeza, você não deixa seu celular chegar nem perto de ficar sem bateria. Então, por que fazer isso consigo mesma o tempo todo? “É na pausa entre as atividades que podemos ter insights, apreciar a beleza, ver as situações de outras perspectivas”, complementa Fernando Scarpa.

O monge budista, escritor e pacifista vietnamita Thich Nhat Hanh explica, em seu livro A Arte de Relaxar, da editora Harper Collins, que não é preciso reservar um tempo especial, ter um acessório específico ou equipamentos sofisticados. A ideia é fechar os olhos por alguns segundos e simplesmente prestar atenção na sua respiração.