• Carolina Ingizza
  • Em colaboração para Marie Claire
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Considerada a primeira CEO negra do Brasil, Rachel Maia também fez história em 2020 como a primeira mulher negra a ser membro do conselho de uma empresa de capital aberto (Foto: Arquivo pessoal)

Considerada a primeira CEO negra do Brasil, Rachel Maia também fez história em 2020 como a primeira mulher negra a ser membro do conselho de uma empresa de capital aberto (Foto: Arquivo pessoal)

Deixar a presidência da Lacoste após dois anos no cargo para focar em posições em conselhos de administração de grandes empresas foi um passo natural para Rachel Maia, acostumada a quebrar barreiras rumo ao sucesso nos seus mais de 30 anos de carreira — fora a grife de roupas, a executiva presidiu marcas de luxo como Pandora e Tiffany & Co.

Considerada a primeira CEO negra do Brasil, Rachel também fez história em 2020 como a primeira mulher negra a ser membro do conselho de uma empresa de capital aberto: hoje, ela integra os conselhos da Vale, Banco do Brasil, CVC e Grupo Soma, além de presidir o conselho consultivo da Unicef no país.

Sem rodeios, ela admite que teve medo ao assumir a primeira posição de conselheira, mas diz que tinha confiança de que estava preparada para o cargo. "Entendi que é um universo completamente diferente, mas percebi que poderia contribuir muito para a visão estratégica das empresas com meu olhar e a minha experiência como presidente.”

Rachel, no entanto, faz parte de um grupo pequeno de mulheres que ocupam essas posições estratégicas. Segundo dados da nova edição do estudo "Women in the boardroom: A global perspective", produzido pela consultoria Deloitte e recebido em primeira mão pela Marie Claire, apenas 10,4% das posições em conselhos de administração no Brasil são ocupadas por mulheres.

No caso de pessoas negras, o cenário é ainda pior: segundo o Índice de Equidade Racial Empresarial de 2021, apenas 4,1% dos conselheiros eram negros.

Globalmente, o país fica abaixo da média mundial (19,7%) em participação feminina, atrás de nações como África do Sul (31,8%), Malásia (24%), Polônia (22,9%), Nigéria (21,7%), Filipinas (17,7%) e Índia (17,1%). Apesar de estar longe do topo de ranking, liderado por países como França (43,2%), Noruega (42,4%) e Itália (36,6%), o Brasil está dando passos na direção correta: em 2016 as mulheres eram apenas 6,3% dos membros; em 2018, 8,6%.

Para Venus Kennedy, sócia da Deloitte e líder do programa de equidade de gênero Delas, a maior participação das mulheres hoje é reflexo do espaço que a pauta de diversidade ganhou dentro das empresas brasileiras. "A conversa está mais presente nos últimos anos", diz a consultora, apontando que além da preocupação social, há uma motivação financeira nessa guinada.

"Pesquisas já comprovaram que quando há lideranças femininas, todos os resultados da empresa são melhores"

Venus Kennedy, sócia da Deloitte e líder do programa de equidade de gênero Delas

"Pesquisas já comprovaram que quando há lideranças femininas, todos os resultados da empresa são melhores. Mulheres podem criar valor para os negócios: geralmente, elas são mais cautelosas, tomam decisões após fazerem pesquisas e são mais colaborativas. Fora que 50% da população é feminina, como uma companhia pode endereçar esse mercado sem líderes mulheres?", diz Venus.

Na visão da consultora, o maior desafio para equilibrar a balança dos conselhos é o pipeline: na prática, poucas mulheres conseguem seguir uma trajetória como a de Rachel Maia na vida corporativa. Segundo a Deloitte, 1,2% dos CEOs e 7,3% dos CFOs de empresas brasileiras são mulheres. Com menos mulheres na liderança de grandes empresas, há naturalmente menos candidatas prontas para assumir uma vaga de conselheira.

Essa disparidade é reflexo da cultura do país. Os problemas que impedem as mulheres na carreira vão desde a dificuldade de conciliar o trabalho com os afazeres domésticos, que ainda recaem sobre elas, até o sexismo velado do ambiente de trabalho. "As lideranças, em sua maioria homens brancos, héteros, cis e de meia idade, tendem a escolher pessoas parecidas para ocupar essas posições de lideranças. Muitas vezes, esses critérios excluem as mulheres", diz Ana Bavon, CEO da consultoria B4People Cultura Inclusiva.

Uma das estratégias para atacar o problema é garantir, além da contratação equiparada de homens e mulheres para posições juniores, que as mulheres tenham espaço para crescer nas companhias. Para Venus, isso requer intencionalidade da gestão. "Mulheres e homens são diferentes. Homens, por exemplo, são mais dispostos a se voluntariar para desafios, enquanto mulheres sentem que precisam ser perfeitas para aceitar uma tarefa. Sabendo disso, as lideranças podem convidar diretamente as mulheres para que elas tenham a chance de se provar”, diz a consultora.

Iniciativas da sociedade civil estão lutando para mudar esse cenário. Uma delas é a WCD (Women Corporate Directors), fundação patrocinada pela consultoria KPMG, que está há 12 anos no Brasil defendendo a maior presença feminina nos conselhos. A fundação conecta sua rede de mais de 400 mulheres com experiência na área com empresas, headhunters e fundos de private equity. "Vejo as empresas preocupadas com diversidade e temos ajudado nesse debate, defendendo que não basta uma mulher entre 8 ou 12 homens para ser diverso: o ideal é ter pelo menos 30%", diz Carla Bellangero, copresidente do conselho do WCD no Brasil.

Outros atores defendem que o Brasil adote uma política de cotas para acelerar essa transformação cultural. Dois projetos de lei que estabeleciam a obrigatoriedade de 30% de presença feminina nos conselhos de administração tramitaram no Congresso Nacional nos últimos anos, mas não avançaram. "Tenho convicção que para que possamos rebalancear o processo é necessário criar metas e cotas em todos os níveis, da base à liderança. Se deixarmos correr de forma natural, vai demorar muito", conclui Rachel Maia.