Meio ambiente

Por Rafael Morais Chiaravalloti* | The Conversation

Nos últimos 10 anos, tenho me dedicado ao estudo de questões relacionadas ao uso sustentável dos recursos naturais. Junto com colegas de diferentes partes do mundo, tenho buscado responder à pergunta: “Como podemos utilizar a natureza de forma sustentável?”. A pergunta pode parecer simples, mas até hoje não foram encontradas respostas completas. Recentemente, as comunidades tradicionais do Pantanal têm contribuído para compreendermos melhor essa questão.

Desde o final da década de 1940, quando ficou evidente que o ser humano poderia esgotar os recursos naturais, diversos cientistas começaram a estudar mais sobre esse tema. A abordagem mais aceita desde então é através da Teoria dos Jogos, fundamentada na hipótese de que as pessoas fazem escolhas principalmente com base no benefício individual. Ou seja, o comportamento humano visa maximizar os lucros, independentemente do impacto a longo prazo. Assim, segundo essa teoria, faz parte da própria história humana a possibilidade de acabar com os recursos dos quais depende, o que é chamado de “tragédia dos comuns” ou “dilema do prisioneiro”.

Porém, ao nos questionarmos sobre como a humanidade, que habita o planeta há cerca de 300 mil anos, conseguiu chegar até aqui sem esgotar todos os recursos, a própria Teoria dos Jogos sugere uma resposta. Ela aponta que é possível evitar a “tragédia dos comuns” mediante a adoção de um conjunto de regras que regulam as escolhas de curto prazo. Em outras palavras, medidas de regulamentação se fazem necessárias para assegurar que a busca pelo benefício individual não prejudique a sociedade como um todo a longo prazo.

Inicialmente, acreditava-se que apenas o Estado ou leis de propriedade privada poderiam desempenhar esse papel de proteger nossos recursos naturais. No entanto, na década de 1990, Elinor Ostrom demonstrou que comunidades tradicionais, desprovidas de propriedade privada ou sem a intervenção do Estado, também conseguiam evitar o colapso dos recursos naturais.

Elas desenvolviam suas próprias regras para garantir o uso sustentável a longo prazo, e esses sistemas tradicionais foram chamados de “regimes de propriedade comum”. Os estudos de Ostrom renderam-lhe o Prêmio Nobel de Economia em 2009. Ainda assim, faltava uma peça nesse quebra-cabeça da sustentabilidade.

Todas as soluções para o problema da tragédia dos comuns se baseiam na ideia de previsibilidade. Acordos, regras e regulamentações são respeitados pelos benefícios futuros que podem trazer. Em outras palavras, a sociedade primeiro reconhece o impacto que o uso excessivo de recursos pode ter no futuro e, em seguida, implementa medidas para evitar o colapso da natureza e de todos que dela dependem. Isso pressupõe que compreendemos e respeitamos as complexas dinâmicas da natureza. No entanto, nem sempre é o caso, e o Pantanal é um dos maiores exemplos disso.

O Pantanal é uma das maiores planícies alagáveis do mundo e tem como principal característica o pulso de inundação. Este fenômeno faz com que áreas específicas se inundem em momentos diferentes. Para as comunidades ribeirinhas do Pantanal que dependem da pesca, isso representa um sistema altamente imprevisível. Elas precisam determinar, semanalmente, quais baías e rios conseguem acessar.

Em nosso estudo, nós quantificamos que, dentro de um universo de aproximadamente 300 possibilidades, apenas duas ou três baías serão apropriadas para a pesca. Diante disso, não há previsibilidade dos recursos naturais e, portanto, as soluções encontradas para a tragédia dos comuns não funcionam.

Com o objetivo de compreender como as comunidades ribeirinhas sobrevivem nesse sistema, nós aplicamos diversas metodologias, incluindo estudos etnográficos, ciência cidadã e análises de redes sociais e riqueza. A conclusão a que chegamos é que, em sistemas imprevisíveis, as regulações sobre o que é permitido ou não, não são fixas. As comunidades ribeirinhas do Pantanal se baseiam em um alto nível de reciprocidade e mobilidade para sobreviver e evitar a tragédia dos comuns.

Na prática, os moradores da comunidade se comunicam e se ajudam para identificar quais baías usar, fazendo uma rotação constante do uso dos recursos naturais. Sem uma regulação central, mas através da comunicação e mobilidade, eles sobrevivem e também protegem a natureza. Isso é o que chamamos de um sistema adaptativo complexo.

Além disso, demonstramos que as comunidades ribeirinhas do Pantanal não são as únicas que se baseiam nessa prática. Comunidades pastoreias na África, caçadores e coletores nas Filipinas e, certamente, diversos outros grupos pelo mundo também fazem o uso sustentável de recursos naturais, mesmo sem previsibilidade ou regulação central.

Os achados do Pantanal podem ser aplicados a outras questões além dos recursos naturais, e os exemplos são infinitos. Podemos pensar na importância de compartilhar informações sobre oportunidades de emprego com nossos competidores para aumentar nossas chances, compartilhar patentes para facilitar a busca por soluções e, claro, a importância do compartilhamento de informações para lidar com as mudanças climáticas.

De modo geral, considerar os ensinamentos das comunidades ribeirinhas do Pantanal sobre como viver de forma mais sustentável talvez seja o que podemos fazer de melhor.

*Professor de Antropologia Ambiental na Universidade College London (Inglaterra).

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