Biologia

Por André Julião | Agência FAPESP

A imensa maioria das cerca de 46 mil espécies de árvores tropicais é extremamente rara, não passando de 10% dos indivíduos desse bioma. Por outro lado, metade das árvores dos trópicos pertence a apenas 1.053 espécies (ou 2,24%). As estimativas foram apresentadas em artigo publicado na revista Nature, assinado por um consórcio internacional de pesquisadores, incluindo um brasileiro apoiado pela FAPESP.

“As espécies dominantes têm papel fundamental na estrutura da floresta. Elas proveem recursos para outras plantas, fungos e animais. Uma das contribuições do estudo foi apontar algumas poucas espécies que representam uma grande parte dos indivíduos. Com isso, podemos fazer medições e ter estatísticas mais confiáveis de como o ecossistema funciona”, explica Bruno Garcia Luize, que realizou o trabalho como parte de seu pós-doutorado no Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (IB-Unicamp), com bolsa da FAPESP.

Os autores utilizaram bancos de dados públicos sobre a composição de porções de floresta na Amazônia, África e Sudeste Asiático. Normalmente com um hectare, essas áreas são chamadas de parcelas. Uma parte das parcelas amazônicas analisadas no estudo foi estabelecida e teve os dados incluídos nos bancos de dados por Luize, durante o mestrado no Instituto de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus, e no doutorado no Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (IB-Unesp), em Rio Claro, também com bolsa da FAPESP.

No total, 1.097 parcelas na Amazônia, 368 na África e 103 no Sudeste Asiático foram analisadas, totalizando uma amostragem de pouco mais de 1 milhão de árvores com diâmetro de pelo menos 10 centímetros em grandes maciços florestais. Do total de árvores, 93,3% foram identificadas por espécie.

“Na Amazônia, estamos bem avançados nessas redes de inventários florestais colaborativos, que possibilitam fazer inferências e extrapolações como essa. Com os dados de outras florestas tropicais, temos agora uma dimensão mais global”, conta o pesquisador.

Hiperdominantes

Além de determinar a porcentagem de espécies hiperdominantes, como são chamadas as que compõem metade dos indivíduos de cada floresta tropical, os pesquisadores conseguiram determinar os nomes das mais prováveis de serem as mais comuns em cada uma das áreas analisadas.

Na Amazônia, por exemplo, algumas das possíveis hiperdominantes identificadas foram o matamatá (Eschweilera coriacea), com casca grossa e que pode chegar a 35 metros de altura; duas espécies de açaí (Euterpe oleracea e E. precatoria), conhecido pelo fruto e pelo palmito bastante consumidos no Brasil; e o parapará (Jacaranda copaia), única espécie de jacarandá amplamente distribuída na Amazônia.

Árvores do gênero "Eschweilera" foram listadas como as espécies possivelmente mais comuns na Amazônia — Foto: Dick Culbert/Wikimedia Commons
Árvores do gênero "Eschweilera" foram listadas como as espécies possivelmente mais comuns na Amazônia — Foto: Dick Culbert/Wikimedia Commons

Entre as árvores amazônicas, as hiperdominantes são 2,2% das espécies. As mesmas proporções foram observadas na porção coberta de floresta tropical do continente africano, nas partes oeste, central e leste (2,2% das espécies representam 50% de todas as árvores), e no Sudeste Asiático, do Myanmar, no oeste, a Sulawesi, no leste da Ásia (2,3%). A consistência na proporção de espécies hiperdominantes chamou a atenção dos pesquisadores por indicar uma quantidade razoável de espécies que podem ser mais bem conhecidas em curto a médio prazo.

Segundo as estimativas, 299 espécies compõem 50% dos 344 bilhões de árvores presentes na Amazônia. Na parte tropical do continente africano, são 104 espécies compondo metade dos 113 bilhões de árvores tropicais em dosséis fechados. Para o Sudeste Asiático, os pesquisadores chegaram ao número de 278 espécies responsáveis por metade dos 129 bilhões de árvores.

