• Filipe Batista (@filipebatistapsiquiatria)
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Vogue Wellness Summit (Foto: Arquivo Vogue/ Zee Nunes)

(Foto: Arquivo Vogue/ Zee Nunes)

O termo wellness surgiu na década de 50 em oposição à concepção de saúde como simples ausência de doença ou enfermidade. Curiosamente, a palavra acabou apropriada pela indústria e cultura norte-americana a partir dos anos 90, quando difundiram um conceito mais individualista sobre o termo: pratique exercícios, alimente-se bem, realize atividades que promovam equilíbrio em sua vida, encontre seu propósito. Junto com isso, houve a procura por rotinas de autocuidado, consumo de determinados alimentos ou suplementos, retiros espirituais que prometem reconexão com a paz interior. Esta gama de atividades pode ser maravilhosa se soubermos usar – e não sermos usados.







A venda e promoção dessas práticas como garantias de plenitude e bem-estar frequentemente provêm da mesma engrenagem que produz as diversas formas de sofrimentos contemporâneos. Não é novidade que um dos artifícios dessa máquina de pasteurizar e comprimir vidas consista em vender a solução para problemas criados por ela mesma. A mensagem é a seguinte: após doar sua própria alma para um trabalho opressivo e massacrante que lhe subtrai todo o sentido, encontre a luz do wellness no fim do túnel. A alta concentração de pessoas que praticam meditação nos grandes centros urbanos, com vidas agitadas nada semelhantes a um templo budista, é reflexo disso.

Outra questão diz respeito à obstinação em retardar o envelhecimento. Lutar contra o envelhecimento pode ser a negação da única certeza que temos. Além do mais, envelhecer bem não passa necessariamente pela eliminação de marcas e rugas, tampouco pressupõe a prática de atividades exaustivas e rituais restritivos. Pode funcionar para muita gente e não se trata de julgar quem decide recorrer a esses artifícios, mas deveria ser uma opção e não um imperativo. O infeliz termo anti-aging, ainda adotado em alguns produtos, é símbolo dessa batalha pelo colágeno perdido. Contrariar padrões e expectativas limitantes resta como boa resposta quando nos cobramos ser quem não somos ou não desejamos ser.

O mundo já ensaiava drásticas transformações e a pandemia funcionou apenas como ultimato. Não dá mais para continuar olhando para o próprio umbigo e fingir que nada está acontecendo. Diante desses profundos rearranjos, em que lugar nos reconhecemos? Como pretendemos nos cuidar? E o que significa exatamente bem-estar? Saúde inclui buscar maneiras para se sentir melhor, mas também saber a hora de recuar, reconhecer limitações e admitir vulnerabilidade. A obstinação por bem-estar pode esconder a fantasia de um controle que não possuímos e a dificuldade em lidar com a vida como ela é.

Além disso, ignorar que a nossa saúde também passa pelo bem-estar coletivo é um erro que cobra seu preço mais tarde – e todos pagam a conta. Exercitar o desprendimento pode trazer benefícios enormes para você também. A rede de empatia e amparo que se cria quando decidimos descentralizar nosso olhar abre caminho para o acolhimento, o diálogo e o entendimento de realidades distintas. Viver pode ser menos complicado se sentirmos que nossas dores são reconhecidas e abraçadas pelos demais.