• Kellen Rodrigues
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Camila Junqueira (Foto: Carine Wallauer)

Camila Junqueira recruta mulheres para liderar empresas (Foto: Carine Wallauer)

Das 30 pessoas que Camila Junqueira ajudou a posicionar em cargos de alta liderança em 2021, 30% eram mulheres. Um avanço, considerando que o mundo corporativo é historicamente dominado por homens. Mas ainda pouco para a meta – ou melhor, a missão – que ela estabeleceu para si. Sócia da Flow, uma das principais empresas de reposicionamento de carreira do Brasil, e primeira headhunter mulher (por muito tempo, a única) em posição de liderança no país, Camila ambiciona ver as cadeiras ocupadas igualmente – com paridade não só de gêneros, mas de remuneração. “Não é uma missão fácil, são anos de defasagem”, reconhece ela.

Experiência e respeito do mercado para tal, conquistados em 20 anos de hunting, não faltam. Nem boa dose de confiança, posta à prova desde que deixou Hortolândia, no interior de São Paulo, aos 17 anos, para estudar administração na capital. “Vim de uma família muito machista. Botei na minha cabeça que iria trabalhar e não depender de ninguém, muito menos de algum homem, fosse pai ou marido”, conta.

Logo no início da carreira, no mercado financeiro, Camila se deparou com a desigualdade. Veio ali, aos 20 e bem poucos anos, sua primeira inquietação. “Eu olhava um colega e pensava: ‘Eu trabalho mais do que ele, por que ganho menos?’”, lembra. Com a chegada da Michael Page, empresa de recrutamento baseada no Reino Unido, ao Brasil, em 2003, partiu para a área de hunting. Ouviu que seria preciso trabalhar muitas horas para crescer na companhia – coisa que, como mulher, não daria conta. “Aquilo foi a virada de chave para mim. Em um ano, fui a melhor da empresa”, orgulha-se. Menos de três anos depois, recém-casada, desembarcou no México para abrir o primeiro escritório da Michael Page no país. “Foi um dos desafios mais bacanas que tive, porque se você acha que o Brasil é machista, imagina o México em 2005?”

Há oito anos na Flow – ela entrou em fevereiro de 2014 como diretora e tornou-se sócia em agosto de 2017 – Camila é segura ao listar o que é preciso para alcançar um posto de liderança hoje no Brasil. Para mulheres, além do machismo enraizado, é preciso vencer a falta de confiança em si mesma. Isso porque a síndrome da impostora é mais alta entre elas. “Nós somos autocríticas demais. Vejo muitas se perguntarem se estão preparadas. Óbvio que sim. Mas a gente põe barreiras que os homens não põem”, afirma.

O que as líderes que reposiciona em grandes diretorias têm em comum? Elas conseguiram ver o valor da sua trajetória - tarefa que nem sempre é simples. “É preciso tomar consciência das suas realizações. Coloque no papel suas maiores ações que impactaram não só a você, mas à empresa e às pessoas à sua volta”, aconselha. Não necessariamente a resultante é um posto mais alto na mesma empresa. “Certa vez, fiz um trabalho para um banco, onde eu fui mapear todas as áreas e achei muita mulher bacana. No final, uma delas virou para mim e me agradeceu por abrir seus olhos. Ela não estava feliz, pediu demissão e foi fazer o que queria, tendo consciência de que era boa e podia estar onde quisesse”, lembra.

Já para as empresas, a recomendação de Camila é não tentar supor qual seria a escolha de alguém – sobretudo mulheres –, mas deixar que a pessoa decida entre aceitar ou não um novo desafio. “Outro dia perguntei em uma reunião por que não ofereciam o cargo a uma mulher que estava há tempos na empresa, se ela não estava pronta ou havia outro motivo. A resposta foi que era uma posição em que a pessoa precisaria viajar muito, e ela tem filhos. ‘Mas você perguntou se ela quer?’ Antes de abrir uma vaga a alguém de fora e desmotivar quem já está no time, é preciso perguntar”, argumenta Camila. “Mas também é importante falar para as pessoas o que você quer, não fique esperando que alguém adivinhe. Se deseja tal cargo, conte.”


A inspiração para buscar sua independência e ajudar a alavancar outras tantas mulheres veio de casa. A mãe, Maria Amélia, criou Camila e suas duas irmãs praticamente sozinha, e foi a principal incentivadora das filhas. Casada há 16 anos e mãe de duas meninas, de 9 e 13 anos, hoje Camila trabalha para mostrar às meninas que elas podem sonhar alto. “Me dei conta de que tenho que fazer alguma coisa, que não é só reclamar. Tenho duas filhas e não quero que elas sofram todo o preconceito e discriminação que eu senti”, argumenta.

Enquanto atua com o executive search, ela encontra tempo para curtir a família, ser “CEO” de sua própria casa e, sobretudo, fazer coisas por si. O equilíbrio entre o trabalho e o lazer, afirma, é essencial para uma vida – e carreira – saudável. “É preciso encontrar tempo para fazer uma coisa que a satisfaça, seja andar de bicicleta ou almoçar com as amigas. Quem manda na sua carreira e na sua agenda tem que ser você, não o contrário.”

Hoje, aos 44 anos, Camila divide a sociedade da Flow com outras nove pessoas – três delas mulheres. Orgulha-se em saber que quando se fala em headhunter no Brasil, seu nome é referência. Isso dá ainda mais motivação para seguir em frente, em um trabalho de formiguinha, que exige muitas vezes mudança de status quo na empresa. “Sento na frente do presidente de uma empresa e questiono por que tem que ser homem para a vaga tal. Nos últimos anos, tenho batido muito na tecla de sempre ter mulher na shortlist [lista com 3 nomes recomendados por ela na etapa final dos processos seletivos]”, explica. Essa é sua missão: conseguir formar mais mulheres presidentes de empresas e passar executivas para outro patamar no Brasil. “Quero mudar a vida das pessoas.” E já está mudando.