Existem alguns filmes que sempre conseguirão ultrapassar a barreira do tempo. Esse é o caso do grande vencedor do Oscar de 1985: 'Amadeus'. Dirigido por Miloš Forman, é uma daquelas produções para jamais ser esquecida - inclusive quando se trata dos bastidores do projeto, que continuam rendendo ótimas histórias para serem contadas, mesmo décadas mais tarde.
'Amadeus' é um drama histórico de arrepiar a espinha - e não só pela genialidade das atuações do filme, que conta com F. Murray Abraham, em uma das melhores performances já entregues em cena como Antonio Salieri (1750-1825), e Tom Hulce, com a icônica construção do complexo e diabolicamente divino compositor Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791) -, mas também pela icônica história, meio real, meio ficcional, sobre a rivalidade unilateral entre os dois. O frustrado Salieri invejava o "dom dado por Deus", segundo ele, ao gênio Mozart.
Já à época estava claro de que se estava diante de uma obra-prima do cinema: ao todo, foram 11 indicações ao Oscar e oito vitórias dadas pela Academia, incluindo Melhor Filme, Melhor Direção (Forman) e Melhor Ator (Abraham).
Além do notório fato que as filmagens foram intermináveis e que Miloš Forman fez com que os atores permanecessem com seus sotaques norte-americanos naturais, ao invés de forçarem um britânico, para se concentrarem mais em quem eram seus personagens, outra situação que beira o inacreditável aconteceu.
Por muito pouco, não foi a atriz Elizabeth Berridge a escolhida para chamar o personagem icônico de Tom Hulce carinhosamente de 'Wolfie' pelas quase três horas do filme.
Nos planos originais do diretor, era a então jovem estrela Meg Tilly quem interpretaria Constanze Mozart, a esposa do compositor.
Entre a raiva descomedida de Salieri e a genialidade cômica de Mozart, existem outros vários personagens de destaque em 'Amadeus', incluindo a própria Constanze, que do início ao fim é devota ao marido e à arte que ele produzia, vendia e mostrava ao mundo.
Ainda que o protagonismo fique entre os dois, a esposa tem seus momentos de destaque, como na cena em que encontra o personagem de Abraham para convencê-lo a dar ao inimigo (pelo menos era assim que ele o enxergava) o emprego de instrutor de música.
A atriz e dançarina Meg Tilly, que esteve no clássico musical 'Fama' (1980) e em 'Psicose 2' (1982), estava pronta para encarnar o papel, mas uma lesão exatamente um dia antes das filmagens apareceu em seu caminho.
Para ter uma ideia do grau de preparação já naquela altura, Tilly e Hulce já haviam passado um fim de semana inteiro juntos no apartamento onde Constanze e Mozart realmente viveram no século 18 e os ensaios já estavam acontecendo conforme o cronograma da produção.
Só faltava mesmo rodar o filme.
Por um golpe de absoluta má sorte, durante um jogo de futebol com a equipe do filme - que estava toda na cidade de Praga, na República Tcheca -, a atriz rompeu um ligamento do joelho.
A situação era tão séria que não havia como disfarçar o machucado por debaixo dos volumosos e exagerados figurinos de época da produção e Meg Tilly teve que ser substituída de última hora.
Duas outras atrizes voaram sem demora para a locação. As opções para Forman eram Diane Franklin (da comédia romântica 'Minha Vida É um Desastre', com John Cusack) e a própria Berridge, quem - os fãs do filme bem sabem - acabou ficando com o papel.
Há quem diga que o motivo para a escolha do diretor - que demorou cerca de uma semana para se decidir, em meio a audições e testes de todo tipo - foi a aparência. Supostamente Miloš Forman achava que Franklin era 'bonita demais' para interpretar a esposa do compositor, filha de um simples senhorio.
No fim, mesmo com menos tempo de contato com Hulce, a química entre ele e Berridge acabou funcionando.
"Miloš queria que os Mozarts parecessem ser estrangeiros americanos em Praga, e a Elizabeth Berridge, que interpretou a Constanze depois da lesão de Meg, fez isso muito bem", concordou o próprio ator, eternizado como o compositor, em entrevista ao jornal inglês 'The Guardian'.
Felizmente, Elizabeth Berridge entrou para a história como a única Constanze Mozart do cinema. Mas a "contundida" Meg Tilly não ficou para trás, de qualquer forma.
No ano seguinte à sua frustração com 'Amadeus', brilhou no drama 'Agnes de Deus', ao lado de Jane Fonda, sobre uma jovem noviça que está envolta de um enorme mistério envolvendo um recém-nascido morto e sua ingenuidade sobre o mundo a sua volta. O longa-metragem de Norman Jewison rendeu a ela uma indicação ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante e uma vitória no Globo de Ouro.
Mesmo com o 'trauma', a relação de confiança mútua entre a atriz e Miloš Forman não ficou abalada. A estrela estaria no projeto seguinte do diretor, 'Valmont - Uma História de Seduções', lançado em 1989, com Colin Firth no papel principal.
Assista ao trailer de 'Amadeus', filme de Miloš Forman que venceu o Oscar de Melhor Filme em 1985. E em seguida, o vídeo momento da vitória na principal categoria da premiação da Academia.
*Com edição de Luís Alberto Nogueira