Blog do André Rocha

Por Andre Rocha, Valor Investe — São Paulo


Uma das principais características de um bom gestor/analista é ser cético. Recentemente, escutei três podcasts de economistas conceituados de mercado que se mostraram otimistas com o desempenho futuro da bolsa. A ideia desse artigo é observar se a tese de investimento desses profissionais é consistente.

A expectativa da flexibilização da política monetária (redução dos juros primários) é positiva para a bolsa de valores. A razão advém da matemática financeira, e não de uma análise rebuscada de como funciona o mercado financeiro. O valor de uma empresa é calculado tomando-se por base a geração de caixa futura da companhia, deflacionada por uma taxa de desconto. A ideia de “reduzir” o valor futuro por uma taxa é a de que não se pode comparar a geração de caixa de 2023 com a de 2026, por exemplo. É melhor ter R$ 100 hoje do que daqui a três anos.

Como os juros atuais tendem a cair, o valor presente do fluxo de caixa futuro de qualquer companhia tende a ser maior. Logo, o potencial de valorização da companhia, comparando-se o valor justo reajustado por uma taxa de juros menor com o preço de mercado corrente da companhia, aumenta o que traz investidores para a bolsa. Esse raciocínio é o que explica a valorização da bolsa no ano.

Agora, falar de uma valorização do mercado acionário consistente daqui para frente é outra conversa.

Os economistas acima esperam um rally da bolsa devido, principalmente, às reformas ocorridas¹ nos anos anteriores e que aumentaram o potencial de crescimento da economia. Essas reformas ocorreram em governos com ideias mais liberais, que acreditavam no livre mercado e que são reticentes a intervenções na economia. Contudo, houve mudança de governo em 2023. A crença do presidente atual é a de que o aumento do gasto público e a forte intervenção na economia geram desenvolvimento. Assim, tais economistas esqueceram que o motorista mudou. É como se comparassem os tempos do Lewis Hamilton em um circuito e acreditassem que eu conseguiria manter o ritmo do campeão mundial.

O que mais a mídia noticiou nos últimos sete meses foi a tentativa de o governo bombardear as reformas com decretos contra o marco do saneamento, alteração da Lei das Estatais, ataques persistentes ao presidente do Banco Central e sua independência, flexibilização da meta inflacionária e judicialização da privatização da Eletrobras. Sobre o Banco Central, poucos comentam que o governo escolherá seu novo presidente em 2024. Difícil acreditar que venha um bom nome, tomando por base as indicações já feitas para o STF, para o comando dos principais fundos de pensão e para a diretoria do Banco Central.

Alguns podem argumentar com boa vontade sobre o novo arcabouço fiscal após o fim do Teto dos Gastos. Mas mesmo os otimistas economistas dos podcasts creem que a redução do endividamento público tende a ser lento e já apresentará problemas já em 2025.

Um deles mencionou que a alocação dos recursos vem sendo feita via agentes de mercado e não mais pelo BNDES, o que seria positivo. A pergunta que deve ser feita é: o que impede o atual governo de retomar tal prática, sabendo-se que ele acredita na força do Estado como indutor do crescimento? A movimentação para a venda do controle da petroquímica Braskem (BRKM5) vai nessa linha, lembrando muito a malfadada política de “campeões nacionais”.

Um argumento usado é o de que o dólar se encontra valorizado. A partir do momento que ele passe a se desvalorizar (o economista não se aprofundou quando se daria esse movimento), as economias emergentes seriam beneficiadas. Lembro que no Governo Dilma o externo estava construtivo, bem melhor do que o atual quando se fala de uma possível contração das economias desenvolvidas, e mesmo assim o PIB caiu 7% em dois anos.

Outra razão para um possível rally da bolsa é o nível deprimido do múltiplo preço/ lucro do Ibovespa. Essa métrica leva em conta os lucros das companhias projetados para 2024. Mas qual será o cenário macroeconômico no próximo ano? O crescimento do PIB no primeiro trimestre foi impulsionado basicamente pelo agronegócio com incremento de dois dígitos, enquanto os investimentos caíram 3% em base anual e o setor de serviços (2/3 do PIB) foi tímido. Logo, a projeção sobre o lucro de 2024 das empresas é nebulosa, devido a um possível arrefecimento da economia e elevado endividamento da população.

O texto já vai longo e não mencionei minha opinião sobre a reforma tributária. Fica para um próximo encontro.

Por fim, gostaria de falar sobre a decisão do Copom de ontem. A queda dos juros já foi praticamente antecipada pelo mercado como disse anteriormente, o famoso “sobe no boato, cai no fato”. O rally agora depende de movimentos mais robustos de outras variáveis macroeconômicas, e não apenas dos juros.

Alguns gestores dizem que o investimento em Bolsa depende menos do que parece da política. Tenho dificuldade de entender esse raciocínio. O governo (escolhido por um ato político, as eleições) age sobre a política econômica que afeta os juros. Se os juros influenciam o valor das companhias listadas em Bolsa, como explicado anteriormente, como a política não afeta a Bolsa?!?

No último domingo participei de um churrasco. Um convidado perguntou minha opinião sobre a Bolsa. Disse a ele o que compartilhei acima com o leitor. Como gestor/analista de bolsa desde 1996, seria mais interessante profissionalmente vender otimismo. Mas prefiro manter a honestidade intelectual.

Tome cuidado com as opiniões que você escuta sobre o mercado acionário, pois podem estar contaminadas por viés ideológico ou interesse profissional. Como um gestor de bolsa captará clientes falando mal da bolsa?

André Rocha é bacharel pela UFRJ, mestre em economia pela FGV/EPGE, advogado e analista certificado pela Apimec.

¹ como a trabalhista, a previdenciária, a independência do Banco Central, Teto dos Gastos, a Lei das Estatais, o marco do saneamento, dentre outras

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Andre Rocha — Foto: Arte sobre foto de divulgação
Andre Rocha — Foto: Arte sobre foto de divulgação

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