Blockchain no sistema financeiro é questão de tempo

Adoção de tecnologia por plataformas tradicionais pode gerar economia de US$ 35 bi para bancos e financeiras, além de viabilizar transações fora do horário comercial e contratos ‘inteligentes’

Por Rafael Gregorio, Valor Investe — São Paulo


Blockchain pixabay
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A adoção do blockchain (rastreio digital criptografado de transações, com informações instantâneas e imutáveis) por bancos, corretoras e outros agentes do sistema financeiro tradicional é apenas uma questão de tempo. E os primeiros reflexos objetivos da novidade devem ser a viabilização de transações fora do horário comercial e a adoção de contratos ‘inteligentes’ que atualizam dados contábeis em tempo real.

Essas são as visões de quatro especialistas reunidos em um painel sobre o blockchain, tecnologia por trás das criptomoedas e de outros ativos digitais, realizado nesta quarta-feira (24) no décimo Congresso de Fundos de Investimentos da Associação Nacional das Instituições dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). O evento acontece no Pavilhão da Bienal, no parque Ibirapuera, em São Paulo.

“A discussão não é mais se o sistema financeiro vai adotar o blockchain ou não. A pergunta é: quando isso vai acontecer, e como a gente se organiza”, disse Stephan Krajcer, da Cuore Platform.

Egresso de bancos e corretoras, ele prevê aplicações práticas dessa tecnologia na indústria de fundos, incluindo a substituição dos produtos por tokens autogeridos por robôs.

Krajcer acredita ainda que a novidade pode agilizar processos, como cadastros de cotistas e assembleias de acionistas, e mudar os papéis das figuras que tradicionalmente operam esse mercado.

“Um registro estrutural em um banco ou um token de blockchain, para mim, já são a mesma coisa”, afirmou Krajcer durante o painel O que é Blockchain e sua aplicação para fundos, mediado por Carlos Salamonde, do Itaú.

“Ao facilitar outras formas de automação”, ele completou, “a tecnologia vai fazer revermos os papéis tradicionais das figuras que regem e operam a nossa indústria [de fundos].”

Viabilizar transações para além do horário comercial pode ser a primeira novidade prática mais significativa advinda dessa adoção pelo sistema financeiro tradicional, diz Keiji Sakai, da consultoria e desenvolvedora de softwares R3, que agrega mais de cem empresas-membros, incluindo a B3, o Bradesco e Itaú.

“Seria muito interessante se pudéssemos fazer e registrar pagamentos a qualquer hora, e o Banco Central e a CVM já abriram sua agenda para ouvir propostas. O blockchain está para o mercado de fundos como a internet estava para o mercado de tecnologia décadas atrás, e percebo um interesse genuíno dos reguladores.”

Ele apresenta um dado revelador: em 2017, os bancos nos EUA projetavam gastar US$ 215 bilhões em tecnologia da informação; desse total, estima-se que a adoção de tecnologias baseadas em blockchain possa economizar US$ 35 bilhões em custos operacionais e de capital.

Segundo ele, a maioria das empresas na indústria financeira depende de custosos processos para garantir a sincronia entre suas contratantes em cada operação, principalmente os inputs de informações em sistemas.

“Reconciliar essas transações é sempre demorado, custoso e desgastante. Se fosse possível compartilhar a informação imediatamente com todas as partes, poderíamos cortar processos e custos garantindo que se algum lado tentar alterar a informação, o outro lado vai ficar imediatamente sabendo; ou seja, a transação é imutável.”

Outra novidade que os especialistas preveem para o futuro próximo são os “smart contracts”, ou contratos inteligentes, diz Frederico Rizzo, fundador da plataforma de investimento coletivo Basement.

Ele explica: “Quase sempre os dados das planilhas e dos registros contábeis não batem com os números estipulados nos contratos, sejam eles mútuos, participações, debêntures, ações etc., porque há um lapso temporal. O blockchain permitiria que estivessem sempre em conciliação.”

Segundo os especialistas, já se começa a discutir a aplicação em outros cenários, como eleições sem autoridades centrais e registros de imóveis sem a necessidade de um cartório provar que a informação existe.

As demandas que restam dizem respeito à desconfiança do público e à consolidação das opções para solucionar eventuais divergências.

“O conceito do token ainda gera um pavor enorme, a ideia de ter de administrar a própria chave criptografada ainda é assustadora para os investidores, mesmo os mais qualificados”, ressaltou Rizzo.

“Nossa preocupação é: como eventuais desacordos serão dirimidos nesse novo ambiente?”, questionou Krajcer. Ele responde: “Como em qualquer outro contrato! Ações judiciais, arbitragem… O arcabouço jurídico atual também vai precisar se atualizar.”

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