• Giuliana Viggiano
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Membro do Modernismo, livros do escritor são alguns dos principais assuntos do ENEM e de outros vestibulares (Foto: Arquivo público do estado de São Paulo)

Membro do Modernismo, livros do escritor são alguns dos principais assuntos do ENEM e de outros vestibulares (Foto: Arquivo público do estado de São Paulo)

Graciliano Ramos de Oliveira nasceu em 27 de outubro de 1892, no município de Quebrangulo, no Alagoas. Filho de comerciantes, ele teve uma vida confortável durante a infância e pôde se dedicar aos estudos. Não por acaso, seu assunto de maior interesse eram as línguas — principalmente a portuguesa.

Ramos começou a escrever cedo e chegou a publicar seu primeiro conto aos 11 anos. Anos depois, ele passaria a produzir textos para periódicos brasileiros, os quais assinava com o pseudônimo Feliciano Olivença devido à sua pouca idade. Na juventude, trabalhou em jornais e publicações literárias. Além disso, fez parte do Exército, ajudou seus pais na loja da família e deu aulas de português.

Anos depois, o rapaz se fixou na cidade de Palmeira dos Índios, a cerca de 136 quilômetros de Maceió. Por lá, se envolveu com política e acabou se tornando o prefeito da cidade, em 1927. Alguns especialistas contam que, por conta de seus dotes literários, Ramos impressionava outros profissionais com seus relatórios bem escritos.

Mas, mesmo com o reconhecimento pelos “belos” documentos redigidos, esse mundo não era para o alagoano. Para ele a política era conturbada, pois envolvia muitos conflitos de interesse e burocracias. Isso fez com que ele renunciasse do cargo dois anos após a posse.

A política, contudo, não desapareceu de sua vida. Até sua morte, em março de 1953, Ramos atuou em diversos outros cargos públicos, principalmente em posições que envolviam assuntos ligados à educação.

O escritor Graciliano Ramos (Foto: Reprodução)

O escritor Graciliano Ramos (Foto: Reprodução)

Mesmo com todas essas funções, Ramos encontrou tempo para se casar duas vezes, ter oito filhos e, é claro, escrever. Ele foi um dos principais expoentes da segunda fase do Modernismo e, por seus mais de dez livros publicados, ganhou diversos prêmios e se consagrou um dos maiores autores do Brasil.

Contexto histórico e literário
Na época em que Graciliano Ramos começou a escrever, o país fervilhava com mudanças, tanto no campo da arte, quanto na política e economia. O movimento literário conhecido como Modernismo se consolidava, reforçando a formação de uma identidade artística nacionalista.

O Modernismo foi fundado por grandes nomes da arte brasileira, como Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral, durante a Semana de Arte Moderna de 1922, realizada no Theatro Municipal de São Paulo. Inicialmente, o movimento focou na ruptura da arte do Brasil com as influências do exterior, principalmente às produções europeias. A ideia dos artistas era o de criar uma identidade brasileira de forma quase ufanista e revolucionária. Quando Ramos começou a publicar suas obras, esse estilo já havia mudado.

Participantes da Semana da Arte Moderna, de 1922 (Foto: Reprodução)

Participantes da Semana da Arte Moderna, de 1922 (Foto: Reprodução)

Agora, os artistas já haviam amadurecido os ideais do movimento e podiam focar em outros temas, como o regionalismo, a mistura de diversos tipos de arte e a construção de algo totalmente brasileiro. Graciliano Ramos, é claro, se enquadra em todas essas classificações.

Mas, à época, essas ideias nacionalistas não permeavam apenas as artes. A segunda fase do Modernismo durou de 1930 até 1945, período em que ocorreu a Revolução de 1930, que colocou o país sob o comando do gaúcho Getúlio Vargas, responsável por formular reformas trabalhistas e econômicas para modernizar o Estado brasileiro. Contudo, em 1937 o presidente aplicou um "autogolpe" que instaurou uma ditadura até 1945 — e rendeu 11 meses de prisão a Ramos.

Em tempos de política anticomunista ditada por Vargas, as obras e as amizades de Ramos não eram bem vistas. “Ele tinha um lado político velado, mas, que se analisarmos, está muito presente em sua obra”, afirmou Celso Cavicchia, professor de literatura formado em letras pela USP, em entrevista à GALILEU.

Assinatura do autor Graciliano Ramos (Foto: Reprodução)

Assinatura do autor Graciliano Ramos (Foto: Reprodução)

O especialista ressalta ainda que o partidarismo de Graciliano Ramos é perceptível apenas para quem realmente presta atenção em seus escritos. “Quando você lê as obras, o comunismo está explícito se você quiser entender. Entretanto, para quem não quer, resta apenas a narrativa, que faz pensar 'coitadinho dos pobres e miseráveis' e só isso”, explicou.

Ramos foi preso apenas três anos após a publicação de São Bernardo (1934), que conta a história de amor de um dono de terras com uma mulher de ideias mais humanistas. “Nessa obra temos um capitalista explorando o trabalho do povo. Quando conto essa história para meus alunos, ele percebe o quanto a obra ainda é atual”, disse Cavicchia.

