• Adri Coelho Silva (@vivaacoroa)
Atualizado em
Como fazer a solidão funcionar para você (Foto: Getty Images)

Não perder de vista o encontro consigo mesmo que a solidão traz é fundamental para encontros futuros mais bem sucedidos (Foto: Getty Images)

E se você o isolamento social acabar e a sua solidão continuar? Pois é, sou esperançosa e boto fé em um futuro melhor com vacina e saúde para todos. Mas e a solidão? Terá vacina?  Ou vai prosperar especialmente entre mulheres 50 + ? Duro? Sim, mas será que a solidão é mesmo um monstro e deve ser um tabu? Esse foi o tema de um artigo do jornal britânico The Telegraph.

No texto, a autora, uma mulher 50+, conta como a flexibilização do isolamento social deixou mais claro para ela o quanto ela é íntima da solidão. E pego carona no tema porque é importante abordar solidão, principalmente quando se é mulher e se tem 50+ anos.  Isso porque se há filhos no enredo, estão saindo de casa, se não há filhos, os sobrinhos e afilhados estão “nos corres” deles.  E vamos combinar: uma união matrimonial não exclui a solidão da vida. E convido a esse trato não por achismo, mas por comprovação especializada.

Explico: fui ouvir o médico psiquiatra Filipe Batista. E ele é enfático: "Viver atada ao mito do amor romântico, no qual um mais um é igual a um, pode ser muito penoso, sobretudo na solidão vivida a dois, talvez a pior delas”. E diz mais, a solidão não é um monstro. Pelo contrário, tem um lado luz. "É importante (…) não perder de vista que o encontro consigo mesmo que a solidão traz constitui material fundamental para encontros futuros mais bem sucedidos”, completa.

Consultei o Dr Filipe para trazer a oportunidade de reflexão e respostas eficazes sobre o assunto. Preferi ir a fundo no tema ao invés de elencar dicas práticas para “afastar a solidão”, tais quais , “viaje com  as amigas, crie um grupo de leituras, encontre um hobby”. O motivo: na nossa idade sabemos que o que vem da pele para dentro se resolve da pele para dentro também. A entrevista completa está abaixo.

E levanta pontos importantes, como a diferença entre solitude e solidão, a vergonha da solidão e o machismo que faz a sociedade enxergar a mulher que vive sem companhia (mas nem sempre em solidão, que fique claro) uma vítima de infortúnios da vida. Já o homem… pois é, sabemos bem. Não seria novo dizer que o cara “só” é visto com outros olhos.

A solidão não é para qualquer um, mas como diz Dr. Filipe, está na vida de todos. E desde sempre. Contudo, a quarentena fez muitas pessoas viverem a solidão, ou como como muitas mulheres 50+. É preciso coragem e muito autoconhecimento para viver (e ser feliz) assim. No já citado  texto do Telegraph, a autora relata que no início da quarentena foi muito procurada por amigas e familiares “assustadas" com o isolamento. Queriam dicas de como viver bem e só. Depois da flexibilização social, as mesmas amigas “deram aquela sumida”… entraram no modo “sem tempo” e isso me fez pensar em sororidade e empatia. E também de uma frase da coach Ana Raia "cuidado com o vazio de uma vida cheia demais”. Solidão é vazio, não é? Não sei responder com certeza, mas sei que é preciso falar, entender e saber lidar com ela. Vem?

Qual a diferença entre solitude e solidão?
A solitude diz respeito à experiência humana constitutiva. Cada um vive a sua própria experiência, e nesse sentido, sempre estamos sós, ainda que acompanhados. A solitude tem a ver também com a capacidade ou conquista de uma pessoa desfrutar de si mesma, e difere-se da solidão na medida em que não necessariamente traduz sofrimento. Está presente nos atos individuais de criar, refletir e cuidar de si. A solidão, por outro lado, pode estar presente em estados de tristeza profunda, como na depressão, que pode vir acompanhada da necessidade progressiva de isolamento, desesperança e perda da vontade e do prazer.

Como aprender a lidar e entender solidão e solitude?
Estar só, desde a infância, é encarado como algo negativo, sendo usado inclusive como forma de castigo. Não devemos supor que para viver bem tenhamos sempre que estar junto com alguém. Somos seres de linguagem e nos constituímos também a partir de nossas relações. Veremos que a solitude é algo inevitável se entendermos que a própria linguagem é falha, e o convívio com outras pessoas sempre impõe limites e frustrações.

Como diminuir o sofrimento da solidão?
A solidão também é parte natural da vida. Está presente no luto, nos desencontros amorosos e, durante a pandemia, fez-se compulsória na vida de muitos, que foram obrigados a afastar-se de familiares, amigos e colegas de trabalho. Para superar a solidão, é importante reconhecer que a vida é feita também de tristezas, e não perder de vista que o encontro consigo mesmo que a solidão traz constitui material fundamental para encontros futuros mais bem sucedidos.

Como aumentar a curtição da solitude?
Encontrar o equilibro entre a vida social e o bem estar com a própria solitude é um exercício que demanda empenho individual. A capacidade de se reinventar, cultivar múltiplos interesses, permitir-se experimentar o novo e cultivar novos laços convoca as pessoas ao protagonismo de suas vidas, fazendo-as questionar o que realmente importa e o que traz realização para si. Por isso, é preciso uma certa coragem para encarar a solitude, porque traz junto um olhar para si, e deparar-se consigo e enfrentar seus próprios fantasmas nem sempre é fácil.

É possível sentir solidão mesmo morando com outras pessoas ou em meio a multidão? Por que?
Algumas formas de relacionamento, como a paixão, podem oferecer a ilusão de completude. Espera-se com o tempo, que essa fantasia ceda lugar à formas menos idealizadas, na medida em que nos deparamos com as diferenças e limitações do outro, e essas projeções vão sendo desfeitas. Portanto, viver atado ao mito do amor romântico, no qual um mais um é igual a um, pode ser muito penoso, sobretudo na solidão vivida a dois, talvez a pior delas, na qual a fantasia de fusão impede que a pessoa reconheça a si mesma. Isso pode ocorrer em qualquer relação, entre namorados, pessoas casadas, ou até entre pais e filhos.

Por que, muitas vezes,  pessoas que moram sozinhas são vistas como “coitadas” pela sociedade?
Esse é um preconceito que advém de uma lógica social que ainda despreza a solitude e seu potencial criativo e construtivo. Além disso, parte também de uma lógica machista, que supõe que a pessoa esteja sozinha por infortúnio e não por escolha. Precisamos combater energicamente essa visão de mundo tão restrita e obtusa.