História

Por Dominic Janes*/The Conversation

Com que frequência você pensa no Império Romano? Essa pergunta, feita aos homens por suas parceiras no aplicativo de rede social TikTok, levou a uma enxurrada de vídeos virais. As mulheres ficam surpresas ao descobrir que a resposta muitas vezes é "todos os dias" ou pelo menos "várias vezes por semana".

O Império Romano, como outros períodos da história humana, tinha aproximadamente o mesmo número de homens e mulheres. Mas suas estruturas de poder eram notadamente patriarcais e militares.

Esse pode ser o motivo pelo qual o assunto é de grande interesse para os homens. Como Mary Beard, a historiadora clássica britânica, sugeriu quando foi questionada sobre a trend, o interesse masculino pelo Império Romano pode representar "uma maneira segura dos homens permitirem a si mesmos serem um pouco machistas — afinal, foi há 2 mil anos", em nossa sociedade contemporânea mais feminista.

Cynthia Boaz, professora de ciência política, oferece uma abordagem mais crítica: "Suponho que a maioria dos homens que dizem que pensam nisso o tempo todo são provavelmente homens brancos cisgênero. E não é coincidência, porque o Império Romano é uma das sociedades mais patriarcais e hierárquicas que já existiram. É a personificação, o ápice da masculinidade branca cisgênera".

Tudo isso dá um toque distinto à esquete do filme A Vida de Brian (1979), de Monty Python (confira abaixo), que parodiava um grupo de combatentes da liberdade judaicos que tinham que perguntar: "Tudo bem, mas além do saneamento, medicina, educação, vinho, ordem pública, irrigação, estradas, sistema de água potável e saúde pública, o que os romanos já fizeram por nós?"

A pergunta subjacente de Boaz é talvez: o que os impérios ocidentais fizeram por alguém além de homens brancos cisgênero? Sob essa perspectiva, não é surpreendente que as mulheres não estejam gastando tanto tempo pensando no Império Romano.

O ensino da história é influenciado pelo gênero?

Em minha experiência no ensino universitário, o título do curso parece influenciar fortemente o equilíbrio de gênero na turma.

Já dei aulas em departamentos de história da arte onde os cursos eram frequentados principalmente por mulheres (a apreciação da arte muitas vezes sendo vista como feminina) e em departamentos de história onde havia, em contraste, um equilíbrio aproximado entre os gêneros. De fato, as mulheres são uma minoria no ensino universitário de história como um todo.

Nunca tentei ministrar um curso chamado "Guerra e Governo de Roma a Washington D.C.", mas sei por experiência que basta eu incluir a palavra "gênero" no título de um curso para ver os homens desaparecerem. Uma vez dei um seminário sobre esse assunto em um curso de métodos de pesquisa de nível de mestrado e me deparei com um grupo de homens de rosto fechado sentados no fundo com os braços cruzados defensivamente.

Descobri, ao conversar com eles, que estavam profundamente desconfortáveis por estarem ali porque achavam que a história de gênero se resumia a atacar os homens. E esse desafio se estende além da minha sala de aula. Pesquisadores na organização global de educação IREX descobriram que homens e meninos desvalorizam espaços e atividades que associam a papéis de gênero femininos, o que leva à perda de oportunidades econômicas e educacionais.

Ilustração mostra exemplo de homens romanos de classe alta — Foto: Wikimedia Commons
Ilustração mostra exemplo de homens romanos de classe alta — Foto: Wikimedia Commons

Do meu ponto de vista, a atribuição de gênero a disciplinas é tão predominante em nossa sociedade que é crucial que as pessoas aprendam sobre isso, seja na escola ou na universidade. Eu exploro isso durante uma aula introdutória fazendo com que meus alunos de graduação desenhem imagens que associam ao período que estão estudando.

Na minha aula sobre a Grã-Bretanha Georgiana, apesar de ser o auge do comércio de escravizados comandado por homens, as imagens de senhoras tomando chá superam em muito os homens em uniforme. Isso certamente não é o caso quando o tema é, por exemplo, a Alemanha Nazista ou a Batalha da Grã-Bretanha.

"A Batalha de Alexandre em Issus", uma pintura a óleo de 1529 do artista alemão Albrecht Altdorfer (1480–1538) — Foto: Creative Commons/Flickr
"A Batalha de Alexandre em Issus", uma pintura a óleo de 1529 do artista alemão Albrecht Altdorfer (1480–1538) — Foto: Creative Commons/Flickr

O sucesso da série Bridgerton, da Netflix, mostra o apetite do público por uma visão sanitizada do século 18, por exemplo. A sociedade que ela retrata inclui uma classe alta empoderada por mulheres e inclusiva em termos de raça, de maneiras que falam mais à política cultural contemporânea do que à precisão histórica estrita.

Não são apenas períodos históricos, mas também países e até mesmo idiomas que são fortemente marcados pelo gênero na cultura popular. Como explicar o fato de que as mulheres consistentemente superam os homens em aulas de francês e italiano, mas não em aulas de alemão?

No passado, isso costumava ser atribuído a supostas diferenças entre línguas latinas sendo intuitivas e línguas germânicas sendo analíticas. Hoje em dia, somos mais propensos a dizer que o fator-chave é a estereotipagem de gênero.

O ponto subjacente sobre a trend dos romanos do TikTok é que ela ilustra o que as imagens populares do passado podem fazer por nós. Elas podem servir como um espaço seguro para o deslocamento de fantasias de masculinidade desenfreada ou como um incubador de pensamentos tóxicos.

De qualquer forma, a popularidade do meme é um testemunho do poder da tradição clássica em seu sentido mais amplo para moldar a cultura ocidental contemporânea. E influenciar quem exatamente escolhe minhas aulas de história.

* Dominic Janes é professor de História Moderna na Universidade de Keele, na Inglaterra.

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