Luize ressalva que não entraram no estudo outras florestas tropicais, como a Mata Atlântica e a floresta de Chocó, na América do Sul, além de dados da América Central, Nova Guiné e Micronésia, não disponíveis durante a execução do estudo. Uma estimativa mais robusta será possível, conta, quando essas regiões forem incluídas.

O pesquisador lembra, porém, que o levantamento traz importantes indicações de espécies que podem ser foco de estudos de autoecologia, em que se analisa como interagem com outras espécies e o ambiente.

“Isso sem contar estimativas de armazenamento de carbono dessas árvores, informação essencial para os cálculos de emissão e captura dos gases de efeito estufa responsáveis pelas mudanças climáticas”, explica.

Segundo Simon Lewis, professor da University College of London e um dos coordenadores do estudo, focar em algumas centenas de árvores comuns, em vez dos milhares de espécies sobre as quais não se conhece quase nada, pode possibilitar novas maneiras de entender as florestas tropicais.

“Isso não quer dizer renegar a importância das espécies raras, elas precisam de atenção especial para serem protegidas. Porém, ganhos rápidos e importantes em conhecimento devem vir das pesquisas sobre as espécies mais comuns”, disse o pesquisador em um informe à imprensa.

Coordenado por pesquisadores da universidade britânica, o trabalho tem 356 autores. Além de Luize, participaram pelo Brasil cientistas do Inpa, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), da Universidade de São Paulo (USP) e Unicamp, além de universidades e institutos de pesquisa federais e estaduais em Estados amazônicos e em outras regiões do Brasil.

O artigo Consistent patterns of common species across tropical tree communities pode ser lido na revista Nature.

Mais recente Próxima Nova cobra é identificada em gravação de série com Will Smith na Amazônia
Mais de Galileu

Dogue alemão Kevin, de 4 anos, tinha pouco menos de um metro de altura apoiado sobre as quatro patas, e ultrapassava os dois metros quando estava de pé; veja

Cachorro mais alto do mundo morre dias após ter recorde confirmado pelo Guinness

A tempestade tropical Alberto marca o início da da temporada de ciclones de 2024, que já tem 21 eventos climáticos nomeados. Conheça a lista

Como cientistas escolhem nomes de furacões – e quais são os 20 reservados para 2024

Não há riscos de impacto com o planeta. Porém, a demora para identificar a passagem de um dos asteroides reforça necessidade maior preparo para lidar com ameaças do tipo

Dois asteroides vão passar próximo à Terra esta semana – um deles, muito próximo

Embarcações espanholas que afundaram em tempestade do século 18 transportavam cargas vindas dos Estados Unidos. Pela lei, o país fica apenas com 20% do "tesouro" para exibir em museus

Caçadores de tesouros encontram 200 moedas de prata em naufrágio de 1715

Dispositivo permanece ativo 24 horas por dia no cérebro de britânico de 12 anos, e é recarregado via fones de ouvido sem fio. Entenda como a técnica funciona

Adolescente com epilepsia que recebeu implante cerebral tem 80% menos convulsões

Mais de 1 milhão de escravizados desembarcaram no porto, construído em 1811. Entrevistamos arqueóloga que liderou escavação da região, único local de chegada de africanos preservado fisicamente nas Américas

Cais do Valongo, no RJ, reconta horrores da escravidão do século 19

Nova técnica criada por cientistas da Austrália pode facilitar identificação de fósseis, ajudando a recontar a história evolutiva das quatro espécies atuais

Dentes de cangurus crescem para sempre e podem indicar qual é sua idade

Nova regra permite aleitamento por mães portadoras do vírus apenas se tiverem carga indetectável; no Brasil, prática é formalmente contraindicada

EUA mudam diretriz e flexibilizam amamentação por mulheres com HIV

Estes microorganismos ao produzirem proteínas anticongelantes auxiliam a espécie a sobreviver às baixas temperaturas da Antártida

Bactérias antárticas ajudam minhoca marinha a sobreviver ao frio extremo

Terremotos, furacões, tsunamis e erupções vulcânicas aumentam risco de extinção de mamíferos, aves, répteis e anfíbios. Eventos podem ter sinergia com ameaças causadas por humanos

Fenômenos naturais ameaçam 10% das espécies de vertebrados terrestres do mundo