• Roger Marzochi
Atualizado em
Abraham Loeb, professor de Harvard conhecido por suas teorias sobre vida alienígena (Foto: Divulgação/https://www.cfa.harvard.edu/)

Abraham Loeb, professor de Harvard conhecido por suas teorias sobre vida alienígena (Foto: Divulgação/https://www.cfa.harvard.edu/)

É em meio ao silêncio que o físico Abraham Loeb, chefe do Departamento de Astronomia da Universidade Harvard, encontra inspiração para resolver de forma criativa problemas científicos complexos. Questões sobre a origem e o destino da humanidade sempre estiveram presentes em sua vida. Até a adolescência, Avi, como é conhecido, viveu na fazenda de seus pais, em Israel. Aos fins de tarde, ele buscava ovos no galinheiro. E, nos finais de semana, trabalhava dirigindo um trator.

Alimentava sua solidão lendo filósofos e escritores existencialistas, como o francês Jean-Paul Sartre e o argelino Albert Camus. Se não fosse o serviço militar obrigatório, Loeb poderia ter estudado filosofia. “Trabalhava na fazenda sozinho, sem pessoas à minha volta, cercado pela natureza e pensando sobre as questões fundamentais”, explica Loeb a GALILEU. “Atualmente, eu consigo inspiração na maioria das vezes quando estou sozinho, sem pessoas por perto. Eu gosto de ser independente.”

Sua mais recente paz criativa, no entanto, tem causado uma das maiores polêmicas no mundo científico. Loeb é um dos primeiros cientistas considerados sérios, de uma prestigiada universidade norte-americana, a defender que o Oumuamua, o primeiro objeto a cruzar nosso espaço vindo de fora do Sistema Solar, possivelmente tenha sido construído por uma civilização alienígena, quem sabe na própria Via Láctea.

“Eu não considero a discussão sobre vida fora da Terra de forma especulativa. Cerca de um quarto de todas as estrelas possuem um planeta do mesmo tamanho e temperatura como a Terra, onde água líquida deve existir e a química da vida como a conhecemos possa ter se desenvolvido”, afirma. “Se você jogar os dados dezenas de bilhões de vezes só na Via Láctea, há uma pequena chance de estarmos sozinhos. Qualquer um que defenda que somos únicos e especiais está demonstrando arrogância.”

Em outubro de 2017, pesquisadores da Universidade do Havaí detectaram por meio do telescópio Pan-Starrs esse objeto. Devido à sua trajetória fora dos padrões dentro do Sistema Solar, batizaram-no de Oumuamua, que em havaiano significa “mensageiro de muito longe que chega primeiro”. Cientistas do mundo se debruçaram sobre esse estranho visitante. De onde teria vindo tal objeto?

Com cerca de 400 metros de comprimento, ele mostrava desvios de órbita em relação ao Sol e uma aceleração e brilho incomuns a cometas e asteroides. Até que em 2018, Loeb e seu aluno de pós-doutorado Shmuel Bialy publicaram um artigo científico na revista Astrophysical Journal Letters que deixou todo mundo de cabelo em pé.

Com as informações obtidas nas três noites de observação em 2017, foi possível sugerir que o formato do Oumuamua se assemelhava a um charuto alongado e muito fino, de cor avermelhada, com brilho dez vezes mais intenso que um asteroide ou cometa. Para Loeb, o objeto poderia ser natural, produzido de uma forma desconhecida no Universo, ou realmente um objeto artificial.

Pela sua velocidade, de 26 km/s, e aceleração próximo ao Sol sem a detecção de emissões de gás, como ocorre no derretimento de gelo em cometas, Loeb sugere que poderia ser uma vela solar flutuando no espaço, um lixo espacial de algum equipamento tecnológico. “Outra alternativa, em um cenário mais exótico, o Oumuamua pode ser uma sonda totalmente operacional enviada intencionalmente para as vizinhanças da Terra por uma civilização alienígena”, escrevem os pesquisadores.

