O que aconteceu com a atriz que nasceu no México, foi Miss EUA e estrelou obra-prima de David Lynch

Nascida no país latino que faz fronteira com os Estados Unidos, a menina Laura e a família vieram primeiro para o Texas. Mas se engana que ela ficou ali muito tempo e teve uma adolescência tranquila. Aos 12 anos, quase perdeu a vida por uma bala perdida durante um incidente em um estacionamento perto de sua casa. Foi enviada pelos pais - uma psicoterapeuta e um fazendeiro - para um internato na Suíça e depois ainda morou na Índia.

De lá, retornou já adulta aos EUA, onde se inscreveu em um concurso de beleza em El Paso, também na fronteira com o México. Ganhou, depois repetiu a dose como Miss Texas, e finalmente alcançou a faixa de Miss EUA. Foi assim que Laura Harring adentrou no show business.

As aparições na TV - que ficaram longe de serem chamadas de 'sucessos' - não renderam para ela muita coisa. A então aspirante à estrela nem tinha conseguido fechar contrato com um agente ou um empresário, para falar a verdade. Laura Harring só tinha para mostrar no currículo o feito de ser a primeira mulher latina a ser coroada a Miss Estados Unidos - histórico e notável, mas pouco para brilhar como estrela de cinema.

Portanto, foi repentino e bastante surpreendente para ela, receber uma ligação da assistente do já renomado diretor David Lynch, um dos poucos que ainda ostentam a alcunha de autor dentro do cinema norte-americano, com filmes como 'Eraserheard' (elogiada por ninguém menos do que Stanley Kubrick), 'O Homem Elefante' e 'Veludo Azul' - estes dois últimos que lhe conferiram indicações ao Oscar de Melhor Direção.

"Eu já tinha desistido da carreira em Hollywood", revelou a atriz, sobre o momento que antecedeu a 'ligação de um milhão de dólares', enquanto estava se arriscando a fazer teatro experimental como fonte de renda. Foi realmente como ganhar na loteria, portanto: Lynch havia escolhido Harring entre centenas de fotos de várias atrizes, mesmo que seu currículo fosse ínfimo em relação às concorrentes. Contou muito sua beleza mística e misteriosa.

A ansiedade foi tanta que a artista até se envolveu em um pequeno acidente automobilístico no caminho para o escritório do cineasta. Uma coincidência do destino ou um sinal divino? Ela já percebera ali que o papel era dela.

"Quando a assistente dele me disse que o roteiro abria com a minha personagem dirigindo e batendo o carro, eu fiquei arrepiada". Não demorou muito para que a atriz se tornasse Rita, uma misteriosa mulher sem memória alguma de quem era, nem de onde veio, que move o intrincado roteiro.

Em 2001, quando o filme estreou, foi um sucesso sem precedentes. A crítica já condecorava David Lynch como um dos maiores diretores de todos os tempos e 'Cidade dos Sonhos' surgiu como sua verdadeira obra-prima. O século 21 só tinha começado, e uma trama tão poderosa, cheia de reviravoltas, com cena quentes entre duas mulheres, Harris e Watts, no centro das atenções, era uma legítima novidade.

Não foi necessário muito tempo para que a ideia fosse aceita na cabeça do público: Laura Harring acabara de se tornar a nova bombshell de Hollywood. Com uma beleza e carisma que lembravam às das grandes divas que a antecederam durante a era do 'Film Noir'.

No tapete vermelho de Cannes, distribuiu marcas de batom vermelho no rosto de David Lynch, além de se vestir como uma verdadeira diva do cinema de outrora.

"Quando saímos [do red carpet], a imprensa começou a gritar: 'Laura! Laura! Laura!', então eu voltei, levantei minha mão e assoprei um beijo para eles; todos foram à loucura! O presidente do festival me disse: 'Por onde você esteve durante todos esses anos?", relembrou a estrela, que tem o nome de uma das maiores femme fatales do cinema ('Laura', 1944), e interpretou uma personagem cujo nome é referência para uma das maiores atrizes da Velha Hollywood, Rita Hayworth.

A mulher logo virou obsessão de Hollywood: chamada de 'sex symbol' da geração, 'femme fatale' (em referência ao tropo das mulheres ambiciosas e perigosas dos noirs dos anos 1940 e 1950) e 'bombshell', Laura viu surgir várias oportunidades.

Participou do longa 'O Amor Nos Tempos de Cólera', de 2007, com Javier Bardem, e do sucesso de bilheteria 'Um Ato de Coragem', que conta com Denzel Washington no papel principal, além de Ray Liotta ('Os Bons Companheiros') e James Woods ('Era Uma Vez na América').

Mas o fato é que Laura Harring não conseguiu jamais o mesmo holofote incandescente que obteve em 'Cidade dos Sonhos'. Ainda assim, a atriz parece estar de bem com a vida quanto a esse fato. "Eu deixei a minha marca em Hollywood. Eu estou em um clássico", atestou, sem receio, ao 'The Independent'.

Em 2024, aos 60 anos de idade, ela decidiu se aposentar e deu a notícia para fãs pelo Instagram, em um trocante post (confira no final da matéria).

"Tem sido uma linda vida e carreira! Eu agradeço a cada colega de elenco, ator, diretor e produtor de cada filme e programa de TV. Há um lugar no meu coração para vocês sempre! #Aposentada, mas não morta, e com muito a viver ainda!".

Hoje, Harring atualiza suas redes sociais mostrando uma vida calma, regada a muito aconselhamento espiritual e ioga, além de mensagens de positividade.

Sem participar de nenhum projeto no cinema ou na TV há dois anos - seu último papel tinha sido em uma versão latino-americana da clássica comédia 'O Pai da Noiva', na qual contracenou com Andy Garcia e Gloria Estefan -, a diva se despediu para entrar em uma nova fase.

Muito mais leve, longe da vida dura de artista em Hollywood e com desejo de eternizar sua experiência em uma autobiografia; ela já deu dicas de que fará isso em breve em diversas postagens no seu perfil no Instagram.

Assista ao trailer de 'Cidade dos Sonhos', filme de David Lynch que colocou Laura Harring no centro das atenções de Hollywood. Na sequência, o post em que a estrela anunciou sua aposentadoria, em janeiro de 2024.

*Com edição de Luís Alberto Nogueira