Depois de passar meses encarcerado pelo governo, Graciliano Ramos foi liberado em 1937. Não muito tempo depois, em 1938, o escritor publicou o livro que talvez seja sua obra mais famosa: Vidas Secas. Confira abaixo um resumo de suas principais obras.

Cena do filme de

Cena do filme de "Vidas Secas" (Foto: Reprodução)

São Bernardo (1934)
Neste livro, o fazendeiro Paulo Honório conta sua história que, como o leitor descobre logo no início, é cheia de reviravoltas. O narrador logo esclarece que pedira para colegas seus produzirem a obra, mas, como ele não gostou do resultado, resolveu escrever sua própria versão.

Por conta disso, a obra é escrita em linguagem regionalista e coloquial, rica em expressões nordestinas comumente usadas na época. Segundo o narrador, sua infância fora pobre e ele não tivera tempo de estudar, o que contribuiu para a formação de ser caráter prático e direto.

Acompanhamos a vida de Paulo Honório, desde a infância pobre, quando morava na Fazenda São Bernardo, até sua juventude e eventual ascensão econômica, que o leva a comprar a propriedade em que vivera quando criança.

Em 1934, ano em que publicou São Bernardo (Foto: Reprodução graciliano.com.br)

Graciliano Ramos 2m 1934, ano em que publicou São Bernardo (Foto: Reprodução graciliano.com.br)

O narrador, então, decide se casar — e é muito sincero em relação a suas razões para tal: agora que acumulou fortuna, precisa de um herdeiro. É assim que ele resolve se casar com Madalena, uma professora da região que já está “ficando para a titia”.

A moça topa o acordo e os dois se casam, passando a viver na fazenda. Por lá, Madalena mostra sua personalidade idealista e amigável, que tende a defender os trabalhadores e as classes mais baixas da população. Sendo controlador como é, as “intromissões” irritam Paulo Honório, que se torna violento e agride Madalena. Além disso, o homem tem acessos de ciúme da mulher — um pouco por tratá-la como propriedade, como faz com suas terras e funcionários.

Ao fim do romance, Madalena comete suicídio — e o marido fica sozinho. Sua vida, sem os atritos com a esposa, parece inútil. Nem o filho o motiva a continuar lutando pelo que quer. É justamente nesse cenário que Paulo Honório começa a escrever as suas memórias — onde parece admitir sua parcela de culpa pela morte da esposa.

Segundo os especialistas, esse livro de Graciliano Ramos deixa claro os embates entre capitalismo e socialismo, tal como a valorização de ideais mais humanistas. Além disso, o romance é extremamente regionalista e mostra a realidade de uma parcela da população brasileira não tão conhecida.

Dica aos vestibulandos: se atente à figura da coruja. O animal é frequentemente relacionado com a inteligência e com a morte. Não por acaso, sempre que Paulo Honório escuta o pio do animal, sente ímpeto para continuar a escrever suas memórias.

Filme: São Bernardo, dirigido por Leon Hirszman (1972).

Angústia (1936)
Nesta obra, Luís Silva conta os principais acontecimentos de sua vida, focando principalmente nos que o levaram a cometer uma grande loucura, revelada ao fim da obra. O narrador é um personagem consciente e astuto, que nasceu e cresceu em uma família de classe média.

O livro começa confuso, relatando acontecimentos presentes e lembranças passadas ao mesmo tempo. Isso ocorre porque ele escreve de acordo com seus pensamentos, ou seja, seu fluxo de consciência, que o leva a fazer paralelos entre diversos fatores de sua vida.

Em certo ponto, Luís Silva encontra Marina, uma jovem linda que mora no apartamento ao lado. A proximidade de suas casas é tal que ele consegue ouvir tudo o que se passa no quarto ao lado, onde ela mora com os pais.

 (Foto: Wikimedia Commons)

(Foto: Wikimedia Commons)

Logo o narrador conta que ficou noivo da menina e que compartilhou todas as economias com ela, para que pudessem fazer um enxoval. É quando ela gasta todo o dinheiro com roupas que Luís Silva percebe, segundo ele mesmo, o quanto a menina é tosca.

A situação é tolerável, até ele descobrir que Marina tem um caso com outro rapaz do escritório em que ele trabalha. Quando isso acontece, Luís Silva rompe o compromisso imediatamente e se sente livre. O problema, contudo, é que ele ficou obcecado pelo casal e começou a perseguí-los. Em certo ponto, quando o sujeito já trocou Marina por uma outra moça, Luís Silva resolve cometer uma grande loucura: assassinar o rapaz.

O acontecimento resulta em um fluxo de pensamentos ainda mais confuso, no qual o narrador se sente culpado e apavorado ao mesmo tempo. O livro termina neste frenesi, e, ao que parece nada é bem esclarecido.