Abraham Loeb (Foto: Shawn G. Henry/Divulgação)

Abraham Loeb (Foto: Shawn G. Henry/Divulgação)

Desde então, Loeb virou pop star da ciência, um garoto-propaganda da possibilidade de se encontrar vida além da Terra, procurado pela imprensa e por cineastas interessados em levar a sua história para as telas.

Questão de ciência
Coryn Bailer-Jones, astrônomo do Instituto Max Planck, na Alemanha, considera que a busca por vida alienígena pode ser uma tarefa para a ciência de forma séria. Mas não esconde o seu inconformismo com a atenção dada a Loeb desde que publicou seu trabalho, em novembro de 2018. “Eu não entendo o fascínio da mídia com Avi Loeb. E pelo que li, muitos cientistas não levam o trabalho dele a sério”, afirmou. A ideia de que o Oumuamua  possa ser um material extremamente fino e, sob certas circunstâncias desconhecidas, receber impulso da energia solar como uma vela é uma teoria interessante, diz ele, mas disso para falar em alienígenas seria um passo muito grande.

“Há cenários mais plausíveis para se explorar que poderiam explicar a aceleração não gravitacional do Oumuamua. A ciência realmente perderia sua linha se pularmos para aliens (ou Deus) toda vez que não entendermos alguma coisa”, diz Bailer-Jones, que tem pesquisado a trajetória desse objeto na Via Láctea e encontrou quatro possíveis estrelas de onde o Oumuamua possa ter surgido.

Loeb, porém, nega que esteja fazendo ficção científica. Rebate Bailer-Jones afirmando que todas as opções oferecidas pela ciência moderna foram usadas para chegar às conclusões do estudo. “Escrevemos um artigo científico que foi revisado e aceito em três dias”, afirma. “Eu o encorajo a ler o artigo, escrito dentro de padrões científicos”, reforça ele, para quem, por outro lado, questões como matéria escura, teoria das cordas e multiverso são bem aceitas pelo mainstream da ciência mas difíceis de serem comprovadas.

O físico e escritor brasileiro Marcelo Gleiser, professor de física e astronomia da Dartmouth College, nos Estados Unidos, também questiona o estudo do colega de Harvard. “Apesar de ter grande respeito por Avi Loeb e conhecê-lo pessoalmente há muitos anos, acho que neste artigo se excedeu. Sua hipótese é extremamente especulativa, quase que bombástica. Concordo com o Bailer-Jones”, afirma.

“Como se costuma dizer nesse tipo de ciência, asserções extraordinárias requerem evidências extraordinárias. Imaginar que uma civilização inteligente criou tal objeto para viagens interestelares é tentar dar vida ao famoso monolito de 2001: Uma Odisseia no Espaço. Por mais instigante que seja, é uma hipótese extremamente remota e sem qualquer evidência convincente.”

Gleiser também acha estranho Loeb usar a matéria escura ou o multiverso como um exemplo análogo à sua explicação ao Oumuamua. A matéria escura tem evidências favoráveis à sua existência pela distorção gravitacional que provoca em galáxias, explica o brasileiro. Assim como o multiverso “é uma ideia com motivação teórica baseada em modelos que têm um respaldo observacional, como o universo inflacionário”, analisa.

“Não temos a menor indicação de que existem outras civilizações inteligentes, de que tenham desenvolvido tecnologias e de que tenham o interesse em se lançar ao espaço. Por outro lado, acho o momento oportuno para uma discussão séria sobre o papel da especulação na ciência de ponta, e se hipóteses que não sejam comprováveis têm ou não um lugar em ciência.”

Atritos
Para Loeb, está claro que, sim, vale ousar. Em artigo enviado em março de 2019 para a Harvard Gazette, por exemplo, ele argumenta que muitos professores na academia se apegam ao cargo e às honras, esquecendo-se de é preciso arriscar para ampliar a visão de mundo. “A única coisa que eu mudaria no mundo seria transformar meus colegas na academia em crianças novamente, para que eles seguissem o caminho sincero de aprender sobre o mundo”, escreve.

