• Redação Galielu
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Entenda por que Nova York declarou racismo como uma crise de saúde pública (Foto: Clay Banks/Unsplash)

Entenda por que Nova York declarou racismo como uma crise de saúde pública (Foto: Clay Banks/Unsplash)

Na última segunda-feira (18), o Conselho de Saúde da Cidade de Nova York, nos Estados Unidos, aprovou uma resolução que declara o racismo como uma crise de saúde pública. O documento determina que a Secretaria de Saúde do município implemente uma série de políticas a fim de, entre outros objetivos, garantir “uma recuperação racialmente justa” em meio à pandemia de Covid-19.

Nova York não é a primeira cidade estadunidense a fazer tal declaração. O próprio documento atribui o pioneirismo à “uma mulher negra, a Sra. Lilliann Paine”. Em 2018, antes da crise sanitária, a então diretora da Associação de Saúde Pública de Wisconsin, estado situado no centro-oeste dos EUA, afirmou que, “do berço ao túmulo”, passando por índices de mortalidade infantil até violência armada, o racismo “interrompe o potencial de vida” de milhares de afro-americanos.

A fala impulsionou o condado de Milwaukee, em Wisconsin, a se tornar no ano seguinte uma das primeiras jurisdições a reconhecer o racismo como um problema de saúde pública no país. Desde então, segundo a resolução nova-iorquina, cerca de 200 jurisdições e instituições também o fizeram, num movimento que pretende combater os danos históricos causados pelo preconceito racial às taxas de doenças e expectativa de vida entre grupos étnicos historicamente marginalizados, como negros, asiáticos e indígenas.

A adesão de Nova York à lista é avaliada pelos especialistas como um “passo histórico”, já que a cidade é uma das maiores dos Estados Unidos e abriga o principal departamento de saúde do país. “O passo que eles estão dando hoje para fazer uma declaração pública iniciará uma conversa importante que levará a medidas concretas que abordam as desigualdades na saúde”, comemora Georges C. Benjamin, Diretor Executivo da APHA, em comunicado.

A resolução oficializa uma declaração emitida pelo departamento em junho de 2020, em meio a protestos após o assassinato de George Floyd por um policial em Minneapolis. Na época, o órgão se comprometeu a abordar o racismo “como um determinante social da saúde". E, agora, afirma que "busca expandir esta declaração por meio de ações diretas em todo o Departamento de Saúde".

Por que um 'problema de saúde pública'?

A pressão pelo reconhecimento do racismo como um determinante social da saúde ganhou ainda mais força durante a pandemia do novo coronavírus. Estudos citados pela resolução do Conselho de Saúde de Nova York — como este produzido pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA  — mostram que as taxas de infecção e morte por Covid-19 foram desproporcionalmente mais altas entre nova-iorquinos negros e indígenas. Latino-americanos e negros também têm taxas de vacinação “extremamente baixas”.

O problema, no entanto, é anterior à crise sanitária. “Colonialismo, escravidão e genocídio indígenas são parte da história de nossa nação”, diz o documento. E acrescenta que essas injustiças permanecem sem reparação ou sem restituição abrangente. “A pandemia de Covid-19 ampliou as disparidades socioeconômicas e de saúde de longa data causadas pelo racismo”, avalia Sideya Sherman, diretora executiva da Força-Tarefa sobre Inclusão Racial e Equidade para Participação e Parcerias Comunitárias (NYCHA, na sigla em inglês), em nota.

 Estudos mostram que taxas de infecção e morte por Covid-19 foram desproporcionalmente mais altas entre grupos étnicos historicamente marginalizados. Acima, placa com os dizeres racismo é uma pandemia, em tradução literal (Foto: Unsplash)

Estudos mostram que taxas de infecção e morte por Covid-19 foram desproporcionalmente mais altas entre grupos étnicos historicamente marginalizados. Acima, placa com os dizeres racismo é uma pandemia, em tradução literal (Foto: Unsplash)

Antes da pandemia, o Departamento de Saúde de Nova York já documentava “extensivamente” desigualdades raciais nas taxas de prevalência e mortalidade por doenças como HIV, tuberculose, problemas de saúde mental e patologias crônicas, além de índices mais elevados de mortalidade materna, mortalidade infantil e mortalidade prematura entre minorias étnicas.

A resolução considera que o racismo estrutural exclui, marginaliza e prejudica sistematicamente a negros, indígenas e pessoas não-brancas (BIPOC, na sigla em inglês) por meio de moradia discriminatória e falhas na garantia de emprego, saúde, legislação criminal justa e outros sistemas, “todos os quais resultam em resultados de saúde evitáveis e injustos”.

'Ponto de partida'

Por essas razões, o documento conclama o órgão a trabalhar com outras agências para erradicar o racismo sistêmico nas políticas, planos e orçamentos em uma ampla gama de assuntos que afetam a saúde, incluindo o uso da terra, transporte e educação.

A resolução determina que o Departamento de Saúde de Nova York faça uma "revisão anti-racismo" do Código de Saúde da cidade, a fim de identificar quaisquer disposições existentes que apoiem ​​o preconceito sistêmico e estrutural. Recomenda ainda a criação de um grupo de trabalho batizado de "Data for Equity", projetado para garantir que o departamento aplique uma “lente de equidade” aos dados de saúde pública e instrua outras agências sobre como fazer o mesmo.

Com isso, pretende-se aumentar a disponibilidade de dados sobre fatalidades, lesões e condições de saúde por raça e gênero, a fim de elevar também a qualidade do atendimento prestada a esses grupos. A resolução instou o departamento a investigar o seu próprio papel em “desinvestir e subinvestir em programas essenciais de saúde liderados pela comunidade”.

Recomendações sobre anti-racismo relacionadas à saúde também deverão ser encaminhados ao prefeito da cidade. E é previsto que o departamento, por sua vez, se reporte duas vezes ao ano ao Conselho de Saúde de Nova York (BOH, na sigla em inglês) para comunicar os progressos realizados.

Para Kassandra Frederique, diretora executiva da Drug Policy Alliance, a resolução é de vital importância, mas não deixa de ser um "ponto de partida" de uma trajetória mais longa.  "Os efeitos do racismo na saúde pública têm sido catastróficos e as disparidades extremas são claras há décadas. Enfrentar o racismo de frente e elaborar políticas intencionalmente para lidar com os inúmeros danos para os indivíduos e comunidades nova-iorquinas de cor não é o resultado final que temos que buscar — é o ponto de partida", avalia, em comunicado.