Ícone de Hollywood, respeitado pela indústria e uma das celebridades mais carismáticas que as câmeras já puderam encontrar: é claro, esse é Denzel Washington. Apesar de estar acostumado a interpretar heróis e figuras edificantes em seus filmes, durante todo o começo da carreira, ele foi surpreendido ao receber o roteiro de 'Dia de Treinamento', em que encarnaria um antagonista absolutamente imoral.
Aceitar ou não? A dúvida era cruel, mas uma única pessoa conseguiu convencê-lo de que esse era o personagem que ele precisava fazer - e acabou mesmo lhe dando o seu segundo Oscar.
Vamos lembrar da trajetória do astro até chegar ao momento crucial em que ele decidiu ser o malvadão pela primeira vez.
Bom moço
Apesar de ter se formado jornalista, Denzel Washington tinha mesmo a atuação como norte. Foi estudar atuação no Conservatório Americano de Teatro, na cidade de São Francisco, logo depois de ter finalizado a faculdade.
No começo da década de 1980, já era um ator formado, prestes a começar a pegar os primeiros trabalhos.
Em 1981, fez sua estreia em uma comédia, 'Carbon Copy'. Nos anos seguintes, conseguiu alguns outros papéis, mas ganhou reconhecimento ao participar da série 'St. Elsewhere', entre os anos de 1982 e 1988. Estabeleceu-se na indústria cinematográfica mesmo apenas em 1987, quando interpretou o ativista sul-africano Stephen Biko no drama 'Um Grito de Liberdade'. A interpretação foi tão marcante que rendeu a Denzel sua primeira indicação ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante. Apesar disso, foi Sean Connery, com 'Os Intocáveis', quem levou a estatueta para casa.
O gosto da vitória não demorou, entretanto. Dois anos depois, ao participar de 'Tempo de Glória', como um escravo liberto para lutar na Guerra Civil Americana, finalmente levou a estatueta da mesma categoria que havia concorrido anos antes. Foi o suficiente para emplacar um sucesso após o outro nos anos 1990 -- sempre como o mocinho, bom salientar.
Washington participou de alguns dos mais marcantes projetos para o cinema realizados trinta e tantos anos atrás.
Sua parceria com o renomado cineasta, Spike Lee, lhe rendeu alguns dos seus mais importantes trabalhos.
A cinebiografia do ativista americano Malcolm X é o maior título do duo, e provavelmente de toda a carreira do astro.
Mas logo já ficou claro: Denzel Washington era (para os estúdios) um homem para interpretar heróis, pessoas de moral inquestionável e que sempre salvam o dia. Ele mesmo também acreditava nisso: disse em entrevista uma vez que, na escola de teatro, sempre lhe ensinam a não gostar de interpretar o vilão. "Você tem que amar quem você é. Você não deve dizer 'Ai, eu sou o cara malvado'. Como é que se interpreta alguém assim?", contou.
Nosso malvado favorito
De repente, em um dia comum da rotina de ator, Denzel Washington recebeu aquele que viria ser seu bilhete premiado: o roteiro de 'Dia de Treinamento', filme dirigido por Antoine Fuqua, que também contaria com Ethan Hawke no elenco.
Não parecia certo para ele: aqui, o papel que lhe foi oferecido era o de Alonzo Harris, um detetive da Narcóticos nada ético, nada simpático, muito menos confiável. Em essência, um antagonista do melhor tipo: daqueles sem qualquer resquício de humanidade.
Na teoria era um ótimo personagem, mas combinava com sua imagem? Não parecia fazer sentido, já que ele era um cara 'legal' na visão do público. Provavelmente, o ator - já consagrado - iria declinar -- não fosse por John David Washington, o seu filho.
"Ele me convenceu a fazer três filmes", contou Denzel em entrevista alguns anos depois. "Os outros dois eram completamente diferentes. Mas foi ele quem me convenceu mesmo a aceitar 'Dia de Treinamento'. Ele disse que era porque eu nunca tinha feito algo como aquilo antes."
Em tempo, outro vilão que John David convenceu o pai a interpretar foi o chefão do narcotráfico, Frank Lucas, que existiu na vida real, em 'O Gângster'.
Vale dizer que, apesar do ótimo trabalho de Ethan Hawke e do elenco de apoio, quem brilha mesmo em 'Dia de Treinamento' é Denzel Washington. O filme só tem a relevância que tem hoje por seu icônico papel. E ainda que fosse uma experiência inédita ao ator, Washington foi enfático ao revelar: amou ser mau.
"É meio clichê dizer isso, mas os malvados se divertem muito mais. Você consegue se safar de mais coisas", disse ao Entertainment Tonight há algum tempo. "Interpretando um personagem heroico, você fica meio engessado. Tem tanta coisa com que você consegue se safar. Mas o cara legal pode falar o que ele bem entender".
"É uma honra interpretar heróis reais, mas existe um tipo de animação e prêmio para atores interpretarem vilões. Eu vou admitir: eu me diverti muito interpretando o Harris em 'Dia de Treinamento'. Ele é um ladrão, assassino e egocêntrico arrogante. Ele é um homem muito, muito doente e sem coração. Agora eu entendo que já há algum tempo eu queria interpretar alguém como ele", relatou.
Logo, de ator para heróis, Denzel Washington virou o homem perfeito para ser um vilão. "É apenas a natureza dos negócios. Primeiramente eu fui o cara das biografias. O Steve Biko? Arranjem o cara das biografias! Malcolm X? O cara das biografias. 'Duelo de Titãs'? O cara das biografias. 'Hurricane - O Furacão'? O cara dos biografias. Daí de repente alguém deu um passo em falso e deu a eles 'Dia de Treinamento'. 'O cara malvado! Arranjem o cara malvado!'. Eu acho que só é a natureza dos negócios", comentou.
"Antes de 'Dia de Treinamento', ninguém nunca me ofereceu papéis assim. Depois do filme, era a única coisa que me ofereciam", ainda disse.
Ainda bem que o olho clínico de John David Washington, à época bem mais novo que o pai, pôde fazê-lo perceber a relíquia que tinham em mãos. Denzel Washington sempre quis que os filhos pudessem saber mais sobre os negócios que envolviam sua carreira, e aqui foi o exemplo de que ele estava absolutamente certo.
Logo depois, John David seguiu os passos do pai e se tornou ator. O ponto alto até aqui foi 'Infiltrado na Klan', filme do parceiro da vida Denzel, Spike Lee (esse não foi o primeiro encontro dos dois, já que John fez uma pontinha em 'Malcolm X' também), e ainda esteve em 'Tenet', filme de Christopher Nolan contracenando com Robert Pattinson.
Um de seus outros destaques foi 'Malcolm & Marie', em que, ao lado da superestrela fashion, Zendaya, interpretou um cineasta com problemas conjugais.
Assista a Denzel Washington no trailer de 'Dia de Treinamento', e em seguida, reveja o momento em que o astro recebe seu Oscar de Melhor Ator pelo papel do vilão Alonzo Harris.
*Com edição de Luís Alberto Nogueira