Também como professor, Loeb diz que busca criar um ambiente estimulante a seus alunos, encorajando-os a inovar. “Eu considero o trabalho criativo na ciência como uma arte, porque requer imaginação e inovação. A capacidade de inovar não tem receita e não pode ser ensinada. Só pode ser nutrida e encorajada”, explica à reportagem.

Amir Siraj, aluno de graduação em astrofísica de Harvard, que já escreveu dois trabalhos científicos com Loeb, um deles sobre a forma do Oumuamua, desfia elogios. “Avi é uma pessoa extraordinária. Ele é gentil, focado e um mentor de pesquisa que dá empoderamento. Eu tenho muita sorte de trabalhar com um professor como ele”, diz. “Eu acho muito importante estar ativamente buscando vida extraterrestre e colocando hipóteses sobre isso na comunidade científica. Se assumirmos uma probabilidade zero da existência de vida extraterrestre, nós nunca a encontraremos.”

A interdisciplinaridade é vista como um fator muito importante para Loeb, que tem se preocupado com o avanço da inteligência artificial e da robótica sobre a arte e a sociedade. Para ele, ciências sociais e artes devem se entrelaçar nos estudos sobre tecnologia e nas ciências exatas. E Siraj é um exemplo disso.

Filho de iranianos, mas nascido nos Estados Unidos, o estudante é um exímio pianista de música clássica, que já tocou com a Boston Symphony Orchestra e se apresentou para o primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau. Seu principal sonho enquanto cientista é encontrar evidências de vida fora da Terra e acredita que a música pode lhe instigar insights importantes em suas futuras teorias. E vai além: “A música é talvez a linguagem mais universal e transcendente a que a humanidade tem acesso. Eu não ficaria surpreso se fosse o mesmo para outras formas de vida inteligente”.

Carlos Alexandre Wuensche, pesquisador titular da Divisão de Astrofísica do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), faz um contraponto aos críticos de Loeb. Para Wuensche, não há dúvida de que o posicionamento do físico israelense vai contra a ortodoxia. Porém, pelas características realmente incomuns de Oumuamua, o cientista do Inpe avalia que Loeb foi ao menos ousado. “Não acho que ele esteja fazendo sensacionalismo. Essa proposta é baseada em algumas ideias ousadas, mas não é uma ideia absurda, nem ele afirma que é uma coisa resolvida”, argumenta.

Wuensche acha também muito improvável que Loeb esteja atraindo a atenção da mídia com segundas intenções, uma vez que ele é presidente do comitê da Breakthrough Initiatives, organização criada em 2015 pelo empresário russo Yuri Milner para buscar evidência de vida extraterrestre e explorar o espaço. Parte do artigo científico de Loeb e Bialy foi, inclusive, financiada pela Breakthrough Prize Foundation.

“Loeb tem uma credibilidade enquanto cientista. Eu ficaria muito surpreso se isso fosse promovido como uma espécie de retorno à bolsa que ele recebe. Ciência não se faz dessa maneira. E, ao longo de sua carreira, ele sempre foi muito independente. Não que isso não aconteça, mas pelo currículo dele eu ficaria muito surpreso”, comenta Wuesche.

Origem de tudo
O interesse de Loeb em encontrar vida extraterrestre não é recente. Há cerca de dez anos, ele despertou sua curiosidade para essa área quando percebeu que seria possível identificar sinais de rádio, gerações artificiais de calor e até poluição atmosférica em outros planetas por meio de detectores de baixa frequência.

Abraham Loeb (Foto: Adam Glanzman/Divulgação)

Abraham Loeb (Foto: Adam Glanzman/Divulgação)

Objetos como o Oumuamua serão identificados com maior frequência, em sua avaliação, assim que estiver pronto no Chile o Large Synoptic Survey Telescope (LSST), previsto para entrar em operação em 2022. “Estaremos aptos a identificar um novo objeto deste tipo por mês. E uma vez encontrados, teremos a certeza de estudá-los cuidadosamente no melhor telescópio”, prevê.