O sono é extremamente necessário para que as funções cognitivas se mantenham em pleno funcionamento, já que algumas de suas tarefas mais relevantes são a consolidação da memória e o processamento da aprendizagem. Porém, para pessoas com Alzheimer a alteração no sono é o primeiro sintoma a aparecer e um processo semelhante foi observado em cães com disfunção cognitiva canina (CCDS).
Ao dormir, é comum que adultos passem por diversas fases do ciclo do sono até chegar de fato ao estágio do sono profundo, chamado movimento rápido dos olhos (REM, sigla em inglês). É nessa fase que o corpo realmente consegue relaxar e os sonhos acontecem. Os estágios anteriores a ele são chamados de não-REM. O sono REM é de extrema importância para a saúde, pois essa fase é caracterizada por uma intensa atividade cerebral.
Os pacientes com Alzheimer tendem a gastar menos tempo tanto no sono REM, quanto no sono não REM (NREM). Mas eles mostram a maior redução no chamado sono de ondas lentas — um estágio de sono profundo sem sonhos, caracterizado por ondas cerebrais "delta" lentas — quando as memórias diurnas são consolidadas. Essa mesma redução no tempo de sono e nas ondas cerebrais delta ocorre em cães com demência. Esses animais, portanto, dormem cada vez menos profundamente.
O artigo que detalha essa observação teve como base a análise polissonográfica de 28 cachorros idosos e foi publicado no periódico Frontiers in Veterinary Science na sexta-feira (28). O estudo avaliou a porcentagem de tempo gasto em vigília, sonolência, sono NREM e REM, bem como a latência para os três estados de sono.
"Nosso estudo é o primeiro a avaliar a associação entre comprometimento cognitivo e sono usando polissonografia em cães idosos", disse Natasha Olby, professora de neurologia veterinária e neurocirurgia da Universidade Estadual da Carolina do Norte, em comunicado.
Sono canino
Tanto fêmeas quanto machos participaram do teste e todos os animais avaliados já eram considerados idosos com idades entre 10 e 16 anos. Seus tutores foram solicitados a preencher um questionário sobre seus companheiros caninos, para avaliar a gravidade dos sintomas de CCDS, como desorientação, interações sociais ruins e sujeira na casa. Os pesquisadores também examinaram os cães em busca de possíveis comorbidades ortopédicas, neurológicas, bioquímicas e fisiológicas.
Os resultados classificaram oito cães (28,5%) como normais, enquanto outros grupos de oito, quatro e oito apresentaram CCDS leve, moderada e grave, respectivamente. Após essa primeira fase, outros testes vieram. Dessa vez os cientistas examinaram sua atenção, memória de trabalho e controle.
Por exemplo, na "tarefa de desvio", um cão teve que recuperar uma guloseima de um cilindro transparente horizontal acessando-o por qualquer uma das extremidades - essa tarefa é dificultada pelo bloqueio do lado preferido dele, para que eles tenham que mostrar habilidades cognitivas e flexibilidade para desviar para a outra extremidade do cilindro.
Por fim veio a polissonografia, em que Alejandra Mondino, bolsista de pós-doutorado no grupo de pesquisa de Olby, e seus colegas criaram uma clínica do sono para os cães em uma sala silenciosa com luz fraca e ruído branco. Nesse local, os pesquisadores deixaram que os cães tirassem um cochilo de aproximadamente duas horas, enquanto eletrodos mediam suas ondas cerebrais, a atividade elétrica dos músculos e do coração, e os movimentos dos olhos.
Do total, 26 cães entraram em sonolência, 24 seguiram para o sono NREM, enquanto apenas 15 atingiram o estágio REM. Cães com pontuações mais altas de demência e com pior desempenho na tarefa de desvio ficaram pouco tempo em sono NREM e REM. Esses registros sugerem que cães com CCDS apresentaram alterações no ciclo sono-vigília, característica que se assemelha às alterações encontradas em pessoas com Alzheimer.
Contudo ainda não se sabe se essas mudanças também ocorrem quando os cães dormem à noite, e não à tarde. “Nosso próximo passo será acompanhar os cães ao longo do tempo durante seus anos adultos e idosos para determinar se há algum marcador precoce em seus padrões de sono-vigília ou na atividade elétrica de seu cérebro durante o sono, que possa prever o desenvolvimento futuro de disfunção cognitiva", conclui Olby.