• Beatriz Gatti*
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Empresa e universidade criam verniz que bloqueia vírus e bactérias em embalagens plásticas flexíveis (Foto: Ali Burak Subaşı/Unsplash)

Empresa e universidade criam verniz que bloqueia vírus e bactérias em embalagens plásticas flexíveis (Foto: Ali Burak Subaşı/Unsplash)

Nem mesmo os mais céticos em relação à existência de carros voadores no século 21 imaginariam que, em vez disso, a humanidade passaria um ano inteiro lavando sacos de batata palha ou limpando, com álcool, pacotes de arroz. O novo coronavírus trouxe muitos hábitos que vieram para ficar, mas uma empresa de Santa Catarina se uniu à universidade federal do estado, a UFSC, para oferecer aos brasileiros um produto que dispensa a higienização de embalagens plásticas.

Fruto de uma parceria de mais de 15 anos entre a UFSC e a Anjo Tintas, marca de Criciúma, o verniz da linha Nanoblock tem uma tecnologia capaz de bloquear tanto a sobrevivência de vírus quanto a proliferação bacteriana em filmes e superfícies plásticas flexíveis, como embalagens de salgadinhos, bandejas de frios e sacolas de supermercado.

A ideia do produto surgiu no início da pandemia. O verniz foi criado com processos de nanotecnologia, desenvolvido com o suporte técnico do Laboratório de Controle e Processos de Polimerização (LCP) da UFSC e testado, ao longo de 2020, em laboratórios habilitados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A inovação também obteve aprovaç��o do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia, o Inmetro. “Buscamos alternativas para amenizar o impacto e os receios que todo mundo passou a viver”, conta Letícia da Costa Laqua, pós-doutoranda e pesquisadora do LCP, a GALILEU. 

Normas e testes de eficácia

Os testes foram realizados sob duas normas: uma para bactérias e outra para vírus. A primeira expôs um pedaço de embalagem envernizada às bactérias Escherichia coli e Staphylococcus aureus. A certificação japonesa JIS Z 2801:2010 define que, se o produto passa por essas duas classes de bactérias, significa que ele funciona contra todos os tipos de bactérias Gram-positivas e Gram-negativas, de acordo com Laqua.

O verniz se mostrou 99,9% eficaz, o que sinaliza que os ativos do produto — de tamanho na escala de nanômetros (1 centímetro mede 10 milhões de nanômetros) — se mostraram capazes de destruir a parede celular da bactéria, impedindo que ela se estabilize e se multiplique na embalagem.

A segunda certificação obtida foi a ISO 21702:2019, que avalia a atividade antiviral em superfícies não porosas, a exemplo das plásticas. Assim como no teste para bactérias, foram usadas e comparadas embalagens com e sem o verniz. Nelas, os cientistas inocularam vírus, incluindo um alphacoronavirusque é da mesma família do causador da Covid-19, o Sars-CoV-2.

Em laboratório, aplicação do verniz é testada em embalagem através de equipamento que simula impressora flexográfica (Foto: Anjo Tintas/Divulgação)

Em laboratório, aplicação do verniz é testada em embalagem através de equipamento que simula impressora flexográfica (Foto: Anjo Tintas/Divulgação)

Segundo Laqua, era impossível fazer o teste com o novo coronavírus pela falta de segurança em meio à pandemia. De todo modo, o alphacoronavirus representa um bom parâmetro para avaliar a potência antiviral, inclusive em relação aos vírus da família Coronaviridae.

A eficácia também foi de 99,9%, demonstrando que a nanotecnologia eliminou a capa proteica do vírus, o que impossibilitaria sua fixação na superfície e uma posterior invasão a células hospedeiras. Ambos os experimentos previram durabilidade de um ano em altas e baixas temperaturas.

Para a indústria

O verniz foi criado para ser aplicado em toda a superfície da embalagem após a impressão da arte. “Começamos agora a divulgação do produto para que as empresas vejam de que forma podem incluir essa tecnologia nas embalagens e, assim, proteger seus consumidores”, diz Filipe Colombo, CEO da Anjo Tintas.

Durante o processo de desenvolvimento, a equipe buscou garantir, além da eficácia, três objetivos: que o produto fosse seguro para o manuseio de operadores nas fábricas de embalagens, para o consumidor e para o alimento.

Embora o verniz não tenha contato direto com a comida, ele foi produzido de acordo com a resolução da Anvisa que lista as matérias-primas aprovadas e permitidas para embalagens de alimentos. "Esse também foi um papel importante da universidade, o de exigir todas essas certificações para o desenvolvimento do produto", observa Letícia Laqua.

Já foram fechados alguns contratos com fábricas de embalagens, e a previsão da Anjo Tintas é que os primeiros pacotes plásticos revestidos com o verniz cheguem aos supermercados em 30 ou 40 dias. Segundo a assessoria de imprensa da empresa, as companhias que adquiriram o produto ainda não foram reveladas, mas têm distribuição para todo o país. O consumidor poderá reconhecer o produto por meio de um selo Nanoblock ou com a descrição de que se trata de uma embalagem bactericida e antiviral. O padrão de identificação fica a critério de cada empresa.

Cuidados com higiene pessoal continuam necessários

Colombo conta que a ideia da parceria é continuar desenvolvendo produtos para a linha Nanoblock que possuam ativos capazes de proteger outros ambientes e materiais. “Como um spray multiuso, por exemplo, para jogar sobre a escrivaninha e deixá-la livre de vírus e bactérias por anos e anos”, ilustra o CEO.

Ainda assim, o produto não isenta os consumidores de cuidados e atenção com a contaminação cruzada. “Todas as práticas de higiene para combater o contágio vão continuar necessárias. O que a embalagem protegida vai fazer é dispensar aquela necessidade de sair do supermercado e ficar higienizando tudo com álcool”, informa Laqua.

O verniz vale para um tipo específico de embalagem e não garante a higienização das mãos das pessoas. “De nada adianta ter uma embalagem livre de bactérias e vírus se você não higieniza bem suas mãos”, alerta a pesquisadora.

Faltam evidências

Apesar dos esforços para garantir que as compras no supermercado não sejam um perigo, cada vez mais estudos apontam para o baixo risco de que a infecção pelo Sars-CoV-2 ocorra por meio de superfícies contaminadas. 

A  Food and Drug Administration (FDA), agência que regula alimentos e remédios nos Estados Unidos, e o Departamento de Agricultura do país, divulgaram na última quinta-feira (18) um comunicado conjunto em que afirmam que o novo coronavírus não tem características de patógenos que são transmitidos pela ingestão de alimentos contaminados, como é o caso do vírus causador da hepatite A.

Os pesquisadores dos EUA se unem a especialistas de outros países, como os da Comissão Internacional de Especificações Microbiológicas para Alimentos (ICMSF), para explicar também que, ao encostar em uma superfície, o risco de infecção é improvável. Isso porque o número de partículas de vírus que teoricamente poderiam ser captadas é muito pequeno. “Considerando os mais de 100 milhões de casos de Covid-19, não observamos evidências epidemiológicas de alimentos ou embalagens como fonte de transmissão do Sars-CoV-2 em humanos”, informou o comunicado.

*Com supervisão de Luiza Monteiro