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Por TNC Brasil

Artigos exclusivos sobre clima e biodiversidade assinados pelos especialistas da The Nature Conservancy Brasil

Bruna Stein*

Embora dotado de grandes reservas de água superficial e subterrânea, problemas de escassez hídrica têm se tornado uma constante no Brasil. Nos últimos anos, dos 5.570 municípios brasileiros, 51% (2.839) decretaram situação de emergência ou estado de calamidade pública devido a secas ou estiagem pelo menos uma vez entre 2003 e 2017, em que cerca de 38 milhões de pessoas foram afetadas. É o que ponta um relatório de 2018 da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA).

Em 2023, a bacia Amazônica registrou a mais severa seca, afetando inúmeras espécies aquáticas e mais de 600 mil pessoas em cinco estados: Amazonas, Pará, Acre, Rondônia e Amapá. Em diferentes regiões do Brasil, a escassez hídrica tem se agravado em decorrência da mudança climática, aliada a diferentes fatores como desmatamento, aumento contínuo da demanda pelo uso da água, falta de investimentos em infraestrutura, de proteção da água e de falhas na gestão e governança dos recursos hídricos.

O aumento da demanda pelas atividades econômicas intensivas em água é considerado um dos principais fatores que contribuem para o aumento do estresse hídrico. A água total consumida no Brasil é majoritariamente utilizada para fins de irrigação e uso da pecuária, setores esses que concentraram, em 2023, 66% e 12%, respectivamente, do consumo total nacional. Na sequência, a indústria de transformação consumiu 10%, o setor de abastecimento humano 10%, a mineração 1% e as termelétricas 0,3%.

É fundamental destacar que a demanda hídrica pela agricultura é crescente em função da expansão de sistemas de irrigação por pivôs centrais utilizados para a produção de commodities agrícolas, aumentando o fluxo de água embutida nos produtos exportados. Tal tendência gera crescente impacto do comércio internacional no balanço hídrico local.

Se por um lado o Brasil possui uma vantagem comparativa em termos de disponibilidade hídrica, por outro evidencia a necessidade de um olhar atento para a gestão da água como um direito humano essencial, fundamental e universal, ainda mais em um cenário de mudanças climáticas.

A Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei nº 9.433/97) conta com diversos instrumentos legais que permitem tanto a deliberação pelo uso da água através da outorga, como também a adoção de mecanismo econômico como a cobrança, que tem por objetivo a arrecadação de recursos para investimentos na melhoria da quantidade e qualidade da água, minimizando conflitos e promovendo usos mais equilibrados.

Em função de condições de escassez em quantidade e/ou qualidade, a água deixa de ser um bem livre e passa a ter valor econômico. A cobrança não é um imposto, e sim uma remuneração pelo uso de um bem público, cujo preço é fixado a partir da participação dos diferentes setores usuários da água, da sociedade civil e do poder público no âmbito dos Comitês de Bacias Hidrográficas (CBH).

É fundamental que haja uma participação social abrangente no desenvolvimento da cobrança e que critérios sociais equitativos sejam aplicados para assegurar o acesso universal à água, considerando os aspectos de vulnerabilidade social local e a capacidade de pagamento dos diversos usuários.

No entanto, a implementação desses mecanismos representa o desafio. Em um país de grandes dimensões é necessário um sofisticado grau de interação entre os setores usuários da água, a sociedade civil, assim como os órgãos das esferas de gestão federal e estadual, possibilitando a constituição de Comitês de Bacia Hidrográfica que devem implementar os instrumentos de gestão adequados e garantem que os recursos sejam arrecadados e aplicados de forma efetiva na melhoria da gestão dos recursos hídricos.

Diante de tais desafios, muitos estados ainda carecem da instituição de CBH, logo, grande parte das bacias hidrográficas são desprovidas de instrumentos de gestão dos recursos hídricos. A título de exemplo, o setor agropecuário, embora concentre mais de 75% do consumo de água no Brasil contribui com apenas 1% do total da arrecadação da cobrança no país.

O baixo pagamento pelo uso da água pelo setor se dá pelo fato de que, embora existam avanços graduais na implementação da cobrança, ainda há uma baixa aplicação dela em bacias hidrográficas estaduais que possuem alta demanda por água vinda do setor exportador de commodities.

A falta da aplicação desse instrumento tem como consequência a lacuna de recursos financeiros para garantir a gestão adequada dos recursos hídricos, como a implementação do Programa de Revitalização de Bacias Hidrográficas estabelecido no Plano Nacional de Recursos Hídricos (PNRH 2022-2040).

O programa visa promover ações integradas para a recuperação das Áreas de Preservação Permanente (APP), de áreas degradadas e de recarga de aquíferos e a proteção de nascentes, para produção de serviços ambientais de regulação hidrológica, a partir de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA). Considerando as áreas de passivo de vegetação em APP em todo território nacional, é urgente que haja recursos financeiros para a restauração.

Considerando que a produção de commodities agropecuárias tem um impacto positivo na balança comercial brasileira, desde que sejam respeitados critérios de igualdade social entre a agricultura familiar e a de médio e grande porte, assim como na proteção da água e na promoção dos demais usos múltiplos, é indispensável economicamente a adoção de mecanismos financeiros e econômicos, juntamente com outras ferramentas de gestão de recursos hídricos, que garantam investimento em restauração de áreas prioritárias que irão garantir a disponibilidade hídrica para o setor de produção de alimentos, assim como os demais setores produtivos e toda a população.

O objetivo de tais ações é garantir o uso sustentável dos recursos naturais, melhorar as condições socioambientais e aumentar a disponibilidade hídrica, em quantidade e qualidade, para seus diversos usos visando a ampliação da segurança hídrica. Em um cenário de mudanças climáticas tão aceleradas, uma gestão de recursos hídricos efetiva pode garantir a continuidade da produção de commodities, sendo importante que nessas bacias haja a esperada articulação governamental e social para garantir que a gestão siga os objetivos da Política Nacional de Recurso Hídricos.

*Bruna Stein possui PhD em Economia Aplicada aos Recursos Hídricos pela UFMG e trabalha como Economista Líder de Ciências na TNC Brasil

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