Contudo, o que é essencial para o entendimento de Angústia é saber que esse é um romance circular. Ou seja, é lendo o começo da história, logo após terminar a leitura do livro, que o espectador entenderá o que de fato aconteceu.

Dica aos vestibulandos: Luís Silva trabalhava como revisor para um órgão governamental. Por isso, uma de suas principais funções era manipular partes dos textos escritos por jornalistas do local onde trabalhava, evitando fatos prejudiciais ao governo.

Vidas Secas (1938)
Este livro conta a história de “seis viventes”: Fabiano, Sinha Vitória, o menino mais velho, o menino mais novo, a cachorra Baleia e o papagaio da família. A história começa quando o grupo decide fugir da seca, que assola o sertão nordestino.

Em certo ponto da sua caminhada em busca de uma nova vida, a família se depara com uma casa aparentemente abandonada, a qual resolve ocupar. Entretanto, pouco depois, eles descobrem que o local pertence a um fazendeiro da cidade, e que, para se manterem lá, Fabiano terá de trabalhar para o homem.

O personagem se vê endividado do dia para a noite — e não consegue entender o porquê. Segundo o patrão, tudo o que Fabiano produz deve ser entregue ao superior, como tentativa de abater essa dívida.

Enquanto isso, o tempo passa e o leitor descobre outras facetas de Fabiano. Além de não ter dinheiro para quase nada, o marido de Sinha Vitória é viciado em jogos, e, em determinado momento da história, acaba sendo preso pelo policial da cidade.

Cena da adaptação cinematográfica de Vidas Secas (1963) (Foto: Reprodução Youtube)

Cena da adaptação cinematográfica de Vidas Secas (1963) (Foto: Reprodução Youtube)

Nenhum acontecimento fica muito claro para Fabiano ou para qualquer outro membro da família, pois não tiveram estudos e mal conseguem se comunicar — diálogos são raros no livro. O que o chefe da família tem claro é seu papel na sociedade e a consciência de que suas chances de sucesso são poucas.

Tanto que, em determinado momento, quando Fabiano encontra o policial no meio do sertão, começa a elaborar planos de vingança contra a figura de autoridade. Entretanto, opta por ajudar o homem a encontrar o caminho de casa, pois, segundo ele, o poder do governo é muito maior do que qualquer atitude que ele poderia tomar.

Os outros personagens são sonhadores. Sinha Vitória imagina que seu sucesso na vida virá quando conseguir uma cama decente para dormir. Os filhos sonham com o que querem para o futuro, e até a cachorra Baleia imagina como será sua vida quando encontrar um paraíso cheio de preás que poderá caçar.

O livro humaniza os animais de forma surpreendente. Quando a família decide comer o papagaio, Fabiano ironiza o animal dizendo que ele não sabe nem falar. Entretanto, o que está implícito é que tanto ele quanto os outros membros de sua família também não conseguem se comunicar.

O capítulo mais impactante da obra talvez seja o do sacrifício da cadela Baleia. Após adoecer, a Fabiano opta por matar o animal — que muitas vezes é retratado mais como humano que o próprio dono. Seu nome, é claro, é uma ironia: além de ser muito magra, o cãozinho vive em completa secura.

Nesse livro, Graciliano Ramos apresenta a história dessa família de forma dura e direta, tal como é a vida das personagens. Além disso, usa as personagens para mostrar não apenas a crueldade do sertão, mas também as opressões do sistema (demonstradas pelo patrão e pelo policial) e a migração dos nordestinos em busca de uma vida melhor, comum na época em que o autor estava escrevendo.

Dica aos vestibulandos: o termo “Sinhá” era usado por escravos e trabalhadores para se referirem às respectivas patroas ou mulheres da alta sociedade. Não por acaso, Vitória é chamada de “Sinha”, sem acento, o que a coloca como uma mulher como qualquer outra, sem nada de especial.

Filme: Vidas Secas, dirigido por Nelson Pereira dos Santos (1963).

Legado
Graciliano Ramos se tornou um dos maiores expoentes da literatura do Brasil. Retratando o Nordeste como ninguém, o autor deu voz a uma parte da população muitas vezes esquecidas — mesmo pelos modernistas da década de 1930.

Dentre outras obras produzidas pelo alagoano, estão Infância e Memórias do Cárcere — este último publicado postumamente e sem o último capítulo, nunca concluído. O escritor morreu em março de 1953 devido a um câncer de pulmão — fora fumante assíduo durante toda a vida.

Enquanto alguns especialistas defendem que a grande consagração de Ramos tenha vindo após sua morte, o trabalho dele já era reconhecido em vida. Recebedor de vários prêmios, o autor conhecia outras figuras importantes da época e chegou a trocar cartas com o pintor Candido Portinari, nas quais os dois debatem o sentido da arte.

Para conhecer mais sobre a história de Graciliano Ramos, vale conferir o documentário O Universo Graciliano, dirigido por Sylvio Back (2014).

 (Foto: Wikimedia Commons)

(Foto: Wikimedia Commons)