• Filipe Batista (@filipebatistapsiquiatra)
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Como fazer a solidão funcionar para você (Foto: Getty Images)

Solidão na pandemia (Foto: Getty Images)

“Tenho medo de ficar sozinha ou doente.”

Querida leitora,

Seu comentário resume um impasse que todos nós vivemos de alguma maneira agora. As medidas de isolamento social trouxeram  o confronto inevitável com a solidão, principalmente para quem vive só, mas não apenas. Lembremos dos muitos casos de solidão vivida a dois, que resultaram em tantos divórcios durante a pandemia.

Não pretendo realçar suas preocupações, mas o seu medo de ficar doente também é justificável. Quem não sente simplesmente nega a realidade  — e o resultado já sabemos. As mortes no Brasil em decorrência da Covid-19 já somam mais de 330 mil. “O medo tem alguma utilidade, mas a covardia não”, disse Gandhi. No atual contexto de pandemia, sentir medo pode refletir coragem e comprometimento com a realidade.

Se é normal sentir medo agora, como torná-lo producente e evitar seus efeitos paralisantes? É importante não perder de vista a dimensão coletiva, pois serve como alento e lembrança de que a solidão que sentimos, por pior que seja, é justificável e talvez necessária. Reconhecer-se como parte da coletividade traz a ideia de pertencimento a uma causa maior capaz de unir a todos. Claro que esse exercício pode não ser suficiente para aplacar seus medos, mas é possível, ao menos, atenuá-los.

A essa altura, passado mais de um ano de pandemia e com seu agravamento crescente, somos tomados por enorme frustração e insegurança. A condução precária por parte das autoridades responsáveis contribui para acentuar nossa desesperança. Esse enorme desamparo e desgaste tornam difícil vislumbrar melhora ou descobrir algum consolo nos encontros virtuais e na rotina em casa.

Práticas de autocuidado, como exercício físico, atenção plena e meditação são úteis, embora seja complicado dar o primeiro passo se não estiver familiarizada. Existem diversas opções de aulas e cursos on-line que podem ajudar. Conectar-se a grupos virtuais sobre algum assunto do seu interesse e tentar estabelecer uma rotina de atividades diárias, boa alimentação e higiene do sono também é importante. Talvez você já tenha tentado tudo isso, além de todos os recursos tecnológicos para reduzir distâncias, e agora se sinta fracassada e descrente, tomada pelo medo e a solidão.

Esse buraco que sentimos de maneira muito clara sempre foi parte de nós, mas talvez não estivéssemos dando a devida atenção. Momentos de muita dificuldade oferecem oportunidade para refletirmos e mudarmos certos aspectos de nossas vidas. Muito se fala sobre voltar à vida normal quando a pandemia passar, mas queremos mesmo de volta aquela que vínhamos levando? Tomada pelo cansaço, com pouco tempo e espaço para contemplação e encontros verdadeiros. O processo traumático da pandemia pode ser um ponto de inflexão importante para investigarmos nossas prioridades e o que não nos faz bem.

Encontrar o valor construtivo da solitude, em vez do sofrimento presente na solidão, pode ser um desafio a se buscar agora. Entende-se por solitude a experiência humana constitutiva. Estamos sempre sós, ainda que acompanhados. A solitude tem a ver também com a capacidade ou conquista de uma pessoa desfrutar de si mesma, e difere-se da solidão na medida em que não necessariamente traduz sofrimento. Está presente nos ato individuais de criar, refletir e cuidar de si.

A capacidade humana de adaptação e resiliência também merece registro. Fizemos muito até agora, inclusive uma vacina em tempo recorde, buscamos soluções e alternativas, ainda que precariamente e com algumas barreiras. A pandemia nos convoca a pensar sobre nosso papel no mundo o que fazemos com nossas vidas. É preciso coragem para encarar tudo isso de frente e, como lembrou Gandhi, o medo não é o inverso da coragem.