• Marília Marasciulo
Atualizado em
“Não faz sentido investir em bem-estar e beber” (Foto: Caitlin Mitchell)

Ruby Warrington (Foto: Caitlin Mitchell)

Há pouco mais de oito anos, a jornalista britânica Ruby Warrington, autora do livro Sober Curious (em tradução livre, Sóbria Curiosa, ainda sem edição no Brasil), começou a se questionar se a vida seria melhor sem o consumo de bebidas alcoólicas. Uma opção que impediria as famigeradas ressacas de fins de semana e suas consequências físicas e morais, mas também daria um fim ao despretensioso happy hour de quarta-feira e aos brindes para comemorar o início das férias.


Tal renúncia não é uma opção fácil. O álcool é, afinal, a droga lícita mais consumida no planeta, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), ao mesmo tempo que é um dos principais fatores de risco globais relacionados à mortalidade e à incapacitação humana. Em 2016, 3 milhões de pessoas morreram em decorrência de consequências associadas ao consumo de álcool. Esse número equivale a quase 5,3% de todas as mortes no mundo.

A estimativa é de que existam 2,3 bilhões de pessoas que bebem regularmente, consumindo uma média diária de 33 gramas de álcool puro — o equivalente a dois copos de 150 ml de vinho, uma garrafa de 750 ml de cerveja ou duas doses de 40 ml de bebidas destiladas.

Uma pesquisa divulgada no periódico científico The Lancet na metade de 2018 concluiu que não existe um nível seguro para o consumo de álcool. Entre 1990 e 2016, os pesquisadores analisaram os níveis de consumo de álcool e seus efeitos na saúde de pessoas de 195 países. Eles descobriram que quem consome uma dose diária, estabelecida em 10 gramas de álcool puro, tem um risco 0,5% maior de desenvolver doenças como câncer ou sofrer acidentes. Com duas doses por dia, o risco sobe para 7%. No caso de cinco doses, o índice vai a 37%.

Dados como esses, além de uma “vozinha no fundo da alma” pedindo a Warrington que experimentasse parar de beber, fizeram com que a jornalista britânica adotasse o que ela chamou de “sobriedade curiosa”. Diferentemente de programas como o dos Alcoólicos Anônimos ou aqueles que estabelecem 12 passos para a recuperação, o movimento da autora enxerga a sobriedade como um processo que pode ser diferente para cada pessoa, às vezes sem necessariamente significar abstinência total. “Ser sóbria curiosa significa se questionar sobre a sua relação com o álcool, chegando a um ponto em que você até pode beber uma taça ou outra de vinho, mas consciente do papel que isso tem na sua vida”, explica. Você estaria
disposto a topar esse desafio?

"Muita gente bebe mais do que o limite máximo recomendado, mas não considera que tem um problema com o álcool”"

Ruby Warrington avalia a atual relação da humanidade com as bebidas

Como uma pessoa sabe se deve ser uma sóbria curiosa como você? Ou, então, que precisa realmente parar de beber para sempre?

As pessoas sabem. É como se lá no fundo da alma tivesse uma vozinha dizendo que a abstinência total é o certo para você. Mas às vezes pode ser muito difícil ouvi-la por causa das mensagens externas sobre o que significa ser um alcoólatra. E também há muito medo e estigma ao redor dessas conversas. Toda a minha missão com o movimento de “sobriedade curiosa” é fazer as pessoas ao menos avaliarem suas relações com a bebida para conseguirem ouvir essa voz interna.

Além disso, há também todas as mensagens que incentivam as pessoas a beber…

O normal na nossa sociedade é beber, não o contrário. Muita gente bebe mais do que o limite máximo recomendado, mas não considera que tem um problema com o álcool. Existe uma área cinzenta que se refere a todas essas pessoas que não são necessariamente alcoólatras, mas bebem mais do que o limite saudável. Quero deixar essa questão mais fácil para as pessoas, mas decidir que tipo de consumo é o ideal é algo que só você pode fazer.

Houve alguma situação que a motivou a avaliar sua relação com o álcool e ficar sóbria?

Foi algo mais lento, não houve um incidente que me fez dizer “isso tem que acabar”. Essa ideia cresceu em mim ao longo dos anos baseada na percepção de que a maneira como eu bebia tinha um efeito muito mais forte no meu bem-estar do que eu percebia. Diria que o questionamento sobre o impacto do álcool na minha vida coincidiu com um período estressante em termos de trabalho, que exigiu o melhor de mim. Isso me fez ver como o álcool prejudicava meu humor, minha criatividade, minha produtividade e a forma como conseguia dar conta de tudo.

E como foi esse processo?

Levei oito anos — é algo que requer muito comprometimento, autoconhecimento e tempo. Exige que você analise seus relacionamentos. Não há conserto da noite para o dia. Ao mesmo tempo, se você é uma pessoa que bebe toda noite até acordar na sarjeta coberta pelo próprio vômito, isso significa que você deve tomar uma atitude mais drástica e buscar a abstinência total o quanto antes.

Por que você acha que é tão difícil parar de beber, mesmo para pessoas que não passam por situações como a que você mencionou?

Parece mais difícil abandonar o álcool se você realmente tem um vício. Mas se a sua relação com o álcool faz você quase morrer, perder empregos ou parar na cadeia, você tem maiores “incentivos” para parar de beber do que se a pior consequência em sua vida for lidar com uma ressaca de vez em quando. E volto à questão das mensagens externas. Na nossa sociedade, o álcool é visto como algo que faz a gente se conectar com os outros, algo que nos torna sexy, divertidos. Álcool é o que nos faz relaxar. É difícil ir contra todas essas mensagens e acreditar naquela voz que repete “mas o álcool também faz você se sentir terrível e está atrapalhando sua busca por um propósito na vida”.

Se você tivesse de escolher somente um dos piores efeitos do álcool, qual seria?

Um dos piores, na minha visão, é que ele paralisa as pessoas e faz com que não sintam as próprias emoções. Isso significa que elas podem ficar em situações péssimas por mais tempo do que ficariam normalmente se simplesmente encarassem a realidade ou se de fato se conectassem às suas verdadeiras emoções e confiassem nelas. Essa é minha opinião, claro, mas se você perguntar isso aos médicos, eles responderão que é o desenvolvimento de câncer, de Alzheimer ou os acidentes de carro...

Estamos consumindo mais álcool por causa do estresse ou estamos mais estressados pelos efeitos do álcool em nossos corpos?

Boa pergunta. É mais provável que uma pessoa tenha mais problemas com álcool se beber para aliviar o estresse. Não era o meu caso, sempre evitei beber quando estava ansiosa, deprimida ou infeliz. Mesmo assim, quando parei de beber me senti mais segura de mim, passei a ter mais energia e meu sono melhorou. E tudo isso contribuiu muito para aliviar o estresse ou, pelo menos, diminuir a ansiedade. Quando você bebe demais, há reações químicas no corpo que de fato aumentam os níveis de ansiedade.

A busca por um estilo de vida saudável parece estar na moda. Você acredita que as próximas gerações vão beber menos?

Sim, já há estudos que mostram isso, e me pergunto se no futuro não observaremos o mesmo movimento que vimos com o cigarro em relação às bebidas alcoólicas. Afinal, não faz sentido investir tempo e dinheiro em rotinas de bem-estar e dietas saudáveis e colocar tudo a perder bebendo. As pessoas estão descobrindo novas formas de se sentir bem, fazendo exercícios, ioga e se alimentando direito. Mas não sei se essas gerações mais novas na verdade só estão fumando mais maconha ou usando mais medicamentos controlados. Temos de prestar atenção, observar se não está havendo mais prescrições de medicamentos como antidepressivos e ansiolíticos — porque ansiolíticos são essencialmente álcool em uma pílula.

O problema todo parece ser a forma como estamos vivendo nossa vida...

As pessoas estão estressadas e buscam maneiras de se sentir melhor e se conectar. E o álcool é responsável por muitos problemas, mas não significa que esses outros métodos também não gerem consequências. O fato de mais pessoas estarem usando antidepressivos é algo bom? Será que não deveríamos olhar para as verdadeiras causas disso tudo?

SOBER CURIOUS Ruby Warrington, US$ 25 (cerca de R$ 97); importado 229 páginas ed. HarperOne (Foto: Divulgação)

SOBER CURIOUS Ruby Warrington, US$ 25 (cerca de R$ 97); importado 229 páginas ed. HarperOne (Foto: Divulgação)